quinta-feira, 23 de maio de 2013

Brasil



Brasil


"País do futuro", "terra dos contrastes", "nação da cordialidade" e "gigante adormecido", são alguns dos qualificativos com que se tenta resumidamente explicar a complexa e multifacetada realidade brasileira, onde a abundância de terras férteis convive com multidões de desempregados, prodigiosos recursos naturais não conseguem impedir bolsões de miséria e se vêem cidades tão modernas quanto as do primeiro mundo ou tribos indígenas que vivem ainda como seus antepassados de 1500, ao tempo do descobrimento.
Único país de colonização portuguesa em todo o continente americano, o Brasil difere muito de seus vizinhos tanto na língua quanto na cultura, na maneira de ser de seu povo como nas preferências de sua elite intelectual e econômica, no relevo do solo como na configuração do litoral. E ele mesmo é uma grande colcha de retalhos, com regiões completamente diferentes entre si, tanto no aspecto físico como na organização urbana, na história como na cultura, embora exista latente e sempre pronto a manifestar-se com vigor um sentimento geral de brasilidade.
Uma das nações-continente do mundo, com área de 8.547.404km2, o Brasil ocupa quase a metade da América do Sul e é o quinto país do mundo em extensão territorial, apenas sobrepujado pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. Ao longo de cerca de 16.000km de fronteiras, limita-se ao norte com a Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Venezuela; a oeste com a Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai; ao sul, com a Argentina e o Uruguai; e a leste com o oceano Atlântico. Portanto, apenas dois países sul-americanos não têm fronteira com o Brasil: Equador e Chile. Com a forma aproximada de um imenso triângulo, o território brasileiro tem largura e altura praticamente iguais: no sentido norte-sul, estende-se por 4.320km, desde o monte Caburaí, na fronteira com a Guiana, até o arroio Chuí, na fronteira com o Uruguai; e no sentido oeste-leste, por 4.328km, da serra de Contamana, no Peru, até a ponta do Seixas, no litoral da Paraíba.
O nome Brasil deriva da árvore Caesalpinia echinata, chamada pelos índios de ibirapitanga e pelos portugueses de pau-brasil, pela cor de brasa do seu cerne, comerciado como corante. Já um ato notarial de 1503 arrolava um carregamento de "paus do brasil", trazidos da terra recém-descoberta. Até o século XVII, "brasileiros" eram inicialmente os que comerciavam com pau-brasil; depois os que vinham para o Brasil ganhar a vida; e finalmente os filhos da terra, nativos ou descendentes de europeus.
Geografia física
Geologia
O território brasileiro, juntamente com o das Guianas, distingue-se nitidamente do resto da América do Sul. Seu embasamento abriga as maiores áreas de afloramento de rochas pré-cambrianas, os chamados escudos: o escudo ou complexo Brasileiro, também designado como embasamento Cristalino, ou simplesmente Cristalino; e o escudo das Guianas. Os terrenos mais antigos, constituídos de rochas de intenso metamorfismo, formam o complexo Brasileiro. O escudo das Guianas abarca, além das Guianas, parte da Venezuela e do Brasil, ao norte do rio Amazonas. Entre ambos situa-se a bacia sedimentar do Amazonas, cuja superfície está em grande parte coberta por depósitos cenozóicos, em continuação aos da faixa adjacente aos Andes.
As rochas mais antigas do escudo das Guianas datam de mais de dois bilhões de anos. É portanto uma área estável de longa data. Na faixa costeira do Maranhão e do Pará ocorrem rochas pré-cambrianas, que constituem um núcleo muito antigo, com cerca de dois bilhões de anos. A região pré-cambriana de Guaporé é coberta pela floresta amazônica. A do rio São Francisco estende-se pelos estados da Bahia, Minas Gerais e Goiás. Há dentro dessa região uma unidade tectônica muito antiga, o geossinclíneo do Espinhaço, que vai de Ouro Preto MG até a borda meridional da bacia sedimentar do Parnaíba. As rochas mais antigas dessa área constituem o grupo do rio das Velhas, com idades que atingem cerca de 2,5 bilhões de anos.
As rochas do grupo Minas assentam-se em discordância sobre elas, e são constituídas de metassedimentos que em geral exibem metamorfismo de fácies xisto verde, com idade aproximada de 1,5 bilhão de anos. Pertence a esse grupo a formação Itabira, com grandes jazidas de ferro e manganês. Sobre as rochas do grupo Minas colocam-se em discordância as do grupo Lavras, constituídas de metassedimentos de baixo metamorfismo, com metaconglomerados devidos talvez a uma glaciação pré-cambriana.
Grande parte da área pré-cambriana do São Francisco é coberta por rochas sedimentares quase sem metamorfismo e só ligeiramente dobradas, constituídas em boa parte de calcários. Essa seqüência é conhecida como grupo Bambuí, com idade em torno de 600 milhões de anos, época em que provavelmente a região do São Francisco já havia atingido relativa estabilidade.
Ao que parece, um grande ciclo orogenético, denominado Transamazônico, ocorrido há cerca de dois bilhões de anos, perturbou as rochas mais antigas dessa faixa pré-cambriana. Ao final do pré-cambriano, as regiões do São Francisco e do Guaporé eram separadas por dois geossinclíneos -- o Paraguai-Araguaia, que margeava as terras antigas do Guaporé pelo lado oriental; e o de Brasília, que margeava as terras antigas do São Francisco pelo lado ocidental.
As estruturas das rochas parametamórficas do geossinclíneo Paraguai-Araguaia orientam-se na direção norte-sul no Paraguai e sul do Mato Grosso, curvam-se para o nordeste e novamente para norte-sul no norte de Mato Grosso e Goiás e atingem o Pará através do baixo vale do Tocantins, numa extensão de mais de 2.500km. Iniciam-se por uma espessa seqüência de metassedimentos que constituem, no sul, o grupo Cuiabá, e no norte, o grupo Tocantins. Essa seqüência é recoberta pelas rochas do grupo Jangada, entre as quais existem conglomerados tidos como representantes do episódio glacial.
O geossinclíneo Brasília desenvolveu-se em parte dos estados de Goiás e Minas Gerais. Suas estruturas, no sul, dirigem-se para noroeste e depois curvam-se para o norte. A intensidade do metamorfismo decresce de oeste para leste e varia de fácies anfibolito a fácies xisto verde. A região central de Goiás, que separa os geossinclíneos Paraguai-Araguaia e Brasília, é constituída de rochas que exibem fácies de metamorfismo de anfibolito.
