A rivalidade franco-alemã,
a disputa germano-britânica pela hegemonia naval, o problema das minorias
eslavas, a insatisfação da Alemanha com a partilha do mundo colonial e a
necessidade que tinha a Rússia de uma saída para o Mediterrâneo foram os
principais fatores que levaram à irrupção da primeira guerra mundial.
Tomou o nome de primeira guerra mundial o confronto
que, de agosto de 1914 a novembro de 1918, opôs as potências centrais
(Alemanha, Áustria e Turquia) aos aliados (Rússia, França, Reino Unido e mais
tarde Estados Unidos), envolvendo ainda dezenas de outros países, entre eles o
Brasil. A grande guerra, como foi chamada na época, devastou a Europa, pois
nenhum outro conflito até então envolvera de maneira tão extensa e profunda as
populações dos países beligerantes.
Origens. O "equilíbrio europeu" surgido após
as guerras napoleônicas de 1805-1815 era apoiado numa série de alianças que só
propiciaram uma instável paz armada. A Alemanha, unificada sob Otto von
Bismarck, promoveu acordos com a Áustria, a Itália e a Rússia (1873-1882).
Destacou-se entre todos o da Tríplice Aliança germano-austro-italiana, sempre
com o objetivo de isolar a França. Mas quando o kaiser alemão Guilherme II
subiu ao trono, afastou Bismarck e recusou-se a renovar o pacto com a Rússia, o
que levou o czar Alexandre II a superar sua aversão à república e assinar
tratado com a França, que assim saiu do isolamento. A França também
reconciliou-se com a Itália por meio de acordos comercial e político
(1898-1902).
O Reino Unido abandonou seu "esplêndido
isolamento" e tentou em vão aproximar-se da Alemanha. Só se voltou para a
França quando ficou alarmado com o programa naval e comercial de Guilherme II.
Foi então que se estabeleceu a Entente Cordiale (1904) pelo qual ambas as
potências prometiam apoio recíproco. Em 1907 a França aproximou a Rússia do
Reino Unido e, a partir de 1908, esse bloco ficou conhecido como Tríplice
Entente.
Tanto a Tríplice Aliança quanto a Tríplice Entente se
diziam defensivas. A primeira era uma verdadeira aliança, obrigava cada uma das
partes a prestar assistência às outras em caso de ataque. Entretanto, a Itália
dela se afastou à medida que ficou claro o conflito de seus interesses com os
dos austríacos no mar Adriático. A Tríplice Entente, por sua vez, era mero
entendimento, pois o Reino Unido não desejava nem podia assumir compromissos
muito definidos.
Início da guerra. Quando o arquiduque Francisco
Ferdinando de Habsburgo foi morto a tiros por um nacionalista sérvio durante
visita a Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina (anexada ao império
austro-húngaro em 1908), a Áustria, com apoio da Alemanha, aproveitou o
pretexto para declarar guerra à Sérvia (28 de julho de 1914), com a intenção de
eliminá-la do mapa e dividir seu território com a Bulgária. A Rússia, temerosa
desse expansionismo, mobilizou seus exércitos contra a Áustria. A Alemanha
então declarou guerra à Rússia e à França, e invadiu a Bélgica a 3 de agosto. O
Reino Unido entrou no conflito no dia seguinte, e ficaram definidos os dois
campos. De um lado as potências centrais: Alemanha e o império austro-húngaro,
apoiados por Turquia e Bulgária. Do outro os aliados: Rússia, Sérvia,
Montenegro, França, Reino Unido e Bélgica.
Após superar a resistência belga, o exército alemão
invadiu a França na expectativa de uma vitória rápida, para poder concentrar
depois suas forças contra a Rússia. De fato, chegou a cinqüenta quilômetros de
Paris, mas foi rechaçado na batalha do Marne (várias batalhas são agrupadas sob
esse nome), entre 5 e 10 de setembro. Os alemães então se entrincheiraram ao
norte, de onde tentaram dominar a região da Mancha. A "corrida para o
mar" dos alemães foi frustrada por uma ofensiva anglo-francesa com apoio
belga.
Frente ocidental (1915-1916). Após a vitória aliada em
Ypres (outubro-novembro de 1914), a frente estabilizou-se numa linha em forma
de um "S" alongado e mal traçado, que ia da Mancha à Suíça. Começou
então uma interminável guerra de trincheiras, que se estendeu por todo o ano de
1915. Em abril, na segunda batalha de Ypres, pela primeira vez na história das
guerras os alemães empregaram gás venenoso, provocando pânico. Em fevereiro de
1916 os alemães atacaram Verdun e tomaram várias fortificações em torno da
cidade. Os aliados responderam com a ofensiva do Somme, batalha que custou um
milhão de homens, somando-se as baixas de ambos os lados. Na ocasião, os
ingleses, por inspiração de Winston Churchill, utilizaram pela primeira vez
tanques, ainda primitivos e em pequeno número, na verdade tratores blindados e
armados.
