Desde o
Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, a igreja cristã subordinada à
autoridade papal passou a denominar-se Católica Apostólica Romana, em oposição
às igrejas protestantes constituídas a partir da Reforma. Define-se como una,
santa, católica e apostólica e considera seu chefe como legítimo herdeiro da
cátedra do apóstolo Pedro, sagrado papa, segundo o Evangelho, pelo próprio Cristo.
O termo
catolicismo foi usado por alguns autores (Aristóteles, Zenão, Políbio), antes
da era cristã, com o sentido de universalidade. Aplicado à igreja, aparece pela
primeira vez por volta do ano 105 da era cristã na carta de Inácio, bispo de
Antioquia. Nos textos mais antigos, aplica-se à igreja geral considerada em relação às igrejas locais. Nos
autores do século II da era cristã (Justino, Ireneu, Tertuliano, Cipriano), o
termo assume duplo significado: o de universalidade geográfica, pois na opinião
desses autores a igreja já havia atingido os confins do mundo; e o de igreja
verdadeira, ortodoxa, autêntica, em contraposição às seitas que começavam a
surgir.
História
Cristianismo
na Palestina. Na época de Jesus Cristo, quando a Palestina era dominada pelos
romanos, a religião oficial do povo judeu pautava-se pela parte da Bíblia
conhecida como Antigo Testamento. Embora não pretendendo romper com a tradição
religiosa judaica, a mensagem de Cristo dava realce principalmente aos
princípios éticos do amor e da fraternidade, contrapondo-se ao formalismo
religioso apregoado pelos fariseus e doutores da lei mosaica. Essa mensagem de
cunho mais espiritual e menos legalista passou a ser divulgada sobretudo entre
as camadas pobres da população, na língua popular, o aramaico, mediante
parábolas.
Após a morte
de Cristo, seus discípulos passaram a ser chamados cristãos e, reunidos em
pequenas comunidades, procuraram manter viva a lembrança de seus ensinamentos,
embora participando ainda da tradição religiosa judaica. O evento mais
importante desse período foi a primeira assembléia cristã, conhecida como
Concílio de Jerusalém, da qual emergiram duas perspectivas pastorais bem
definidas. De um lado, sob a liderança do apóstolo Tiago, estavam os que
pretendiam dar destaque à raiz judaica da nova fé; do outro, os seguidores de
Paulo, que desejavam uma abertura imediata da mensagem cristã para o mundo
cultural greco-romano. A decisão conciliar optou por uma abertura prudente,
proposta por Pedro, já escolhido por Cristo como chefe de seu primeiro grupo de
discípulos. Esse cristianismo judaico teve, porém, vida relativamente breve, em
vista da destruição de Jerusalém, ordenada pelo imperador Tito no ano 70. A
partir de então, a fé cristã expandiu-se nas províncias da Anatólia e na
própria capital do Império Romano.
Cristianismo
no mundo helênico. Foi sobretudo graças à atuação de são Paulo, divulgador da
mensagem cristã na Anatólia, que o movimento religioso iniciado por Cristo na
Palestina estendeu-se para o mundo helênico. A crença de pobres camponeses e
pescadores passou a conquistar adeptos entre as famílias pertencentes às
classes médias urbanas. O culto cristão foi progressivamente adaptado às formas
de expressão mística do Oriente e sua liturgia passou a empregar a língua
grega. Fez-se também a tradução da Bíblia para o grego, conhecida como versão
dos Setenta, e a atitude ética proposta pelo cristianismo complementou-se com
um enfoque conceitual e doutrinário. A elaboração teórica começou com os
apologetas, entre os quais destacou-se Orígenes, empenhados em defender a
validade da crença cristã diante da cosmovisão grega.
Dois centros
de cultura cristã assumiram uma importância excepcional nessa época:
Alexandria, no Egito, e Antioquia, na Síria. Em Alexandria predominava a
influência platônica e uma interpretação das Escrituras voltada para a
alegoria; em Antioquia prevalecia a interpretação histórico-racional, de raiz
aristotélica. O período que abrange os séculos IV e V caracterizou-se pela
atuação de intelectuais católicos como Atanásio, Basílio, Gregório de Nissa,
Gregório Nazianzeno, João Crisóstomo e Cirilo de Alexandria, todos pertencentes
ao clero católico. A consolidação dos dogmas cristãos nessa época gerou
divergências doutrinais conhecidas como heresias.
O primeiro
concílio ecumênico realizou-se em Nicéia em 325, convocado pelo imperador
Constantino. Coube a Teodósio I reunir o segundo concílio ecumênico em 381, na
cidade de Constantinopla, com a participação apenas dos bispos orientais. O
terceiro concílio realizou-se em Éfeso, no ano 431, e proclamou a origem divina
da maternidade de Maria. A maior assembléia cristã da antiguidade foi o
Concílio de Calcedônia, realizado em 451. Desde o século IV, a igreja grega
passou a atuar em colaboração com o poder político e essa aliança com o estado
fortaleceu-se após a separação da igreja de Roma. No século IX, com Fócio,
patriarca de Constantinopla, as relações entre as duas igrejas se estremeceram,
mas a separação definitiva só se deu em 1054. Desde então a igreja romana se
refere à igreja grega como cismática, embora esta se definisse como ortodoxa,
ou seja, detentora da reta doutrina. Além das divergências sobre formulações
teológicas, originadas de perspectivas culturais diversas, teve também grande
peso na ruptura a resistência dos cristãos gregos em aceitar a afirmação cada
vez maior do poder político-eclesiástico da igreja romana.
Cristianismo
no Império Romano. Ao iniciar-se a expansão da fé católica pela Anatólia, toda
a região estava sob o domínio do Império Romano. Com a destruição de Jerusalém,
inúmeros cristãos, entre os quais o apóstolo Pedro, passaram a viver na
periferia de Roma, juntamente com outros judeus. A partir de então, Roma foi a
sede de religião cristã; daí as expressões cristianismo romano e igreja romana.
As celebrações do culto passaram a realizar-se na língua latina. Também a
Bíblia foi, mais tarde, traduzida para o latim, por são Jerônimo, tradução
conhecida como Vulgata. Ao contrário dos gregos, marcadamente especulativos, os
romanos eram um povo jurídico por excelência. Pouco a pouco, o espírito
legalista afirmou-se na formação cristã, com ênfase cada vez maior na
organização das estruturas eclesiásticas. De acordo com a nomenclatura romana,
os territórios onde desabrochava a fé cristã dividiram-se em dioceses e
paróquias, à frente dos quais foram postos bispos e párocos, sob a chefia do
papa, sucessor de Pedro e bispo de Roma.
A presença
cristã no Império Romano foi marcada por duas etapas bem diversas. Na primeira,
que se estendeu até o final do século III, a religião cristã viu-se desprezada
e perseguida. O imperador Nero foi o primeiro perseguidor dos cristãos,
acusados de terem provocado o incêndio de Roma no ano 64. Entre os mártires
dessa fase, que durou quatro anos, incluem-se são Pedro e são Paulo. Com
Domiciano houve nova perseguição, iniciada por volta do ano 92. Os imperadores
antoninos do século III não hostilizaram abertamente os cristãos, mas a
legislação permitia que fossem denunciados e levados aos tribunais. Houve
perseguições sob Décio, Valeriano e Diocleciano, mas a situação começou a
modificar-se com a vitória de Constantino sobre Maxêncio. A partir de
Constantino, os imperadores passaram a proteger e estimular cada vez mais a fé
cristã, até que, na época de Teodósio I, em fins do século IV, o Império Romano
tornou-se oficialmente um estado cristão.