Uma longa faixa metamórfica, chamada de geossinclíneo Paraíba, estende-se ao longo da costa oriental do Brasil, do sul da Bahia ao Rio Grande do Sul e Uruguai. Suas rochas de metamorfismo mais intenso estão na serra do Mar. As rochas de baixo metamorfismo (xistos verdes) são grupadas sob diferentes nomes geográficos: grupo Porongos, no Rio Grande do Sul, grupo Brusque, em Santa Catarina, grupo Açungui, no Paraná e sul de São Paulo, e grupo São Roque, na área de São Roque-Jundiaí-Mairiporã, no estado de São Paulo. Gnaisses e migmatitos da área pré-cambriana do norte, em São Paulo e partes adjacentes de Minas Gerais, constituem a serra da Mantiqueira.
A faixa orogenética do Cariri, no Nordeste, possui direções estruturais muito perturbadas por falhamentos. Um grande acidente tectônico, o lineamento de Pernambuco, separa a faixa do Cariri do geossinclíneo de Propriá. O grupo Ceará, importante unidade da faixa tectônica do Cariri, apresenta metassedimentos com metamorfismos que variam da fácies xisto verde à de anfibolito, recobertos em discordância pelas rochas do grupo Jaibara.
A fase de sedimentação intensa de todos esses geossinclíneos ocorreu no pré-cambriano superior, e seu fim foi marcado por um ciclo orogenético, o ciclo Brasileiro, ocorrido há cerca de 600 milhões de anos. Suas fases tardias atingiram os períodos cambriano e ordoviciano, e produziram depósitos que sofreram perturbações tectônicas, não acompanhadas de metamorfismo. Em Mato Grosso, extensos depósitos calcários dessa época constituem os grupos Corumbá, ao sul, e Araras, ao norte. Em discordância sobre o Corumbá, assentam as rochas do grupo Jacadigo, constituídas de arcósios, conglomerados arcosianos, siltitos, arenitos e camadas e lâminas de hematita, jaspe e óxidos de manganês.
Na faixa atlântica há indícios de manifestações vulcânicas riolíticas e andesíticas associadas aos metassedimentos cambro-ordovicianos, e também granitos intrusivos, tardios e pós-tectônicos. Os sedimentos cambro-ordovicianos, que marcam os estertores da fase geossinclinal no Brasil, não possuem fósseis, por se terem formado em ambiente não-marinho. Ocupam áreas restritas, cobertas discordantemente pelos sedimentos devonianos ou carboníferos da bacia do Paraná. A maior área encontra-se no estado do Rio Grande do Sul.
A seqüência da base é chamada de grupo Maricá, à qual sucede o grupo Bom Jardim, que consiste em seqüências sedimentares semelhantes às do grupo Maricá, mas caracterizadas por um vulcanismo andesítico muito intenso. Segue-se o grupo Camaquã, cujas rochas exibem perturbações mais suaves que as dos grupos sotopostos. Nas fases iniciais de deposição desse grupo, ocorreu intenso vulcanismo riolítico, mas há evidências de fases vulcânicas riolíticas anteriores: os conglomerados do grupo Bom Jardim contêm seixos de riólitos. Também durante as fases de sedimentação das rochas do grupo Camaquã, ocorreu vulcanismo andesítico intermitente.
O grupo Itajaí, em Santa Catarina, é outra grande área de rochas formadas em ambiente tectônico. O grupo Castro, no Paraná, constituído de arcósios, siltitos e conglomerados, parece ter-se formado na mesma época desses grupos. Riólitos, tufos e aglomerados ocorrem em diversos níveis dessa seqüência, e rochas vulcânicas andesíticas marcam as fases finais. Sobre as rochas do grupo Castro descansa uma seqüência de conglomerados, a formação Iapó.
Bacias sedimentares. Distinguem-se, por sua estrutura, três grandes bacias sedimentares intracratônicas no Brasil: Amazonas, Parnaíba (ou Maranhão) e Paraná. A bacia do Amazonas propriamente dita ocupa apenas a região oriental do estado do Amazonas e o estado do Pará, com exceção da foz do Amazonas, que pertence à bacia de Marajó. Os terrenos mais antigos datam da era paleozóica e alinham-se em faixas paralelas ao curso do rio Amazonas. As rochas do período devoniano ocorrem tanto na bacia do Amazonas como nas do Parnaíba e do Paraná. Outros datam da era mesozóica e são cretáceos (séries Acre e Itauajuri, formação Nova Olinda), e constituem, com os anteriores, zonas com possibilidades de jazidas petrolíferas. Mas as maiores extensões correspondem aos terrenos recentes, particularmente pliocênicos (série Barreiras), mas também pleistocênicos (formação Pará) e holocênicos ou atuais, todos de origem continental.
A bacia sedimentar do Parnaíba situa-se em terras do Maranhão e do Piauí. Os terrenos mais antigos remontam à era paleozóica e em geral são de origem marinha; os devonianos subdividem-se em três formações: Picos, Cabeças e Longá. Distinguem-se na bacia do Parnaíba três ciclos de sedimentação separados por discordâncias: (1) siluriano; (2) devoniano-carbonífero inferior; (3) carbonífero superior-permiano. Durante o intervalo siluriano-carbonífero inferior, a área de maior subsidência situava-se no limite sudeste da atual bacia, o que lhe conferia grande assimetria em relação aos atuais limites da bacia. Isso significa que a borda oriental atual é erosiva e não corresponde à borda original. A história da bacia durante o permiano acha-se documentada pelos depósitos das formações Pedra de Fogo e Motuca.
A bacia do Paraná é uma das maiores do mundo. Mais de sessenta por cento de sua área de 1.600.000km2 ficam no Brasil; cerca de 25% na Argentina e o restante no Paraguai e Uruguai. É definida como unidade autônoma a partir do devoniano, embora ocorram sedimentos marinhos silurianos fossilíferos no Paraguai, de extensão limitada. Distinguem-se na bacia do Paraná três ciclos de sedimentação paleozóica (siluriano, devoniano, permocarbonífero), separados entre si por discordâncias. Os sedimentos marinhos do fim do paleozóico são bem menos importantes que nas duas outras bacias, mas ao contrário delas, essa bacia possui sedimentos marinhos permianos.
Relevo
O Brasil é um país de relevo modesto: seus picos mais altos elevam-se a cotas da ordem dos três mil metros. Em grandes números, o relevo brasileiro se reparte em menos de quarenta por cento de planícies e pouco mais de sessenta por cento de planaltos. A altitude média é de 500m. As elevações agrupam-se em dois sistemas principais: o sistema Brasileiro e o sistema Parima ou Guiano. Ambos são constituídos de velhos escudos cristalinos, de rochas pré-cambrianas -- granito, gnaisse, micaxisto, quartzito -- fortemente dobrados e falhados pelas orogenias laurenciana e huroniana.