Campanha da Rússia (1915-1917). Na frente oriental os
russos atacaram os austro-húngaros na Galícia (Polônia). Com a chegada de
reforços alemães, as potências centrais avançaram e logo dominaram a Polônia e
a Lituânia. Os russos perderam dois milhões de homens, a metade dos quais foram
feitos prisioneiros. Apesar disso, em 1916 desfecharam contra-ataque na frente
que ia dos Cárpatos ao Báltico e, como resultado indireto, a Romênia entrou na
guerra do lado dos aliados.
A melhor condição estratégica da Rússia tinha como
contrapeso a crise interna que levou à queda do czarismo em 23 de fevereiro (8
de março, no calendário gregoriano) de 1917. O governo Kerenski iniciou nova
ofensiva mas os alemães ocuparam Riga em setembro e em seguida se apossaram da
Letônia e das ilhas do Báltico. Lenin chegou ao poder em outubro e assinou o
armistício de Brest-Litovsk com os alemães, que assim puderam transferir suas
tropas para a frente ocidental. Pelo tratado do mesmo nome, firmado em 3 (16)
de março de 1918 a Rússia ainda lhes cedeu a Ucrânia, a Polônia, a Lituânia, a
Finlândia, províncias do Báltico e a Armênia.
Frente italiana (1915-1917). Apesar de ter assinado a
Tríplice Aliança, a Itália, em conflito de interesses com a Áustria, recusou-se
a entrar na guerra ao lado das potências centrais. E para lutar ao lado dos
aliados exigiu o domínio do Adriático, por considerar-se herdeira de Veneza, e
a anexação do Trentino ou Tirol do Sul. Depois de uma série de manobras
diplomáticas, foi assinado um tratado secreto em Londres (abril de 1915) pelo
qual os aliados lhe prometiam o território tirolês pleiteado e uma parte das
colônias alemãs a serem partilhadas após a guerra. Assim, em 23 de maio de 1915
a Itália declarou guerra ao império austro-húngaro, iniciando-se uma luta de
trincheiras ao longo do eixo Isonzo-Trieste. Em outubro de 1917 uma grande
ofensiva dos poderes centrais rachou a frente e obrigou os italianos a se
retirarem até Piave. Em junho de 1918 a Áustria atacou Piave, mas foi
rechaçada, insucesso que, somado ao colapso total de suas forças na guerra, deu
a vitória à Itália. Roma e Viena assinaram o armistício no dia 3 de novembro de
1917.
Campanha da Turquia (1914-1918). Temerosa da
desintegração final do império otomano, após batalha diplomática de quase três
meses entre Londres, Paris, Berlim e Constantinopla, a Turquia entrou na guerra
do lado das potências centrais (29 de outubro de 1914) e bombardeou vários
portos russos no mar Negro. Pouco depois lançou grande ofensiva contra a
Rússia. Como a frente ocidental estava paralisada desde outubro, os aliados
decidiram atacar Constantinopla através dos Dardanelos, para dar a mão aos
russos e ameaçar as potências centrais pelo sudeste. Arquitetou-se então a
campanha de Galípoli, brilhante na concepção mas inepta na execução, e que se
estendeu até janeiro de 1916, sem êxito. O desembarque, apesar de tudo, serviu
de precedente para as bem-sucedidas campanhas anfíbias da segunda guerra
mundial.
A luta prosseguiria no Oriente Médio, onde as
campanhas da Palestina e da Síria deram celebridade a Thomas Edward Lawrence,
El-Orens para os árabes, Lawrence da Arábia para o mundo ocidental, arqueólogo
de Oxford que dirigiu a revolta dos beduínos contra o domínio otomano. Sua
guerrilha contribuiu para que as tropas britânicas capturassem Gaza, Jaffa e
Jerusalém e, no outono de 1918, desbaratassem as forças turcas em Megido.
Guerra dos Balcãs (1914-1917). Desde o início da
guerra tanto os aliados quanto as potências centrais tentaram atrair os países
do sudeste europeu. Por fim foi aberta a frente da Macedônia, com o desembarque
de tropas franco-britânicas em Salonica (outubro de 1915). A Sérvia foi atacada
pelas tropas austro-húngaras, agora com apoio da Bulgária. Em 1918 as forças
aliadas sediadas em Salonica, com apoio da Grécia, da Itália e da Sérvia, lançaram-se
contra a Bulgária, que após uma semana de luta pediu o armistício (30 de
setembro). A Romênia juntou-se aos aliados e entrou no conflito em 27 de agosto
de 1916, na tentativa de apoderar-se da Transilvânia, então pertencente à
Hungria. Mas só em 15 de setembro de 1918 as tropas francesas romperiam a linha
inimiga e continuariam a avançar até o dia do armistício alemão de 11 de
novembro; durante três anos metade do exército búlgaro imobilizara mais de meio
milhão de homens em Salonica. Na verdade, porém, o principal inimigo foi a
malária.
Guerra marítima e aérea (1914-1918). A guerra naval
caracterizou-se pelo bloqueio britânico dos portos inimigos. Os alemães
responderam com a guerra submarina, que causou sérias dificuldades aos aliados
mas também resultou decisiva para a entrada dos Estados Unidos no conflito. A
opinião pública americana foi mobilizada sobretudo após o torpedeamento do
Lusitânia (7 de maio de 1915), navio britânico de passageiros que levava também
munições e em cujo afundamento morreram cidadãos americanos.