De início
professado apenas pelos descendentes de judeus que viviam na periferia de Roma,
o cristianismo logo difundiu-se, porém, nas camadas pobres da população,
especialmente entre os escravos, e pouco a pouco foi atingindo também as
famílias da nobreza romana. Com os decretos de liberdade e oficialização, o
cristianismo afirmou-se a ponto de tornar-se, para alguns, veículo de promoção
social e caminho para a obtenção de cargos públicos. Na medida em que a fé
cristã se consolidou como religião marcadamente urbana, a partir de fins do
século IV, os demais cultos passaram a ser perseguidos. Por conseguinte, seus
seguidores tiveram que se refugiar na zona rural, donde o nome pagão, ou seja,
habitante do campo.
Cristianismo
medieval. A partir do século V, o Império Romano entrou em decadência até
sucumbir às invasões dos povos bárbaros. Quando as populações germânicas
ultrapassaram as fronteiras do Império e se estabeleceram no Ocidente, foram os
francos os primeiros a abraçar a fé cristã, razão pela qual a França foi
chamada, mais tarde, "filha primogênita da igreja". Por força da
atividade missionária, outros povos foram, em seguida, aderindo à fé cristã. A
partir do século VI, o reino franco foi perdendo o antigo vigor, devido à
debilidade dos reis merovíngios, enquanto ocorria a ascensão da casa dos
carolíngios. Carlos Magno foi coroado imperador pelo papa Leão II em 800;
consolidava-se assim um novo estado cristão, ou seja, a cristandade medieval,
fortemente apoiado no sistema feudal. A partir do século XI, essa cristandade
foi representada pelo Sacro Império Romano-Germânico e, no século XVI, pelos
reinos da Espanha e Portugal.
Enquanto o
cristianismo judaico, de caráter rural, assumira características urbanas com a
transposição para a cultura greco-romana, a divulgação da fé católica na
sociedade medieval provocou o processo inverso, pois os povos anglo-germânicos
tinham uma forma de vida marcadamente rural. Não obstante, a hierarquia
católica procurou manter valores próprios da civilização romana. Dessa maneira,
a língua oficial da igreja continuou sendo o latim, pois os chamados povos
bárbaros não tinham ainda expressão literária estruturada. O clero continuou a
usar a antiga túnica romana, chamada agora hábito talar dos eclesiásticos. A
doutrina religiosa também continuou a ser expressa por categorias filosóficas
gregas e a organização eclesiástica se manteve dentro dos padrões jurídicos
romanos.
A partir de
então, ocorreu de forma bem nítida uma separação entre a religião cristã
oficial, sustentada pela hierarquia com apoio do poder político, e o
cristianismo popular, marcado por forte influência das culturas
anglo-germânicas. Não podendo mais participar do culto por falta de compreensão
da língua oficial, o povo passou a desenvolver formas próprias de expressão
religiosa marcadamente devocionais. De modo análogo ao que ocorria na vida
leiga medieval, com vínculos sociais articulados pelo juramento de fidelidade,
mediante o qual os servos se comprometiam à prestação de serviços aos senhores
feudais em troca de proteção, também o auxílio celeste passou a ser invocado
por promessas que deveriam ser pagas após o recebimento das graças e favores
desejados.
A divisão
entre religião popular e cristianismo oficial perduraria até os albores do
século XVI, não obstante a criação dos tribunais da Inquisição para a
manutenção da ortodoxia da fé. Diante da fragilidade da prática religiosa, o
Concílio de Latrão IV, celebrado em 1215, decidiu prescrever aos fiéis cristãos
a assistência dominical à missa sob pena de pecado, bem como a confissão e a
comunhão anual. Daí a origem dos chamados mandamentos da igreja.
Desde o início
da Idade Média, sob influência de santo Agostinho, um dos maiores pensadores
católicos, houve uma valorização da doutrina da graça divina, mas
simultaneamente tomou incremento uma concepção negativa a respeito do corpo e
da sexualidade humana. Dentro dessa perspectiva, o Concílio de Elvira,
celebrado na Espanha em 305, prescreveu o celibato para os clérigos, medida
oficializada posteriormente para toda a igreja. Houve ainda uma grande promoção
do monaquismo: a ordem de São Bento, estabelecida em abadias rurais, teve ampla
difusão nos primeiros séculos da formação da Europa. A partir do século XIII,
as ordens mendicantes, como a fundada por Francisco de Assis, difundiram-se
rapidamente.
No século IX,
os monges de Cluny, de inspiração beneditina, passaram a dedicar-se à
preservação do patrimônio cultural clássico, copiando documentos antigos. No
século XIII, a grande contribuição cultural da igreja foi a fundação das
primeiras universidades, nas quais se destacaram Tomás de Aquino e Alberto
Magno, da ordem dominicana. Não obstante, a visão religiosa de mundo começou a
ser questionada a partir do século XV, com as novas descobertas, produto do
desenvolvimento científico, cuja origem estava vinculada ao movimento das
cruzadas, expedições religiosas que levaram os príncipes cristãos ao
estabelecimento de comércio com o Oriente.
Sociedade moderna
e Reforma. As mudanças de caráter social, econômico e cultural que ocorreram a
partir do século XIV, marcando o fim da Idade Média e o nascimento do mundo
moderno ocidental, provocaram uma crise muito forte na instituição eclesiástica
e na vivência da fé católica. Diversos grupos passaram a solicitar reformas
urgentes e a protestar contra a lentidão e a dificuldade da igreja em
adaptar-se aos novos tempos. Dessas divergências resultou a cisão no seio da
Igreja Católica e o surgimento das denominações protestantes.
A figura do
monge católico Martinho Lutero é exemplar a esse respeito. Diante da emergência
progressiva dos idiomas modernos, Lutero apregoava a necessidade de que o culto
fosse celebrado em língua vernácula, a fim de diminuir a distância que se
interpunha entre o clero e o povo. Desejoso de que os cristãos de sua pátria
tivessem acesso às fontes religiosas da fé, traduziu a Bíblia para o alemão.
Nessa mesma perspectiva, proclamou a necessidade de adotar para os clérigos os
trajes da sociedade em que viviam e contestou a necessidade do celibato
eclesiástico. As diversas denominações protestantes surgidas nesse período,
como o luteranisno na Alemanha, o calvinismo na Suíça e o anglicanismo na
Inglaterra difundiram-se rapidamente em vista de sua maior capacidade de
adaptação aos valores da emergente sociedade burguesa.
A profunda
vinculação da igreja romana com o poder político, a partir de Constantino, e a
progressiva participação da hierarquia eclesiástica na nobreza ao longo da
Idade Média fizeram com que os adeptos da fé católica tivessem dificuldades
muito grandes para aderir à evolução da sociedade européia. A Igreja Católica
reagiu de forma conservadora não só às novas perspectivas culturais, como
também às reformas propostas por Lutero. A expressão mais forte dessa reação
antiburguesa e antiprotestante foi o Concílio de Trento, realizado em meados do
século XVI. Em oposição ao movimento protestante que defendia a adoção da
língua vernácula no culto, os padres conciliares decidiram-se pela manutenção
do latim. Acentuou-se o poder clerical na estrutura da igreja e o celibato sacerdotal foi
reafirmado. Diante da popularização da leitura bíblica promovida por Lutero, a
hierarquia católica recomendou a divulgação de catecismos com resumo das verdades
da fé.