Trabalhados por longo tempo pelos agentes erosivos, os dois escudos foram aplainados até formarem planaltos muito regulares. Na periferia, a orogenia andina refletiu-se por meio de falhas, flexuras e fraturas que promoveram uma retomada da erosão, que deu origem a formas mais enérgicas de relevo: escarpas, vales profundos, serras e morros arredondados.
O sistema Parima ou Guiano fica ao norte da bacia amazônica e sua linha divisória serve de fronteira entre o Brasil, de um lado, e a Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa de outro. A superfície aplainada do alto rio Branco (vales do Tacutu e do Rupununi) divide o sistema em dois maciços: o Oriental, com as serras de Tumucumaque e Acaraí, mais baixo, com altitudes quase sempre inferiores a 600m; e o Ocidental, mais elevado, que recebe denominações como serra de Pacaraima, Parima, Urucuzeiro, Tapirapecó e Imeri, onde se encontram os pontos culminantes do relevo brasileiro: o pico da Neblina, com 3.014m, e o Trinta e Um de Março, com 2.992m. Mais para oeste, no alto rio Negro, ocorrem apenas bossas graníticas isoladas (cerro Caparro, pedra de Cucaí), com menos de 500m, que emergem do peneplano coberto de florestas.
O sistema Brasileiro ocupa área muito maior que o Parima. Está subdividido em províncias fisiográficas ou geomórficas. O maciço Atlântico abrange as serras cristalinas que ficam a leste das escarpas sedimentares do planalto Meridional, e tomam as denominações gerais de serra do Mar e serra da Mantiqueira. A primeira acompanha a costa brasileira desde o baixo Paraíba, perto do município de Campos dos Goitacases RJ até o sul de Santa Catarina; a serra da Mantiqueira fica um pouco mais para o interior, e estende-se de São Paulo até à Bahia.
A serra do Mar mostra um conjunto de cristas paralelas entre o litoral sul do estado do Rio de Janeiro e o médio Paraíba: Gávea, Pão de Açúcar, Corcovado, Tijuca, Pedra Branca, Jericinó-Marapicu, garganta Viúva da Graça, até o alinhamento principal da serra, que descamba suavemente para o leito do Paraíba. Longitudinalmente, mostra o bloco levantado da serra dos Órgãos, ao norte da baía de Guanabara, com culminâncias na pedra do Sino (2.245m) e na pedra Açu (2.232m) entre Petrópolis e Teresópolis, pendente para o interior. A serra da Bocaina, no estado de São Paulo, ao contrário, é basculada em direção à costa. Entre São Paulo e Santos, a serra de Cubatão, com 700m de altitude, é meramente a borda de um planalto.
No Paraná, a serra do Mar toma os nomes de Ibiteraquire, ou Verde, Negra e Graciosa, e é uma verdadeira serra marginal. Em Santa Catarina, foi rebaixada e cortada de falhas, de modo que a erosão isolou morros com formato de pirâmide truncada. Avança para o sul até Tubarão, onde desaparece sob sedimentos paleozóicos e possantes derrames basálticos. As serras de Tapes e Erval, no sudeste do Rio Grande do Sul, com cerca de 400m de altitude, são consideradas como parte da serra do Mar apenas por suas rochas, pois há entre elas uma solução de continuidade.
A serra da Mantiqueira é composta por rochas de idade algonquiana, na maioria de origem metamórfica: gnaisse xistoso, micaxisto, quartzito, filito, itabirito, mármore, itacolomito etc. Enquanto no interior paulista toma os nomes locais de serra de Paranapiacaba e Cantareira, nas divisas de Minas, onde alcança as cotas mais elevadas, é chamada de Mantiqueira mesmo.
Durante o período terciário, massas de rochas plutônicas alcalinas penetraram pelas falhas que criaram esse escarpamento e geraram os blocos elevados de Itatiaia (pico das Agulhas Negras: 2.787m) e Poços de Caldas. Águas e vapores em altas temperaturas intrometeram-se também pelas fendas e formaram as fontes de águas termais dessa região. A leste do maciço de Itatiaia, as cristas da Mantiqueira formam alinhamentos divergentes. O mais ocidental se dirige para o centro do estado e forma uma escarpa voltada para leste, que eleva as cotas a mais de mil metros. O ramo mais oriental forma a divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo até o vale do rio Doce, elevando-se na serra da Chibata ou Caparaó, até 2.890m, no pico da Bandeira.
No centro de Minas Gerais, outro bloco elevado assume forma quadrangular, constituído de rochas ricas em ferro, de alto teor. Toma nomes locais de serra do Curral, ao norte; do Ouro Branco, ao sul; de Itabirito, a leste, e da Moeda, a oeste. O ramo oriental se prolonga para o norte do estado, com o nome de serra do Espinhaço, que divide as águas da bacia do São Francisco das que vertem diretamente no Atlântico. Com a mesma função e direção geral e estrutura semelhantes, a Mantiqueira estende-se até o norte da Bahia, onde recebe as denominações de chapada Diamantina, serra do Tombador e serra da Jacobina.
Planaltos e escarpas. No sul do Brasil, o relevo de planaltos e escarpas começa do primeiro planalto, de Curitiba, com cerca de 800m, até uma escarpa de 1.100m, constituída de arenito Furnas. O segundo planalto é o de Ponta Grossa. A escarpa oriental é denominada Serrinha, e tem nomes locais como os de serra do Purunã e Itaiacoca. A oeste do planalto ergue-se nova escarpa, com cota de 1.300m, que vai do sul de Goiás e Mato Grosso até a Patagônia. A superfície desse derrame é de cerca de um milhão de quilômetros quadrados. O planalto descamba novamente para oeste, até cotas de 200 e 300m na barranca do rio Paraná. Este é o terceiro planalto, chamado de planalto basáltico ou planalto de Guarapuava. A escarpa que o limita a leste chama-se serra da Esperança.
No Rio Grande do Sul, a única escarpa conspícua é a da serra Geral, que abrange desde 1.200m, nos Aparados da Serra, até cotas entre 50 e 200m, no vale médio do Uruguai. Em São Paulo, os sedimentos paleozóicos não formam uma escarpa, mas uma depressão periférica, na base da cuesta basáltica: a serra de Botucatu. Mato Grosso apresenta três frentes de cuesta: a devoniana, de arenito Furnas (serras de São Jerônimo e Coroados ou São Lourenço); a carbonífera, de arenito Aquidauana (serra dos Alcantilados); e a eojurássica (serras de Maracaju e Amambaí).