No sentido clássico de duelo de artilharia, ocorreram
quatro batalhas navais, três delas importantes. No ataque às ilhas Malvinas ou
Falkland (8 de dezembro de 1914), depois da batalha de Coronel, no Chile (1º de
novembro de 1914), os alemães sofreram grande derrota, que prenunciou o fim de
suas operações em alto-mar. O encontro de Dogger Bank (24 de janeiro de 1915)
não passou de uma série de escaramuças entre cruzadores britânicos e alemães. A
31 de março do mesmo ano travou-se, a oeste da península da Jutlândia
(Dinamarca), a maior e mais discutida batalha naval da guerra. Ela terminou
indecisa, no sentido que nenhuma das duas esquadras destruiu a outra; mas os
alemães, comandados pelo almirante Reinhard Scheer, desistiram de enfrentar as
belonaves de Sir John Jellicoe e retiraram-se para sua base, de onde nunca mais
saíram, o que configurou uma vitória tática dos britânicos.
A partir daí a esquadra britânica dedicou-se ao
bloqueio naval, enquanto a Alemanha se concentrava na guerra submarina. O
tráfego marítimo mundial foi seriamente ameaçado e todo o continente europeu
sofreu privações. A crise atingiu os Estados Unidos. Os protestos após o
afundamento do Lusitânia surtiram algum efeito, mas quando os alemães afundaram
mais três de seus navios mercantes os americanos declararam-lhes guerra, em 6
de abril de 1917.
As missões aéreas eram a princípio apenas de
reconhecimento e regulagem do tiro da artilharia. Da necessidade de impedir e
proteger os reconhecimentos, nasceram os caças. Finalmente a nova arma passou a
ser empregada em bombardeios táticos e estratégicos, e aeroplanos e dirigíveis
ditos zepelins atacaram Paris e Londres, enquanto o Reino Unido bombardeava
cidades e centros industriais alemães.
Vitória aliada na frente ocidental (1917-1918). Em
março e abril de 1918 os alemães lançaram uma grande ofensiva na Champagne e só
foram detidos pela contra-ofensiva francesa a cerca de sessenta quilômetros de
Paris. Fortalecidos pelo contingente americano, os aliados forçaram as tropas
alemãs a retroceder e, no fim de setembro, os reveses militares levaram à queda
do governo em Berlim. Em outubro o príncipe Max von Baden pediu o armistício
com base nos Quatorze Pontos do presidente americano Woodrow Wilson, enunciado
de condições para a paz que entrou em vigor a 11 de novembro de 1918. Em
seguida à derrota, ao motim da esquadra alemã e às revoluções na Baviera e na
Prússia, o imperador Guilherme II fugiu para os Países Baixos. E a Europa
iniciou os preparativos da conferência de paz de Versalhes, para a qual o
Brasil seria convidado.
Participação brasileira (1917-1918). Em 26 de outubro
de 1917, após o torpedeamento de vários navios cargueiros brasileiros por
submarinos alemães, o Brasil declarou guerra à Alemanha. A participação brasileira
foi restrita, porém útil. Uma divisão naval, composta por cruzadores ligeiros e
contratorpedeiros, foi enviada em ajuda aos aliados, mas em Dacar a peste
vitimou 464 dos dois mil tripulantes. Dez aviadores do Corpo de Aviação Naval
participaram do patrulhamento do Atlântico, e uma missão médica, composta de
cem cirurgiões, seguiu para a França. Navios do Lóide Brasileiro ajudaram a
transportar tropas americanas para a Europa.
Conseqüências.
Extensas áreas da Europa foram arrasadas. O total de vítimas é
impossível de ser calculado, mas fala-se entre 10 e 15 milhões, computando-se
mortos e feridos, militares e civis. O custo, em despesas diretas e
decorrentes, chegou a cerca de 338 bilhões de dólares. O mundo entrou em crise
e desequilíbrio. Revoluções derrubaram dinastias e o regime republicano
estendeu-se pelo continente europeu. As moedas nacionais sofreram baixa, o
câmbio ficou instável, a especulação e a inflação dispararam. A crise econômica
de 1929 foi um desdobramento dessa situação. O império austro-húngaro, de
economia outrora modelar, viu-se reduzido a um estado sem expressão. Os Estados
Unidos recomendaram um ano de moratória para todas as transações
internacionais, em meio ao caos financeiro.
Na Alemanha, a revoltada oposição ao Tratado de Versalhes
e às pesadas indenizações de guerra levaram ao surgimento do nazismo. A Europa
central tornou-se um conglomerado de pequenos estados, com o enorme problema
das minorias, o que estimulou os países mais poderosos a buscar a hegemonia
continental. Os interesses da indústria bélica desenvolvida ao longo da guerra
somaram-se à crise política para preparar o cenário da segunda guerra mundial,
que incorporou a grande novidade da primeira: a exacerbação do patriotismo e a
mobilização em massa da sociedade civil.
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