A instituição
católica reagiu fortemente contra o avanço da mentalidade humanista, insistindo
sobre a necessidade de uma prática ascética. A hierarquia eclesiástica
persistiu na vinculação com a antiga nobreza rural e encontrou dificuldade para
aceitar os novos valores da burguesia urbana em ascensão. A reação antiburguesa
assumiu posições radicais na península ibérica, onde os reis católicos,
Fernando e Isabel, implantaram a Inquisição contra os judeus com a finalidade
específica de quebrar o poder econômico que eles detinham.
O Concílio de
Trento trouxe uma significativa revitalização da instituição católica, com o
surgimento de novas congregações religiosas, muitas das quais dedicadas a
atividades missionárias, educativas e assistenciais. A Companhia de Jesus,
fundada por Inácio de Loyola, tornou-se o modelo da nova forma de vida
religiosa. A arte barroca, por sua vez, tornou-se um instrumento importante de
expressão da reforma eclesiástica.
A mentalidade
conservadora da Igreja Católica perdurou nos séculos seguintes, o que provocou
a hostilidade da nova burguesia liberal contra a Companhia de Jesus, expulsa de
vários países na segunda metade do século XVIII. A revolução francesa de 1789
assumiu também um caráter nitidamente anticlerical, tendo em vista a aliança da
igreja com o poder monárquico do Antigo Regime. Ao longo do século XX, a igreja
continuou combatendo as concepções liberais e encontrando dificuldade para
assimilar os progressos da ciência. O Concílio Vaticano I, interrompido com a
tomada de Roma em 1870, reforçou as posições autoritárias da igreja ao
proclamar o dogma da infalibilidade papal. Desde princípios do século XX, o
papa Pio X prescreveu a todos os professores de seminários o juramento
antimodernista, exigindo fidelidade às concepções teológico-filosóficas
elaboradas no século XIII por Tomás de Aquino, fundamentado na cosmovisão grega
aristotélica.
Catolicismo e
mundo contemporâneo. Após cerca de 400 anos de reação e resistência contra os
avanços do mundo moderno, a Igreja Católica iniciou um processo de maior
abertura com o Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1968. Entre as
conquistas mais expressivas dessa assembléia episcopal, deve-se ressaltar a
afirmação de que a fé católica não se vincula diretamente a nenhuma expressão
cultural em particular, mas deve adequar-se às diversas culturas dos povos aos
quais a mensagem evangélica é transmitida. Dessa forma, a marca da romanidade
da igreja deixou de ter a relevância que tivera no passado. Uma das
conseqüências práticas dessa orientação foi a introdução das línguas vernáculas
no culto, bem como a adoção progressiva do traje civil pelo clero.
O concílio
trouxe uma maior tolerância em relação aos progressos científicos; a posterior
revogação da condenação de Galileu foi um gesto simbólico dessa nova atitude.
As estruturas da igreja modificaram-se parcialmente e abriu-se espaço para
maior participação dos leigos, incluindo as mulheres, na vida da instituição.
Ao contrário dos concílios anteriores, preocupados em definir verdades de fé e
de moral e condenar erros e abusos, o Vaticano II teve como orientação
fundamental a procura de um papel mais participativo para a fé católica na
sociedade, com atenção para os problemas sociais e econômicos.
Os padres
conciliares mostraram sensibilidade para com os problemas da liberdade e dos
direitos do homem. A diretiva pastoral, menos devotada às questões dogmáticas
da teologia clássica, permitiu maior aproximação entre a igreja romana e as
diversas igrejas ortodoxas de tradição grega, como a armênia e a russa, e as
denominações protestantes. Por último, os horrores do anti-semitismo nazista
ofereceram oportunidade para que a Igreja Católica repensasse sua tradicional
posição de distanciamento em relação ao judaísmo.
Doutrina
católica
Os quatro
primeiros concílios ecumênicos definiram as concepções trinitárias e
cristológicas, sintetizadas no símbolo conhecido como Credo, adotado no ritual
da missa. O dogma trinitário afirma a crença num só Deus, que se manifesta por
meio de uma trindade de pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O dogma
cristológico admite que Cristo é o Filho de Deus, encarnação do Verbo divino,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O advento de Cristo deu-se por meio da
Virgem Maria que, segundo o dogma mariológico, concebeu do Espírito Santo. A
finalidade da encarnação de Cristo foi salvar a humanidade do pecado original,
que enfraqueceu a natureza humana e acentuou sua tendência para o mal, de
acordo com o dogma soteriológico.
A doutrina do
pecado original e da graça foi elaborada por santo Agostinho nas primeiras
décadas do século V. A partir do século XIII, Tomás de Aquino procurou
estabelecer uma ponte entre o saber teológico e a filosofia aristotélica,
afirmando que as verdades da fé superam a racionalidade humana mas não estão em
contradição com ela. Assim sendo, a filosofia deve estar a serviço da teologia
cristã. Tomás de Aquino tornou-se o mestre por excelência da doutrina católica,
com a síntese por ele realizada na Suma teológica. No século XVI, o Concílio de
Trento definiu dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, a afirmação da
doutrina da igreja, considerada como uma sociedade hierárquica, dentro da qual
se atribui ao clero o poder de magistério, de ministério do culto e de
jurisdição sobre os fiéis. Em segundo lugar, o concílio definiu a doutrina dos
sete sacramentos da igreja (batismo, crisma ou confirmação, confissão,
eucaristia, extrema-unção, ordem e matrimônio), além de proclamar a presença
real de Cristo na eucaristia, no mistério da transubstanciação.
Ao longo dos
séculos XVII e XVIII a teologia católica foi conturbada por polêmicas
referentes ao papel da graça e da participação do homem em sua própria
salvação, onde se confrontam principalmente os jesuítas e os jansenistas, estes
últimos partidários de maior valorização da presença do mistério divino na
história humana. Durante o século XIX, foram proclamadas como verdades de fé a
Imaculada Conceição de Maria e a infalibilidade pontifícia. O primeiro dogma
representou uma resposta da Igreja Católica às novas concepções materialistas e
hedonistas resultantes da revolução burguesa, paralelas ao processo acelerado
de industrialização; o segundo constituiu uma reação ante o avanço das idéias
liberais, com afirmação progressiva dos direitos do homem. O último dogma da
Igreja Católica foi proclamado por Pio XII em meados do século XX: a Assunção
da Virgem Maria ao céu, com corpo e alma. É necessário ainda ter presente que,
desde a Idade Média, com o surgimento do chamado catolicismo popular à margem
da igreja oficial, criaram-se também novas versões teológicas mais adequadas à
compreensão do povo, cuja influência muito se faz sentir na formação do
catolicismo brasileiro.
Organização e
estrutura
O catolicismo
apresenta duas características que devem ser levadas em conta na análise de
suas posições políticas e religiosas. A primeira é a profunda vinculação entre
igreja e poder político, iniciada com Constantino no século IV, mantida ao
longo de toda a Idade Média e prolongada em diversos estados durante a época
moderna, em alguns países até os dias de hoje. Com muita freqüência, portanto,
a organização eclesiástica sofreu a influência das alianças com o poder
secular. O segundo aspecto a ser considerado é que a igreja transformou-se,
desde o início da Idade Média, num verdadeiro estado político, sendo o papa,
portanto, não apenas um chefe religioso mas também um chefe de estado,
atribuição que conserva até hoje, não obstante o tamanho reduzido do estado
pontifício.