O relevo do Nordeste, ao norte da grande curva do rio São Francisco, é constituído essencialmente por dois vastos pediplanos em níveis diferentes. O mais elevado corresponde ao planalto da Borborema, de 500 a 600m, que se estende do Rio Grande do Norte a Pernambuco. Em Alagoas e no brejo paraibano, sua superfície é cortada por vales profundos. O pediplano mais baixo, com menos de 400m, difunde-se por quase todo o Ceará, oeste do Rio Grande do Norte e Paraíba e norte da Bahia. Dele se erguem elevações isoladas de dois tipos:(1) chapadas areníticas de topo plano, como a do Araripe, (600-700m) entre Ceará e Pernambuco e a do Apodi (100-200m), entre Ceará e Rio Grande do Norte; e (2) serras cristalinas de rocha dura, como as de Baturité, Uruburetama e Meruoca, no Ceará.
Nos planaltos e chapadas do centro-oeste predominam as linhas horizontais, que alcançam cotas de 1.100 a 1.300m no sudeste, desde a serra da Canastra, em Minas Gerais, até a chapada dos Veadeiros, em Goiás, passando pelo Distrito Federal. Seus vales são largos, com vertentes suaves; só os rios de grande caudal, como o Paranã (bacia Amazônica), Paranaíba (bacia do Prata) e Abaeté (bacia do São Francisco), cavam neles vales profundos. No sudeste do planalto central, a uniformidade do relevo resulta de longo trabalho de erosão em rochas proterozóicas. As altitudes dos planaltos vão baixando para o norte e noroeste à medida que descem em degraus para a planície amazônica: 800-900m na serra Geral de Goiás; 700-800m nas serras dos Parecis e Pacaás Novos, em Rondônia; 500m e pouco mais na serra do Cachimbo.
Planícies. Existem três planícies no Brasil, em volta do sistema Brasileiro: a planície Amazônica, que o separa do sistema Guiano, a planície litorânea e a planície do Prata, ou Platina. A Amazônica, em quase toda sua área, é formada de tabuleiros regulares, que descem em degraus em direção à calha do Amazonas. A planície litorânea estende-se como uma fímbria estreita e contínua da costa do Piauí ao Rio de Janeiro, constituída de tabuleiros e da planície holocênica.
Apenas dois prolongamentos da planície do Prata atingem o Brasil: no extremo sul, a campanha gaúcha, e no sudoeste, o pantanal mato-grossense. Ao sul da depressão transversal do Rio Grande do Sul, a campanha é uma baixada com dois níveis de erosão: o mais alto forma um platô com cerca de 400m de altitude na região de Lavras e Caçapava do Sul; o mais baixo aplainou o escudo cristalino com ondulações suaves -- as coxilhas. O pantanal mato-grossense é uma fossa tectônica, aproveitada pelo rio Paraguai e seus afluentes, que a inundam em parte durante as enchentes, para atingir o rio da Prata.
Clima
O Brasil é um país essencialmente tropical: a linha do equador passa ao norte, junto a Macapá AP e a Grande São Paulo fica na linha de Capricórnio. A zona temperada do sul compreende apenas o vértice meridional do Brasil: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, a maior parte do Paraná e o extremo-sul de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Os climas do país se enquadram nos três primeiros grupos da classificação de Köppen (grupo dos megatérmicos, dos xerófitos e dos mesotérmicos úmidos), cada um dos quais corresponde a um tipo de vegetação e se subdivide com base nas temperaturas e nos índices pluviométricos.
A região Norte do Brasil apresenta climas megatérmicos (ou tropicais chuvosos), em que os tipos predominantes são o Af (clima das florestas pluviais, com chuvas abundantes e bem distribuídas) e o Am (clima das florestas pluviais, com pequena estação seca). Caracterizam-se por temperaturas médias anuais elevadas, acima de 24o C, e pelo fato de que a diferença entre as médias térmicas do mês mais quente e do mais frio se mantém inferior a 2,5o C. Entretanto, a variação diurna da temperatura é muito maior: 9,6o C em Belém PA, 8,7o C em Manaus AM e 13,5o C em Sena Madureira AC.
No sudoeste da Amazônia, as amplitudes térmicas são mais expressivas devido ao fenômeno da friagem, que ocorre no inverno e provém da invasão da massa polar atlântica nessa área e acarreta uma temperatura mínima, em Sena Madureira, de 7,9o C. O total de precipitações na Amazônia é geralmente superior a 1.500mm ao ano. A região tem três tipos de regime de chuvas: sem estação seca e com precipitações superiores a 3.000mm ao ano, no alto rio Negro; com curta estação seca (menos de 100mm mensais) durante três meses, a qual ocorre no inverno austral e desloca-se para a primavera à medida que se vai para leste; e com estiagem pronunciada, de cerca de cinco meses, numa faixa transversal desde Roraima até Altamira, no centro do Pará.
A região Centro-Oeste do país apresenta alternância bem marcada entre as estações seca e chuvosa, geralmente no verão, o que configura o tipo climático Aw. A área submetida a esse tipo de clima engloba o planalto Central e algumas zonas entre o Norte e o Nordeste. O total anual de precipitações é de cerca de 1.500mm, mas pode elevar-se a 2.000mm. No planalto Central, mais de oitenta por cento das chuvas caem de outubro a março, quase sempre sob a forma de aguaceiros, enquanto o inverno tem dois a três meses praticamente sem chuvas.
A temperatura média anual varia entre 19 e 26o C, mas a amplitude térmica anual eleva-se até 5o C. O mês mais frio é geralmente julho; o mais quente, janeiro ou dezembro. A insolação é forte de dia, mas à noite a irradiação se faz livremente, trazendo madrugadas frias. No oeste (Mato Grosso do Sul) verificam-se também invasões de friagem, com temperaturas inferiores a 0o C em certos lugares.
No sertão do Nordeste ocorre o clima semi-árido, equivalente à variedade Bsh do grupo dos climas secos ou xerófitos. Abrange o médio São Francisco, mas na direção oposta chega ao litoral pelo Ceará e pelo Rio Grande do Norte. Caem aí menos de 700mm de chuva por ano. O período chuvoso, localmente chamado inverno, embora geralmente corresponda ao verão, é curto e irregular. As precipitações são rápidas mas violentas. A estiagem dura geralmente mais de seis meses e às vezes se prolonga por um ano ou mais, nas secas periódicas, causando problemas sociais graves. As temperaturas médias anuais são elevadas: acima de 23o C, exceto nos lugares altos. Em partes do Ceará e Rio Grande do Norte, a média vai a 28o C. A evaporação é intensa.
Nas regiões Sudeste e Sul do Brasil predominam climas mais amenos -- mesotérmicos úmidos -- enquadrados nas variedades Cfa, Cfb, Cwa e Cwb. As temperaturas médias mais baixas ocorrem geralmente em julho (menos de 18o C), época em que pode haver geadas. No Sudeste, conservam-se as características tropicais modificadas pela altitude. A amplitude térmica permanece por volta de 5o C e as chuvas mantêm o regime estival, concentradas no semestre de outubro a março.
O Sul apresenta invernos brandos, geralmente com geadas; verões quentes nas áreas baixas e frescos no planalto; chuvas em geral bem distribuídas. As temperaturas médias anuais são inferiores a 18o C. A amplitude térmica anual cresce à medida que se vai para o sul. Neves esporádicas caem sobretudo nos pontos mais elevados do planalto: São Francisco de Paula RS, Caxias do Sul RS, São Joaquim SC, Lajes SC e Palmas PR. No oeste do Rio Grande do Sul, no entanto, ocorrem os veranicos de fevereiro, secos e quentíssimos, com temperaturas das mais altas do Brasil.
Hidrografia
De acordo com o perfil longitudinal, os rios do Brasil classificam-se em dois grupos: rios de planalto, a maioria; e rios de planície, cujos principais representantes são o Amazonas, o Paraguai e o Parnaíba. O Amazonas tem a mais vasta bacia hidrográfica do mundo, em sua maior parte situada em território brasileiro. É também o rio de maior caudal do planeta. Os três principais coletores da bacia do Prata -- Paraná, Paraguai e Uruguai -- nascem no Brasil.
O Paraná, constituído pela junção dos rios Paranaíba e Grande, é um típico rio de planalto, que desce em saltos: cachoeira Dourada, no Paranaíba; Marimbondo, no Grande; Iguaçu, no rio homônimo; Urubupungá, no próprio Paraná (Sete Quedas, nesse rio, desapareceu com a construção da represa de Itaipu). Os principais afluentes da margem esquerda são o Tietê, o Paranapanema, o Ivaí e o Iguaçu; da margem direita, o Verde, o Pardo e o Invinheima.
O Uruguai é formado pelos rios Pelotas e Canoas, que nascem perto da escarpa da serra Geral. Separa o Rio Grande do Sul de Santa Catarina e da Argentina e confronta depois esse país com o Uruguai. Seu regime constitui exceção no Brasil: tem enchentes na primavera. O rio Paraguai nasce em Mato Grosso, no planalto central, perto de Diamantino. Após curto trecho, penetra no pantanal, ao qual inunda parcialmente nas cheias, que ocorrem no outono. Seus principais afluentes são: pela margem esquerda, o São Lourenço, o Taquari, o Miranda e o Apa; pela direita, o Jauru. Em certos trechos, separa o Brasil da Bolívia e do Paraguai, até que se interna nesse país.
O rio São Francisco nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, e corre nas direções gerais sul-norte e oeste-leste. É chamado "rio da unidade nacional", porque liga as duas regiões de mais alta densidade demográfica e mais antigo povoamento do país: o Sudeste e a zona da Mata nordestina. É um rio de planalto, que forma várias cachoeiras: Paulo Afonso, Itaparica, Sobradinho, Pirapora. Seus principais afluentes são: na margem esquerda, o Indaiá, o Abaeté, o Paracatu, o Pardo, o Carinhanha, o Corrente e o Grande; pela direita, o Pará, o Paraopeba, o das Velhas e o Verde Grande, todos perenes. Tem enchentes de verão.
Vertentes. Os demais rios têm cursos menos extensos, e por isso são agrupados em vertentes:
(1) Rios da vertente setentrional, perenes, de vazão relativamente grande e enchentes de outono. Os principais são: o Oiapoque e o Araguari (em que ocorrem as famosas "pororocas"), no Amapá; o Gurupi, o Turiaçu, o Pindaré, o Mearim, o Itapicuru e o Parnaíba, no Maranhão; este último, na divisa com o Piauí, tem em seu delta a mais perfeita embocadura desse gênero no Brasil.
(2) Rios da vertente norte-oriental, periódicos, com enchentes de outono-inverno. Os principais são: o Acaraú e o Jaguaribe, no Ceará; o Apodi ou Moçoró, o Piranhas ou Açu, o Ceará-Mirim e o Potenji, no Rio Grande do Norte; o Paraíba do Norte, na Paraíba; o Capibaribe, o Ipojuca e o Una, em Pernambuco. Nos leitos desses rios são comuns as barragens, destinadas à construção de açudes.
(3) Rios da vertente oriental, a maioria dos rios genuinamente baianos é constituída também de rios periódicos, com o máximo das enchentes no verão -- o Itapicuru, o Paraguaçu e o Contas -- além do Vaza-Barris, na Bahia e Sergipe.
(4) Rios da vertente sul-oriental, perenes, com perfil longitudinal de rios de planalto e com enchentes de verão. Os principais são: o Pardo, o Jequitinhonha (Minas Gerais e Bahia), este último famoso pela mineração de diamantes e pedras semipreciosas; o Doce (Minas Gerais e Espírito Santo), por cujo vale se exporta minério de ferro; o Paraíba do Sul, com bacia leiteira no vale médio e região açucareira no inferior; e a Ribeira do Iguape (Paraná e São Paulo).
(5) Rios da vertente meridional, também com enchentes de verão: o Itajaí e o Tubarão, em Santa Catarina; o Guaíba, o Camaquã e o Jaguarão, no Rio Grande do Sul. Os rios de baixada não desempenham papel relevante no sistema de transporte porque seus cursos estão afastados das áreas mais povoadas e também em virtude da política de priorização do transporte rodoviário. Os rios de planalto oferecem grande potencial hidrelétrico.
Em vista do tamanho de seu território, o Brasil é um país de pequenos lagos. Podem ser classificados geneticamente em três categorias: (1) lagos costeiros ou de barragem, formados pelo fechamento total da costa, por uma restinga ou cordão de areia, como as lagoas dos Patos, Mirim e Mangueira, no Rio Grande do Sul; Araruama, Saquarema, Maricá, Rodrigo de Freitas e Jacarepaguá, no estado do Rio de Janeiro. (2) Lagos fluviais ou de transbordamento, formados pela acumulação de excedentes de água da enchente de um rio, típicos dos rios de planície. Os principais são: no vale do Amazonas, Piorini, Saracá, Manacapuru, no Amazonas; Grande de Maicuru e Itandeua, no Pará. No rio Paraguai, Uberaba, Guaíba, Mandioré e Cáceres, no Mato Grosso. No baixo rio Doce, a lagoa Juparanã, no Espírito Santo. (3) Lagos mistos, combinados dos dois tipos, como a lagoa Feia, no estado do Rio de Janeiro, a do Norte, Manguaba ou do Sul e Jequiá, em Alagoas.