Escolhidos por
Jesus para pregar o Evangelho, os primeiros apóstolos eram simples pescadores
da Galiléia, homens de pouca instrução. A fim de prepará-los para sua missão,
Jesus reuniu-os ao redor de si, transmitindo-lhes pessoalmente seus
ensinamentos. Também os apóstolos e seus primeiros sucessores instruíram os
discípulos por meio de contato pessoal, consagrando essa forma de educação
sacerdotal nos primeiros séculos da igreja. Muito contribuiu para a formação do
clero a fundação de escolas catequéticas em Alexandria, Antioquia e Cesaréia,
desde fins do século II. A eleição dos clérigos estava a cargo dos apóstolos e
seus sucessores, os bispos, mas se costumava ouvir também o parecer da
comunidade cristã, a quem competia o sustento dos clérigos, dos quais se
exigiam virtudes e qualidades morais.
De início, o
celibato não era obrigatório para os clérigos que ingressavam casados no estado
eclesiástico. Tampouco se fazia distinção entre os termos bispo e presbítero;
havia também as diaconisas, devotadas ao cuidado dos enfermos e instrução das
mulheres, mas tal ordem eclesiástica desapareceu no século VII. Nos primeiros
séculos, a comunidade cristã dependia diretamente dos bispos, como atesta
Inácio de Antioquia; somente mais tarde foram criadas as paróquias.
A pujança da
vida cristã, no início do século IV, é atestada ainda hoje pelas basílicas
romanas: São Pedro, São Paulo, Santa Maria Maggiore, São Lourenço, São João do
Latrão, São Sebastião e Santa Cruz de Jerusalém. Construídas sob o patrocínio
de Constantino e de sua mãe, Helena, são prova do esplendor de que se revestia
então o culto litúrgico. Nos principais centros do Ocidente, como Cartago,
Milão e Roma, generalizou-se a praxe da missa cotidiana. Como regra geral, o
clero se formava à sombra dos presbitérios e das abadias. Na Itália, sacerdotes
de diversas paróquias reuniam em seus presbitérios os aspirantes ao sacerdócio,
para instruí-los no serviço divino. Agostinho e Eusébio de Vercelas reuniam na
própria casa episcopal os jovens desejosos de seguir a vocação sacerdotal.
Também os mosteiros preparavam um clero seleto. O celibato, prescrito
inicialmente para o clero da Espanha e depois estendido para toda a igreja do
Ocidente pelo papa Sirício, no sínodo romano de 386, foi rejeitado pelos bispos
do Oriente, onde vigorou apenas a proibição de núpcias para os que recebiam
solteiros as sagradas ordenações.
Com a queda do
Império Romano, a igreja passou a ocupar-se da evangelização e conversão dos
povos germânicos, o que deu origem a novos modelos de organização eclesiástica.
Nos reinos dos visigodos e dos francos, ao lado da eleição feita pelo
metropolita e avalizada pelo povo, exigia-se desde o século VI a confirmação
real para o episcopado. Tanto a igreja franca como a visigótica assumiram um
caráter fortemente nacionalista, acentuando-se sua independência com relação à
Santa Sé. Em ambas as cristandades, infiltrou-se o instituto das "igrejas
próprias". As igrejas rurais passaram a ser consideradas propriedades
particulares dos senhores da terra, que se imiscuíam na eleição de párocos e capelães.
Na igreja franca, ao lado de um alto clero político e mundano, surge um clero
inferior inculto e desregrado. No reino visigótico, a vida religiosa do clero
revitalizou-se no século VII com a convocação de numerosos sínodos. Apesar
disso, a prática do celibato foi quase abandonada, a tal ponto que o rei Vitiza
julgou-se autorizado a suprimi-la de todo no início do século VIII.
A partir de
Pepino o Breve, é notória a ação dos carolíngios em favor da igreja; pode-se
mesmo atribuir a essa dinastia o surto reformador do século VIII e seguinte.
Carlos Magno e seu filho Luís o Piedoso, em modo particular, deram importância
excepcional à reforma da igreja. Durante o reinado do primeiro, instituíram-se
muitas paróquias e bispados, a posição dos bispos nas dioceses foi valorizada
pelas visitas pastorais e pelos sínodos e o pagamento dos dízimos consolidou a
base econômica das igrejas. O imperador ordenou também a fundação de escolas ao
lado das catedrais, mosteiros e abadias. Embora vinculado aos interesses
expansionistas do reino franco, o incremento da atividade religiosa converteu o
reinado de Carlos Magno na primeira experiência de construção da cristandade
medieval.
Durante a
época feudal dos séculos X e XI, houve acentuada decadência da vida cristã,
ocasionada, em primeiro lugar, pelas contínuas incursões dos normandos,
húngaros e sarracenos, que traziam devastações, desorganização, miséria e fome
para o povo. A conversão em massa da população provocou uma assimilação muito
superficial do cristianismo. Além disso, na conversão dos saxões foi utilizada
a força armada, gerando-se com isso o ódio e não o amor pela fé cristã. Assim
sendo, desagregado o império carolíngio, o povo retornou à vida primitiva e
retomou costumes pagãos: práticas supersticiosas e uso de amuletos e
sortilégios. O paganismo se manifestava na instituição dos ordálios, ou juízos
de Deus, resolvidos por meio de duelos, provas de fogo e de água, nas quais se
esperava uma intervenção miraculosa da divindade em favor do inocente. Dominava
o espírito de vingança, sensualidade e ebriedade, sendo comuns as violações do
vínculo matrimonial.
A decadência
da vida cristã manifestava-se também na deficiente prática religiosa e
sacramental. Aumentava o culto dos santos, eivados muitas vezes de práticas
supersticiosas e de ignorância. Cresceu a veneração indiscriminada das
relíquias, que eram da mesma forma comercializadas ou roubadas. Relíquias
falsas eram postas com facilidade em circulação: três localidades da Europa se
vangloriavam de possuir entre seus tesouros, a cabeça de são João Batista;
chegavam a 33 os cravos da Santa Cruz venerados em diversas igrejas; a abadessa
Ermentrude de Jouarre falava em relíquias como o fruto da árvore da ciência do
bem e do mal e Angilberto enumera, entre as relíquias do mosteiro de São
Ricário, a candeia que se acendeu no nascimento de Jesus, o leite de Nossa
Senhora e a barba de são Pedro.
Desde meados
do século IX até fins do século XI, a observância do celibato entrou em grande
decadência e num abandono quase completo. Padres e bispos casados
preocupavam-se por vezes mais com sua família do que com o ministério pastoral.
Os bens eclesiásticos eram também utilizados para prover parentes, ou
transmitidos aos filhos, formando-se uma espécie de dinastia sacerdotal. Outro
abuso de vastas proporções era a compra e venda de benefícios e ministérios
eclesiásticos. Houve casos de simonia, ou seja, tráfico de coisas sagradas, na
aquisição das dioceses da França, Itália e Alemanha. A fim de recuperar o
dinheiro gasto com a própria nomeação, os bispos eleitos dessa forma não
admitiam clérigos às sagradas ordenações senão mediante alguma compensação
pecuniária. Os presbíteros não administravam os sacramentos sem remuneração. No
sínodo realizado em Roma em 1049, o papa Leão IX quis depor os sacerdotes
ordenados por bispos considerados simoníacos, mas os casos eram tão numerosos
que ele não pôde concretizar sua decisão, pois teria privado de cura de almas
um número muito grande de igrejas.