Fauna
A fauna brasileira não conta com espécies de grande porte, semelhantes às que se encontram nas savanas e selvas da África. Na selva amazônica existe uma abundante fauna de peixes e mamíferos aquáticos que habitam os rios e igapós. As espécies mais conhecidas são o pirarucu e o peixe-boi (este em vias de extinção). Nas várzeas há jacarés e tartarugas (também ameaçados de desaparecimento), bem como algumas espécies anfíbias, notadamente a lontra e a capivara e certas serpentes, como a sucuriju. Nas florestas em geral predominam a anta, a onça, os macacos, a preguiça, o caititu, a jibóia, a sucuri, os papagaios, araras e tucanos e uma imensa variedade de insetos e aracnídeos.
Nas caatingas, cerrados e campos são mais comuns a raposa, o tamanduá, o tatu, o veado, o lobo guará, o guaxinim, a ema, a siriema, perdizes e codornas, e os batráquios (rãs, sapos e pererecas) e répteis (cascavel, surucucu e jararaca). Há abundância de térmitas, que constroem montículos duros como habitação. De maneira geral, a fauna ornitológica brasileira não encontra rival em variedade, com muitas espécies inexistentes em outras partes do mundo. São inúmeras as aves de rapina, como os gaviões, as aves noturnas, como as corujas e mochos, as trepadoras, os galináceos, as pernaltas, os columbídeos e os palmípedes.
Flora
A diversidade do clima brasileiro reflete-se claramente em sua cobertura vegetal. A vegetação natural do Brasil pode ser grupada em três domínios principais: as florestas, as formações de transição e os campos ou regiões abertas. As florestas se subdividem em outras três classes, de acordo com a localização e a fisionomia: a selva amazônica, a mata atlântica e a mata de araucárias. A primeira, denominada hiléia pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt (do grego, hilayos, "da floresta", "selvagem") é a maior mata equatorial do mundo. Reveste uma área de cinco milhões de quilômetros quadrados, equivalente a quase o dobro do território da Argentina.
Florestas. A hiléia, do ponto de vista de sua ecologia, divide-se em: mata de igapó, mata de várzea e mata de terra firme. A primeira fica inundada durante cerca de dez meses no ano e é rica em palmeiras, como o açaí (Euterpe oleracea); os solos são arenosos e não cultiváveis nas condições em que se encontram. A mata de várzea é inundada somente nas enchentes dos rios; tem muitas essências de valor comercial e de madeiras brancas, como a seringueira (Hevea brasiliensis), o cacaueiro (Theobroma cacao), a copaíba (Copaifera officinalis), a sumaúma (Ceiba pentandra) e o gigantesco açacu (Hura crepitans). Amata de igapó e a mata de várzea, as duas primeiras divisões da hiléia, têm árvores de folhas perenes. Os solos das várzeas são intrazonais, argilosos ou limosos.
A mata de terra firme, que corresponde a cerca de noventa por cento da floresta amazônica, nunca fica inundada. É uma mata plenamente desenvolvida, composta de quatro andares de vegetação: as árvores emergentes, que chegam a cinqüenta metros ou mais; a abóbada foliar, geralmente entre 20 e 35m, onde as copas das árvores disputam a luz solar; o andar arbóreo inferior, entre cinco e vinte metros, com árvores adultas de troncos finos ou espécimes jovens, adaptados à vida na penumbra; e o sub-bosque, com samambaias e plantas de folhas largas. Cipós pendentes das árvores entrelaçam os diferentes andares. Epífitas, como as orquídeas, e vegetais inferiores, como os cogumelos, liquens, fungos e musgos, convivem com a vegetação e aumentam sua complexidade.
A mata de terra firme é geralmente semidecídua: dez por cento ou mais de suas árvores perdem as folhas na estiagem. Árvores típicas da terra firme são a castanheira (Bertholettia excelsa), a balata (Mimusops bidentata), o mogno (Swietenia macrophylla) e o pau-rosa (Aniba duckei). A heterogeneidade da floresta dificulta sua exploração econômica, salvo onde ocorrem concentrações. O tipo de solo predominante na hiléia é o latossolo.
A mata da encosta atlântica estende-se como uma faixa costeira, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Suas árvores mais altas chegam geralmente a 25 ou trinta metros. No sul da Bahia e na vertente marítima da serra do Mar, é perenifólia; mais para o interior e em lugares menos úmidos, é semidecídua. Do Paraná para o sul, toma um caráter subtropical: é de menor altura (10 a 15m), perenifólia, mais pobre em cipós e mais rica em epífitas. A peroba (Aspidosperma sp.), o cedro (Cedrella, spp.), o jacarandá (Machaerium villosum), o palmito (Euterpe edulis) e o pau-brasil foram espécies exploradas na mata atlântica.
Além de madeira, a mata atlântica contribuiu muito com seus solos para o desenvolvimento econômico do Brasil. A maior parte deles pertence ao grande grupo dos latossolos vermelho-amarelos, entre os quais se inclui a terra roxa, e nos quais se instalaram várias culturas, como café, cana-de-açúcar, milho e cacau.
O terceiro tipo de floresta é a mata de araucárias. Fisionomicamente, é uma floresta mista de coníferas e latifoliadas perenifólias. Ocorre no planalto meridional, em terras submetidas a geadas anuais. Das matas brasileiras, é a de menor área, porém de maior valor econômico, por ser a mais homogênea. Suas árvores úteis mais típicas são: o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), produtor de madeira branca; a imbuia (Phoebe porosa), madeira de lei, escura, utilizada em marcenaria; e a erva-mate (Ilex paraguariensis), com cujas folhas tostadas se faz uma infusão semelhante ao chá, muito apreciada nos países do Prata.
Formações de transição. A caatinga, o cerrado e o manguezal são os tipos mais característicos da vegetação de transição. As caatingas predominam nas áreas semi-áridas da região Nordeste e envolvem grande variedade de formações, desde a mata decídua (caatinga alta) até a estepe de arbustos espinhentos. Suas árvores e arbustos são em geral providos de folhas miúdas, que caem na estiagem, e armados de espinhos. São a jurema (Mimosa sp.), a faveleira (Jatropha phyllancantha), o pereiro (Aspidosperma pirifolium), a catingueira (Caesalpinia sp), o marmeleiro (Combretum sp). São também típicas as cactáceas, como o xiquexique (Pilocereus gounellei), o facheiro (Cereus squamosus), o mandacaru (Cereus jamacaru) e outras do gênero Opuntia. Nos vales planos são freqüentes os carnaubais (Copernicia cerifera).
Os cerrados, ou campos cerrados, predominam no planalto central, desde o oeste de Minas Gerais até o sul do Maranhão. São formações constituídas de tufos de pequenas árvores, até dez ou 12m de altura, retorcidas, de casca grossa e folhas coriáceas, dispersos num tapete de gramíneas até um metro de altura, que na estiagem se transforma em um manto de palha. Os cerrados penetram no pantanal mato-grossense, onde se misturam a savanas e formações florestais e formam um conjunto complexo. Os manguezais ocorrem em formações de quatro a cinco metros de altura, na costa tropical, e são compostos sobretudo de Rhizophora mangle, Avicennia spp. e Laguncularia racemosa.
Regiões abertas. As áreas de vegetação aberta, no Brasil, se agrupam em tipos variados. Os campos de terra firme da Amazônia, como os campos do rio Branco (Roraima), os de Puciari-Humaitá (Amazonas) e os do Ererê (Pará), são savanas de gramíneas baixas, com diversas árvores isoladas típicas do cerrado, como o caimbé (Curatella americana), a carobeira (Tecoma caraíba) e a mangabeira (Hancornia speciosa). Os campos de várzea do médio e baixo Amazonas e do pantanal (rio Paraguai) são savanas sem árvores, com gramíneas de um metro ou mais de altura.
Os campos limpos são estepes úmidas que ocorrem na campanha gaúcha, em partes do planalto meridional (campos de Vacaria RS, campos de Lajes e Curitibanos SC; campos gerais, campos de Curitiba e de Guarapuava PR) e no extremo oeste baiano (os gerais). Têm solos geralmente pobres, salvo na campanha, onde se enquadram no tipo prairie degradado.
População
As três raças básicas formadoras da população brasileira são o negro, o europeu e o índio, em graus muito variáveis de mestiçagem e pureza. É difícil afirmar até que ponto cada elemento étnico era ou não previamente mestiçado. Os portugueses trouxeram um complicado caldeamento de lusitanos, romanos, árabes e negros, que habitaram em Portugal. Os demais grupos, vindos em grande número para o Brasil em diversas épocas -- italianos, espanhóis, alemães, eslavos, sírios -- também tiveram mestiçagem semelhante. O Brasil é o país de maior população branca do mundo tropical.
Os negros, trazidos para o Brasil como escravos, do século XVI até 1850, destinados à lavoura canavieira, à mineração e à lavoura cafeeira, pertenciam a dois grandes grupos: os sudaneses e os bantos. Os primeiros, geralmente altos e de cultura mais elaborada, foram sobretudo para a Bahia. Os bantos, originários de Angola e Moçambique, predominaram na zona da mata nordestina, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Os indígenas brasileiros pertencem aos grupos chamados paleoameríndios, que provavelmente migraram em primeiro lugar para o Novo Mundo. Estavam no estádio cultural neolítico (pedra polida). Agrupam-se em quatro troncos lingüísticos principais: o tupi ou tupi-guarani, o jê ou tapuia, o caraíba ou karib e o aruaque ou nu-aruaque. Há além disso pequenos grupos lingüísticos, dispersos entre esses maiores, como os pano, tucano, bororo e nhambiquara. Atualmente os índios acham-se reduzidos a uma população de algumas dezenas de milhares, instalados sobretudo nas reservas indígenas da Amazônia, Centro-Oeste e Nordeste.
A esses três elementos fundamentais vieram inicialmente acrescentar-se os mestiços, surgidos do cruzamento dos três tipos étnicos anteriores, e cujo número observou tendência sempre crescente. Ocupam portanto lugar de grande destaque na composição étnica da população brasileira, representados pelos caboclos (descendentes de brancos e ameríndios), mulatos (de brancos e negros) e cafuzos (de negros e ameríndios).
O Brasil é o sexto país do mundo em população. Embora não seja densamente povoado, sua enorme extensão territorial faz com que cerca da metade da população da América do Sul seja brasileira. Em pouco mais de um século -- entre 1872 e 1990 -- a população brasileira viu-se multiplicada quase por quinze. Entre 1900 e final do século XX, aumentou também a participação da população brasileira no quadro mundial -- de 1,1% para 2,8% -- e na América Latina -- de 27,6% para 35%.
A distribuição de habitantes é muito desigual: quase 58% da população vive nas regiões Sudeste e Sul, que correspondem a 18% do território, enquanto a região Norte, que compreende 45% do território, tem apenas 5,9% da população. Além disso, há grandes concentrações urbanas, como São Paulo SP, Rio de Janeiro RJ, Belo Horizonte MG e Recife PE; e áreas escassamente ocupadas no interior, principalmente na Amazônia e no Centro-Oeste. A tendência migratória do campo para a cidade acarretou um inchamento do meio urbano, com grandes contingentes de população marginal. Corresponde a uma estrutura agrária de grandes propriedades e à adoção de um modelo econômico concentrador de capital e voltado para a exportação, com altos índices de mecanização da lavoura e pecuária. A inexistência de uma política cooperativa eficiente e a própria distribuição fundiária impedem a proliferação da pequena propriedade e, portanto, a fixação das populações rurais.
A elevada taxa de natalidade e a progressiva redução da mortalidade transformaram o Brasil em um país jovem e de crescimento demográfico acelerado. Esse aumento da população ocorre em taxas mais elevadas nas regiões mais pobres. Por volta do final do século XX, cerca da metade da população tinha menos de vinte anos. Tal característica constitui a curto prazo um inconveniente para o desenvolvimento econômico, uma vez que a elevada proporção de crianças e jovens acarreta uma maior carga para a população ativa e para o estado e impõe a necessidade de manter um alto nível de crescimento, a fim de gerar empregos que permitam a incorporação desses novos efetivos à estrutura produtiva.
É característica a grande mobilidade da população brasileira, o que tende a modificar sua distribuição. Na segunda metade do século XX, registrou-se um avanço em direção ao oeste dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e para o sul de Mato Grosso e Goiás. A criação de Brasília e a construção de rodovias no interior do país atraíram contingentes numerosos, mas os principais fluxos migratórios, tanto do interior quanto do exterior do país, dirigiram-se para a região Sul e para o estado de São Paulo. As cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília atraem imigrantes de todo o país; as demais recebem sobretudo a população rural das regiões vizinhas, onde são obrigados a viver em condições precárias dada a pouca oferta de emprego.