Sob a
orientação do papa reformador Gregório VII e de seus sucessores, afirmou-se a
autoridade legislativa e administrativa da igreja romana nos séculos XII e
XIII. Diminuiu a influência dos costumes germânicos, substituídos pelo direito
romano, utilizado sob a forma de direito canônico pela instituição eclesiástica.
O apelativo "papa", já usado precedentemente pelo bispo de Roma,
assumiu significado pleno e exclusivo. Desde o século XI, introduziu-se também
o uso da tiara, como símbolo do poder eclesiástico. Fortaleceu-se a doutrina da
autoridade normativa da Sé Apostólica para toda a igreja. A partir de então,
apenas o papa podia convocar e aprovar os concílios ecumênicos. Organizou-se a
Cúria Romana para despacho dos negócios referentes ao papa e ao estado
pontifício. Nomearam-se os cardeais, espécie de senadores da igreja, com quem o
papa resolvia as questões mais importantes em reuniões denominadas
consistórios. Os cardeais passaram a ser enviados mais amiúde às diversas
nações como legados pontifícios. Tal instituição chegou ao máximo
desenvolvimento sob Inocêncio III, papa que governou na passagem do século XII
para o século XIII e sob o qual o poder de Roma afirmou-se de forma enérgica e
intransigente.
O
fortalecimento do poder romano induziu os papas a se tornarem os incentivadores
da libertação da Terra Santa das mãos dos muçulmanos, dirigindo contra eles as
cruzadas ou guerras santas. A defesa da ortodoxia católica teve também como
resultado a criação do tribunal da Santa Inquisição. Esta apresentava desde o
início graves vícios, como a aceitação de denúncias e testemunhos de pessoas
cuja identidade era mantida em segredo, a não-admissão de defensores, o abuso do conceito de heresia, a
aplicação da tortura e a pena de morte. Embora as execuções fossem efetuadas
pelas autoridades civis, esse particular não diminui a responsabilidade da
igreja; no entanto, o juízo sobre a Inquisição deve levar em conta a
mentalidade da época, que considerava a fé cristã como o máximo bem, e a
apostasia e a heresia como os piores delitos.
A afirmação
política da Santa Sé conduziu os papas a diversos conflitos com reis e
príncipes. Em conseqüência disso, os papas passaram a residir em Avignon no
século XIV, pressionados pelos monarcas franceses. Em contraposição aos
pontífices de origem francesa, foram eleitos papas italianos, num cisma que se
prolongou até 1449. Em vista dessa situação, os teólogos passaram a questionar
a autoridade papal e as doutrinas conciliares ganharam força. A partir de Sisto
IV, eleito em 1471, os pontífices passaram a atuar mais como príncipes do que
como sacerdotes e se comportavam como dinastas da Itália que, acidentalmente,
eram também papas. A atuação mundana dos papas exigia novas práticas e
expedientes: negócios financeiros, vendas de ofícios e favores, artes pouco
honestas e o nepotismo (favoritismo aos sobrinhos).
O nepotismo
marcou fortemente o pontificado de Sisto IV e seu sucessor, Inocêncio III, que
tinha como objetivo dominante enriquecer o filho natural, Franceschetto.
Sucedeu-lhe, por tráficos de simonia, o cardeal Rodrigo Borgia, que assumiu no
pontificado o nome de Alexandre VI, notório por adultérios, perfídias e
crueldades.
Nesse período
de crise da igreja, Martinho Lutero iniciou o movimento reformador que culminou
na separação das chamadas igrejas protestantes. Só então a igreja romana decidiu-se
pela convocação de um concílio (o de Trento), já tão desejado pelos cristãos.
Como resultado da assembléia conciliar, houve novo fortalecimento da autoridade
pontifícia. O papa tornou-se o verdadeiro orientador e promotor da reforma
católica, intervindo em todos os assuntos eclesiásticos. Para isso, muito
contribuiu a nova organização da Cúria Romana e do colégio dos cardeais,
realizada por Sisto V. Em 1586, ele fixou em setenta o número de cardeais, só
ultrapassado no século XX, a partir do pontificado de Pio XII. Em 1587, o papa
estabeleceu também em 15 o número de congregações romanas na Cúria, como
instrumento para implantar a reforma na igreja. Mereceram especial referência a
congregação dos bispos, dos religiosos, dos ritos e dos estudos eclesiásticos.
Com as mesmas
finalidades de governo, foram estabelecidas de modo definitivo as nunciaturas
apostólicas, ou seja, embaixadas papais nas diversas nações católicas.
Anteriormente, os representantes do papa junto aos reinos eram designados como
legados, muito valorizados pela reforma implantada por Gregório VII. O Concílio
de Trento representou, sem dúvida, um evento de excepcional importância da
Igreja Católica e suas repercussões se prolongaram pelos séculos seguintes. Ao
lado, porém, dos grandes benefícios advindos em termos de fortalecimento da fé
e da moral católica, implantou-se na igreja o espírito apologético, do qual a
congregação do Santo Ofício, com a censura de obras consideradas nocivas à
religião, foi a expressão mais significativa. Esse mecanismo autoritário existe
até hoje com o nome de Congregação da Doutrina da Fé. O centralismo romano
aumentou o espírito conservador e autoritário da igreja, preocupada na época em
defender-se contra o avanço protestante e contra a mentalidade humanista. No
século XIX, o poder centralizador da Cúria foi reforçado ainda mais,
tornando-se os bispos simples agentes das orientações da Santa Sé.
Não obstante a
renovação de idéias que marcou o Concílio Vaticano II, a estrutura da Cúria
Romana e a organização do estado pontifício permaneceram quase intactos. Essas
instituições serviram de base para o movimento neoconservador posteriormente
desencadeado pela Santa Sé, no intuito de frear a modernização da igreja em
diversos países, em busca de adaptação ao mundo contemporâneo e às realidades
de cada região.
Igreja
Católica no Brasil
Cristandade
colonial. A fé católica foi trazida ao Brasil pelos portugueses que se
estabeleceram no território a partir de 1500. Os indígenas, seus primeiros
habitantes, praticavam cultos religiosos diversos, conforme as nações ou tribos
a que pertenciam. Os missionários católicos, sobretudo jesuítas e franciscanos,
desenvolveram grande atividade de conversão. Na sociedade colonial a fé
católica era obrigatória, não sendo toleradas outras formas de manifestação
religiosa. Por essa razão, as populações negras trazidas como escravas foram
obrigadas também a receber o batismo e observar os preceitos católicos. Desde o
início, a prática da fé expressou-se em duas vertentes principais: uma popular
e outra oficial, características já assinaladas no catolicismo da Idade Média.
O catolicismo
de tipo popular veio com os próprios colonos lusitanos e se caracterizava pela
devoção aos santos, dos quais se esperava proteção para superar as dificuldades
e resolver os problemas desta vida, bem como para obter a salvação eterna. Os
oratórios dentro de casa e nas ruas, as capelas e ermidas nas vilas e arredores
tornaram-se os principais centros de devoção popular. A fé popular se
expressava por meio de terços, ladainhas e benditos, bem como mediante
promessas, procissões e romarias. Inúmeros santuários foram dedicados à
comemoração dos sofrimentos e da paixão de Cristo: Bom Jesus de Iguape, Bom
Jesus de Tremembé e Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, bem como Bom Jesus de
Matosinhos em Congonhas MG. Também a Virgem Maria foi objeto de culto especial,
destacando-se o santuário da Penha, no Espírito Santo; o de Nossa Senhora da
Piedade, em Minas Gerais; e o de Aparecida, em São Paulo. Entre os santos de devoção
popular mais conhecidos estavam são Francisco, santo Antônio, são João e são
Pedro, sendo os três últimos comemorados nas festas juninas. Muitas pessoas
recebiam esses nomes na pia batismal. As confrarias e irmandades religiosas
organizadas pelos leigos constituíram a forma mais significativa de promoção da
fé católica. Os leigos assumiam funções religiosas como rezadores, benzedores e
conselheiros.
O catolicismo
oficial foi promovido pela hierarquia eclesiástica, com a colaboração do poder
estabelecido, e teve como principais divulgadores os religiosos missionários. A
estrutura da igreja durante os três séculos de vida colonial era bastante
precária. Foram estabelecidas apenas sete dioceses nesse período: Bahia, Rio de
Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Pará, São Paulo e Mariana, em Minas Gerais. Além
disso, houve longos períodos de vacância episcopal. Dois foram os principais
pólos de difusão do catolicismo oficial: as missões e as paróquias. Com a
atividade missionária, os religiosos procuravam reunir os indígenas em
aldeamentos ou reduções, onde recebiam a catequese e os sacramentos. As
paróquias constituíam os núcleos da prática religiosa dos católicos
luso-brasileiros e nelas se realizavam batismos, matrimônios e enterros. Os
registros paroquiais ofereciam também a documentação civil correspondente às
certidões de nascimento, de casamento e óbito. O fato de se pertencer à fé
católica servia como prova de identidade luso-brasileira, por ser condição
imprescindível para a permanência no território colonial. A celebração da missa
dominical realizava-se não apenas nas paróquias, mas também nas capelas das
fazendas e dos engenhos, onde por vezes residiam capelães permanentes.
Durante a
quaresma, os religiosos se encarregavam de viajar pelo interior a fim de ministrar
a confissão e comunhão anual exigidas pelo Concílio de Latrão IV. Tais visitas
recebiam o nome de desobrigas, pois tratava-se de cumprir uma obrigação imposta
pela igreja. Nessa época, a formação do clero secular era bastante precária e o
celibato eclesiástico pouco observado. Tanto os bispos como os padres
diocesanos eram considerados funcionários eclesiásticos e remunerados pela
Fazenda Real. Para cuidar dos assuntos religiosos da colônia foi estabelecida
em Lisboa a Mesa da Consciência e Ordens, uma espécie de Ministério do Culto. A
defesa da ortodoxia religiosa era feita pelo Tribunal da Inquisição da
Metrópole, realizando-se no Brasil diversas visitações do Santo Ofício. Dessa
forma, enquanto a prática da religião popular era objeto de devoção, a religião
oficial gerava medo e funcionava como instrumento de coerção.
Crise da
cristandade. O ano de 1759, data da expulsão dos jesuítas, pode ser assinalado
como o início simbólico da crise da cristandade, que durou até meados do século
XIX. Duas causas podem ser indicadas como principais geradoras desse processo
de desestabilização e desestruturação da cristandade colonial. A primeira,
inerente à vida da própria metrópole lusitana, foi o esforço de modernização
burguesa do reino, intentado pelo marquês de Pombal, que visava a diminuir o
tradicional poder da nobreza e da Igreja Católica junto à coroa. Para
incentivar a mudança de mentalidade, promoveu-se uma profunda reforma nos
estudos, a começar pela Universidade de Coimbra. Desde então, passaram a ser incentivados
os estudos das ciências físicas e naturais, diminuindo-se o domínio da
tradicional filosofia escolástica aristotélico-tomista. A reforma pombalina
tinha como meta enfraquecer o poder da aristocracia e do clero, os dois
estamentos até então dominantes na sociedade lusitana. Em conseqüência dessa
reforma, a intelectualidade brasileira, cujos estudos superiores se faziam na
Europa, imbuiu-se da nova mentalidade iluminista. A perspectiva racionalista
permitiu uma relativização maior do caráter sacral até então inerente à
concepção de estado; abria-se dessa forma a possibilidade de uma posição
crítica mais firme em relação à dominação colonialista.
A segunda
causa da desestabilização da cristandade colonial foi a influência do
pensamento liberal. À revelia da censura metropolitana, muitos brasileiros
começaram a ter acesso às novas idéias que germinavam na Europa e nos Estados
Unidos, cujo resultado prático foi a independência americana em 1776 e a
revolução francesa em 1789, com a proclamação dos direitos do cidadão. Em
conseqüência, iniciaram-se no Brasil diversas conspirações e movimentos
insurgentes contra a metrópole, como a inconfidência mineira de 1789, a
conjuração baiana de 1798 e a revolução pernambucana de 1817. Parte importante
do clero urbano aderiu às concepções iluministas e liberais. O mentor
intelectual do movimento mineiro foi o cônego Luís Vieira e ao padre João
Ribeiro coube a elaboração do ideário da revolução pernambucana. Nesta,
destacaram-se como líderes revolucionários os padres Roma e Miguelinho, bem
como frei Caneca, principal promotor da Confederação do Equador em 1824, numa
recusa à constituição outorgada por D. Pedro I, após o fechamento da Assembléia
Constituinte de 1823.
Pode-se falar
nesse período de um incipiente catolicismo iluminista, compartilhado por
clérigos e leigos que integravam a sociedade urbana em formação. Uma das marcas
da nova mentalidade religiosa era a perspectiva liberal, daí resultando a
rejeição da dominação colonial e sua sacralização. Esses católicos, que faziam
restrições às manifestações religiosas populares, vistas como expressão de
ignorância cultural, distanciaram-se também do catolicismo oficial. Aderiram
firmemente à causa da luta pela independência, propugnando inclusive uma
constituição liberal para o país, à revelia do poder autoritário de D. Pedro I
e do clero absolutista que o apoiava.
Com o objetivo
de preservar as relações diplomáticas com Portugal, a Santa Sé relutou em
reconhecer a independência do Brasil. Desenvolveu-se então, entre o clero
liberal e iluminista uma insatisfação com o poder eclesiástico de Roma e uma
aproximação com a coroa imperial. O
padre Diogo Feijó, regente do império, tornou-se símbolo dessa surpreendente
aliança. Em vista da precariedade da observância do celibato eclesiástico, ele
chegou mesmo a propor a abolição desse preceito no território nacional,
indispondo-se com a Cúria Romana. Com a ascensão de D. Pedro II ao trono,
porém, fortaleceu-se o partido conservador e o clero liberal perdeu o espaço
que ocupara no cenário da vida brasileira.
Romanização do
catolicismo. A partir do início do segundo reinado, em 1840, surgiu um
movimento dirigido pela hierarquia eclesiástica que visava a desvincular a
igreja da coroa luso-brasileira e colocá-la sob as ordens diretas da Santa Sé.
Esse movimento foi incentivado pelos núncios apostólicos, estabelecidos no
Brasil a partir de 1808, como representantes da Cúria Romana. Três fases
caracterizam esse novo período da história da igreja no Brasil, conhecido como
romanização do catolicismo: a reforma católica, a reorganização eclesiástica e
a restauração católica.
Reforma
católica. Prolongou-se durante todo o segundo reinado o esforço do episcopado
por imprimir ao tradicional catolicismo luso-brasileiro as marcas do
catolicismo romano. Os prelados que lideravam esse projeto foram designados
bispos reformadores, destacando-se entre eles D. Antônio Ferreira Viçoso, de
Mariana MG, D. Antônio Joaquim de Melo, de São Paulo, D. Antônio de Macedo
Costa, do Pará, e D. Vital de Oliveira, de Olinda e Recife PE. Duas foram as
principais preocupações dos bispos: a reforma do clero e a reforma do povo
cristão. A primeira pretendia a formação de um clero piedoso e santo,
observante do celibato eclesiástico e afastado dos negócios seculares e da participação
política; visava também à preparação teológica dos clérigos. Essa formação
especificamente doutrinária afastou os clérigos da cultura brasileira e do
progresso científico em geral. Multiplicaram-se os seminários menores e
maiores, destinados a abrigar desde a meninice os futuros candidatos ao
sacerdócio, sob a direção de religiosos vindos da Europa. Foram os padres
lazaristas e capuchinhos franceses, bem como os jesuítas alemães e italianos,
os que mais se destacaram na atuação junto aos seminários. O resultado foi um
clero de conduta rígida e puritana, com bastante conhecimento da doutrina
religiosa, mas com pouca sensibilidade para com os problemas socioculturais do
povo brasileiro.
Quanto ao povo
cristão, a preocupação fundamental era afastar os fiéis do catolicismo
luso-brasileiro, marcadamente devocional, e orientá-los para a prática do
catolicismo romano, com ênfase no aspecto doutrinário e sacramental. A
estratégia pastoral do episcopado constituiu em apossar-se dos santuários e
centros de devoção popular e entregá-los à direção de institutos religiosos
europeus. Proliferavam as missões populares, conhecidas como santas missões,
destinadas a inocular a prática sacramental e uma vinculação cada vez maior com
a hierarquia eclesiástica.
O processo de
romanização do catolicismo não se realizou pacificamente. Muitos padres e
irmandades leigas tradicionais resistiram ao avanço do poder autoritário da
hierarquia, por meio da imprensa ou mediante conflito aberto com o episcopado.
No final do século XIX, no entanto, o movimento dos bispos reformadores podia
ser considerado vitorioso.
Reorganização
eclesiástica. A proclamação da república marcou o início de uma nova etapa na
vida católica no Brasil, em virtude do decreto de separação entre igreja e
poder civil. A partir de então, o catolicismo deixou de ser religião oficial e
o estado passou a ser considerado leigo. O clero perdeu o direito de subvenção
pelos cofres públicos e a igreja do Brasil reforçou sua dependência em relação
à Santa Sé.
A fim de
fortalecer a instituição clerical, a Cúria Romana desenvolveu atividades em
três setores específicos: multiplicação das dioceses, reforma das antigas
ordens religiosas e envio de novas congregações para o Brasil. O pequeno número
de dioceses brasileiras no período colonial cresceu pouco no império, quando
foram criadas mais cinco: Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Ceará e
Diamantina MG. Às 12 dioceses existentes no fim do império acrescentaram-se
depois muitas outras, fundadas nas primeiras décadas da república. Em 1909, por
exemplo, São Paulo tornou-se sede metropolitana, sendo seu território dividido
entre cinco outras dioceses. Na escolha dos novos prelados, deu-se preferência
àqueles que haviam completado a formação em Roma ou em seminários europeus.
Esses bispos caracterizaram-se por uma fidelidade irrestrita à Santa Sé e por
uma observância rigorosa das diretrizes da Cúria Romana.
Em vista das
restrições levantadas pelo governo imperial para a aceitação de noviços a
partir de 1855, as antigas ordens religiosas dos franciscanos, carmelitas e
beneditinos se encontravam em situação precária. O início da crise datava de
fins do século XVIII. A Santa Sé decidiu, por conseguinte, enviar religiosos
europeus para que assumissem a direção dos conventos, fortalecendo assim o
processo de romanização da igreja no Brasil. A Cúria Romana incentivou também a
vinda de inúmeras outras congregações masculinas e femininas destinadas a
colaborar com o episcopado na atividade pastoral, bem como atuar na área
educacional e assistencial.
Tanto nas
paróquias como nos estabelecimentos educativos, a atuação dos religiosos
europeus foi muito importante. As antigas irmandades e confrarias leigas foram
substituídas por novas associações religiosas, controladas diretamente pelos
clérigos, como o Apostolado da Oração, a Associação das Filhas de Maria e dos
Marianos e a Liga Jesus, Maria e José. As crianças foram chamadas a participar
da Cruzada Eucarística. Os religiosos trouxeram também novas devoções: os salesianos
promoveram o culto de Nossa Senhora Auxiliadora e de Dom Bosco; os
redentoristas, o de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e de são Geraldo; e os
jesuítas, o de são Luís. A principal
característica dessas novas devoções era a ênfase na prática da confissão
e da comunhão freqüente. Nos internatos católicos estabeleceu-se a missa
cotidiana, como estímulo aos alunos para a recepção dos sacramentos.
Enquanto a
prática do catolicismo luso-brasileiro continuou sendo mantida pelas camadas
populares do interior, as classes médias urbanas passaram a adotar cada vez
mais o catolicismo romanizado, mais consentâneo com a aspiração de amoldar-se à
cultura européia que lhes era familiar. A difusão dos catecismos preparados
pelo episcopado deu maior consistência doutrinária ao modelo de expressão
religiosa. Por isso, os bispos passaram a referir-se ao tradicional catolicismo
luso-brasileiro como manifestações de ignorância, superstição e fanatismo.
Desamparados pelo clero e marginalizados socialmente pelo avanço do projeto
capitalista em áreas rurais, diversos grupos populares se uniram em movimentos
de contestação político-religiosa, como em Juazeiro do Norte, Canudos e na
região do Contestado, entre o Paraná e Santa Catarina. Tanto em Canudos como no
Contestado, os movimentos foram reprimidos pela força militar, com aprovação
tácita da igreja.
Restauração
católica. A partir de 1922, comemoração do centenário da independência do
Brasil, iniciou-se a terceira fase de romanização do catolicismo: a restauração
católica. Um dos aspectos mais importantes da primeira fase fora a reação
antiliberal e um certo afastamento da igreja da vida política; na segunda fase,
a preocupação fundamental da hierarquia católica fora a reorganização e o
reforço de suas estruturas internas; a terceira fase, por seu turno, foi
marcada pela opção decidida da instituição eclesiástica por uma maior presença
na sociedade brasileira. Como condição fundamental para a realização desse
objetivo, o episcopado procurou uma reaproximação com o poder político,
anteriormente repudiado. Por causa da colaboração dos bispos com as autoridades
civis num projeto comum, essa etapa da história católica foi também designada
com o nome de neocristandade.
A posição da
igreja no Brasil encontrava apoio e estímulo na própria Santa Sé, que reatava
nessa época a aliança com o estado italiano, consolidada em 1929 com o Tratado
de Latrão. No caso brasileiro não houve acordo firmado, mas declarações formais
de amizade e colaboração tanto por parte da hierarquia católica como dos chefes
políticos. De fato, com a fundação do Partido Comunista e os cada vez mais
freqüentes movimentos grevistas dos trabalhadores, que exigiam mudanças
sociais, o governo precisava do apoio eclesiástico para garantir a ordem
estabelecida.
Para levar
avante o projeto restaurador, fundou-se no Rio de Janeiro o Centro Dom Vital,
sob a direção do jornalista Jackson de Figueiredo, que reunia intelectuais
católicos, entre os quais destacaram-se Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima,
conhecido sob o pseudônimo literário de Tristão de Ataíde. O Centro Dom Vital
tornou-se um baluarte da defesa dos ideais conservadores da igreja no Brasil,
com a publicação da revista A Ordem, que propugnava a resistência ao avanço dos
movimentos reformistas e sociais no país.
Esse grupo de intelectuais católicos e o clero em geral não escondeu sua
simpatia por movimentos de cunho autoritário, como o integralismo no Brasil, o
salazarismo em Portugal, o franquismo na Espanha e o fascismo na Itália. Embora
sem fundar um partido católico como desejavam alguns, o cardeal Leme organizou
a Liga Eleitoral Católica, que vetava candidatos a cargos públicos que não
afinassem com a orientação política e moral da igreja.
Na
Constituinte de 1934, os católicos conseguiram vitórias significativas: o novo
texto constitucional foi promulgado em nome de Deus, reconhecia o direito do
ensino religioso nas escolas públicas e vetava o projeto de divórcio. O
exército brasileiro passou a ter capelães militares e o governo foi autorizado
a subvencionar as obras assistenciais e educativas dirigidas pelos religiosos.
Durante o
Estado Novo, a igreja continuou a conviver pacificamente com o regime
autoritário. Uma das manifestações mais expressivas do novo papel da Igreja
Católica na sociedade brasileira foram os congressos eucarísticos nacionais,
celebrados nos principais centros urbanos e congregando multidões, com
participação das autoridades civis e militares ao lado dos membros da
hierarquia eclesiástica. A fé católica afirmava-se como a religião da nação brasileira.
Com o fim da
segunda guerra mundial, porém, as idéias liberais e democráticas passaram a
ganhar cada vez mais espaço na opinião pública mundial e na própria sociedade
brasileira. Também dentro da igreja surgiram grupos e movimentos que provocaram
uma mudança de rumo no projeto eclesiástico. Pouco a pouco, foi abandonado o
sonho da neocristandade e a instituição eclesiástica abriu-se para as idéias
liberais e democráticas e para os projetos de mudança social. O golpe militar
de 1964 contribuiu de maneira decisiva para afastar a igreja da aliança com o
poder político.
Renovação
pastoral. O período de renovação pastoral da igreja no Brasil iniciou-se em
1962, sob a influência do Concílio Vaticano II. Enquanto o Concílio de Trento
tivera um caráter marcadamente doutrinário e apologético, mediante rígida
definição das verdades da fé e condenação de erros e heresias, a nova
assembléia conciliar destacou-se por uma orientação voltada para a prática
pastoral, na qual se pretendia evitar toda atitude de intransigência.
Distinguem-se
duas fases nessa nova etapa de vivência da fé católica. Na primeira, buscou-se
a atualização das estruturas eclesiásticas, defasadas em relação à mentalidade
do mundo contemporâneo. Essa etapa foi iniciada sob a inspiração de teólogos
europeus, preocupados com a descristianização acentuada que se verificava em
seus países. Como objetivos primordiais definiram-se o diálogo com o mundo
científico, a adaptação da linguagem religiosa à sociedade moderna e o esforço
de reaproximação com as outras igrejas cristãs. A segunda fase teve início com
as assembléias episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979). A ênfase
principal passou a ser a realidade dos países latino-americanos e a necessidade
de que a igreja se mostrasse sensível a seus problemas como condição básica
para a promoção da fé católica.
Os diversos
grupos de Ação Católica contribuíram muito para a mudança de rumos da igreja no
Brasil, promovendo a abordagem dos problemas de ordem política e social. O
episcopado, no entanto, não conseguiu acompanhar o ritmo dessa evolução de
mentalidade e terminou por suprimir os vínculos das associações leigas com a
instituição eclesiástica, subtraindo-lhes o direito de representar posições
católicas. Um dos pontos fundamentais da nova orientação da igreja foi a opção
preferencial pelos pobres. Em decorrência dessa posição, muitos padres e
religiosos, cujas atividades situavam-se até então em paróquias e colégios
destinados ao atendimento das classes médias urbanas, deslocaram-se para as
periferias das grandes cidades e para as regiões mais carentes do Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.
A expressão
mais importante da renovação pastoral foram as Comunidades Eclesiais de Base,
rapidamente difundidas e multiplicadas pelo território nacional. Reunidos em
pequenos grupos para as celebrações litúrgicas e leituras da Bíblia, os fiéis
católicos tomaram consciência da necessidade de lutar por melhores condições de
vida e por reformas sociais. Alguns organismos católicos assumiram grande
importância nessa etapa e entre eles se destacaram o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e as Comissões de
Justiça e Paz, empenhados na defesa dos direitos humanos, violados com
freqüência durante o período de regime autoritário implantado no país em 1964.
Os processos,
prisões, torturas e mortes infligidos a leigos e sacerdotes tornaram a
hierarquia eclesiástica mais sensível a esses problemas. A participação mais
ativa dos leigos, incluindo as mulheres, na vida da igreja constituiu uma das
características da renovação pastoral.
Outro aspecto
importante a ser assinalado é a emergência de um novo tipo de fé distinto do
catolicismo luso-brasileiro e do catolicismo romanizado. Uma das marcas do
tradicional catolicismo luso-brasileiro foi a penetração em todos os segmentos
da sociedade colonial, das camadas populares à classe senhorial. Já o
catolicismo romanizado teve maior difusão em áreas de imigração européia,
sobretudo na região Sul do país, e entre as classes médias urbanas. O
catolicismo de tipo clerical, com ênfase no aspecto doutrinário e sacramental,
ainda permanece forte nas pequenas cidades, enquanto nos grandes centros
urbanos se acentua o processo de secularização da sociedade e a indiferença
para com as práticas, a doutrina e a moral católicas. Além disso, grande número
de crenças religiosas disputam o espaço anteriormente hegemônico da fé
católica.
O novo modelo
de catolicismo, apropriadamente denominado latino-americano, tem como um de
seus aspectos principais a busca das raízes afro-indígenas que marcaram nossa
formação social. Decorre daí uma solidariedade mais profunda com os demais
povos da América Latina. Importa ressaltar que esse tipo de vivência católica
não surgiu por um ato de vontade de alguns líderes religiosos, mas resultou da
nova perspectiva cutural de aproximação entre os latino-americanos, já expressa
na literatura, na música e no cinema e afirmada pelos próprios chefes políticos
de diversos países. Esse modelo de catolicismo se difunde sobretudo entre as
camadas populares, das quais muitos segmentos continuam marginalizados da
sociedade brasileira. Nas áreas de concentração popular se implantaram e
desenvolveram as Comunidades Eclesiais de Base.
Entre as
características principais do catolicismo latino-americano está a inspiração
bíblica e a afirmação da igreja como povo de Deus. É a partir da reflexão sobre
as Sagradas Escrituras que os fiéis passam a atuar na vida comunitária. Da
mesma maneira, destaca-se o compromisso político resultante dessa nova
perspectiva, que visa à criação de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
Tanto o êxito da renovação pastoral quanto a consolidação do catolicismo
latino-americano supõem não apenas a aceitação de uma nova perspectiva
teológica, mas também mudanças nas estruturas da igreja, promovida pelo exame
da doutrina e de sua atual organização.
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