A capital econômica do Brasil é São Paulo, maior parque industrial da América Latina. Sua influência se estende por todo o Brasil e seu mercado exerce atração até sobre as regiões ocidentais do Paraguai e Bolívia. O Rio de Janeiro, com sua área metropolitana, constitui o segundo pólo industrial do país, mas tem maior importância cultural e turística. As outras cidades mais populosas são Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza e Belém. (Para dados demográficos, ver DATAPÉDIA.)
Economia
Agricultura, pecuária e pesca. Há uma enorme desproporção entre as áreas cultiváveis do Brasil -- cerca de oitenta por cento da superfície -- e o volume produzido e exportado. Como a agricultura e a pecuária brasileira são, de maneira geral, de tecnologia ainda incipiente, os aumentos registrados na produção agrícola se devem mais a uma ampliação da superfície cultivada do que a ganhos na produtividade. O emprego de fertilizantes, sementes selecionadas e maquinaria agrícola é ainda muito pequeno em proporção às necessidades e potencialidades do país.
Um dos entraves à produção de alimentos para o mercado interno é a monocultura -- cana-de-açúcar, soja, cacau e café, principalmente. Essas culturas, junto com o algodão, arroz, milho, feijão, banana e laranja, são as mais importantes, e permitem chegar próximo à auto-suficiência em produtos básicos. Além disso, há uma rede deficiente de armazenagem e distribuição. A excessiva dependência ao transporte rodoviário acrescenta custos adicionais aos produtos até sua chegada ao mercado.
O rebanho bovino brasileiro é um dos maiores do mundo e concentra-se em duas grandes áreas pastoris. A mais importante é formada pelo oeste de Minas Gerais e São Paulo, o sul de Goiás e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Corresponde à metade do rebanho, com predomínio absoluto do gado zebu. No Sudeste, predomina o gado leiteiro, geralmente mestiço de holandês e zebu, criado na zona da mata e sul de Minas Gerais, nas zonas Mojiana e Paulista, no estado de São Paulo, e no curso médio do Paraíba do Sul, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O gado de corte sulino é criado principalmente na Campanha gaúcha, onde prevalece a raça hereford. Concentra-se também nessa região o rebanho ovino. Minas Gerais, São Paulo e Goiás têm as maiores criações de suínos. Minas Gerais e Rio Grande do Sul apresentam os maiores rebanhos eqüinos. Caprinos, muares e asininos adaptam-se melhor às condições semi-áridas da Bahia.
A pesca no Brasil ainda sofre de relativo atraso técnico. A maior produção pesqueira é a dos estados da costa sulina. No Nordeste, desenvolveu-se a pesca em bases industriais, sobretudo de lagosta e camarão, destinada à exportação para os mercados do Sudeste e Sul e do exterior. Mas a longa extensão de costas e os inúmeros rios que compõem a rede fluvial brasileira, além de lagoas e lagos, permitem ao Brasil ocupar o primeiro lugar na produção de pescado na América Latina, em torno de um milhão de toneladas anuais.
Energia. Como país de clima tropical temperado, o Brasil apresenta certas particularidades na disponibilidade e utilização de seus recursos energéticos. O crescimento econômico acarreta sucessivos aumentos da demanda de energia, a taxas correspondentes. A orientação geral da política energética brasileira, desde a crise mundial de petróleo ocorrida na década de 1970, é a de buscar diminuir a importação de petróleo, utilizando outras fontes disponíveis no país -- petróleo, energia hidrelétrica, gás natural, carvão mineral e álcool carburante. Nesse sentido, ao final do século XX o Brasil conseguia suprir quase a metade de suas necessidades de petróleo, percentagem que tende a crescer com a confirmação das reservas provadas da bacia do litoral fluminense.
A pesquisa, lavra, refino, importação e exportação de petróleo são realizadas pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), empresa controlada pelo estado; as atividades de energia elétrica são coordenadas pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás). Os demais segmentos energéticos e a distribuição de derivados de petróleo são abertos à iniciativa particular. A produção offshore de petróleo angariou para o Brasil uma posição de vanguarda nessa tecnologia -- a Petrobrás é uma das poucas empresas no mundo capaz de produzir em lâminas d'água de até mil metros de profundidade.
Mais de noventa por cento da produção brasileira de energia elétrica é de origem hidráulica. O setor hidrelétrico contribui com mais de trinta por cento no total da energia primária. O maior projeto brasileiro nessa área é a usina de Itaipu, empresa estatal binacional do Brasil e Paraguai, com capacidade total prevista de 12.600mw. A principal fonte alternativa de energia para o combustível automotivo é o álcool carburante, produzido desde a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1975. No final do século XX o consumo brasileiro de álcool correspondia aproximadamente ao de gasolina. Paralelamente o Brasil tratou de criar usinas de energia nuclear para fins civis, sobretudo tendo em vista as reservas estimadas de urânio, da ordem de 200.000 toneladas. A energia é produzida e fornecida aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro pela usina de Angra dos Reis RJ, com capacidade nominal de 657MW. O país possui também grandes reservas de carvão mineral, mas de baixa qualidade, e produz carvão vegetal, destinado sobretudo à siderurgia.
Mineração. O subsolo brasileiro é extremamente rico. Nos antigos maciços cristalinos há abundância de ouro, pedras preciosas e diversos metais. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de diamante e cristal de quartzo para uso industrial. Os minérios de maior relevância econômica são os de ferro, extraído sobretudo do chamado quadrilátero ferrífero, em Minas Gerais, e de Carajás, no Pará; e o manganês, extraído no Amapá. O país conta ainda com a terça parte das reservas mundiais conhecidas de tório e dispõe de consideráveis reservas de fosfatos, cal, bauxita, granito, argila, magnésio, cristal de rocha, níquel e estanho.
Indústria. Alguns indicadores ligados à indústria de transformação mostram que o setor industrial brasileiro no final do século XX apresentava tendência para aumento na participação da renda interna. O país ocupa o sétimo lugar entre os produtores de aço; a produção de alumínio, graças à disponibilidade de energia elétrica e às grandes reservas de bauxita, coloca o Brasil como sexto produtor mundial; o setor petroquímico apresentava na década de 1990 um parque diversificado, com três pólos já implantados e mais um em implantação, que exportam eteno e etileno para o mercado mundial.
O setor industrial brasileiro mostra também com nitidez os graves desequilíbrios regionais do país. O estado de São Paulo responde por cerca de quatro quintos da produção industrial, principalmente nos setores têxtil, de alimentos, metalúrgico, químico e automobilístico. Na década de 1960, os prognósticos para a industrialização brasileira eram muito otimistas: acreditava-se num processo permanente de modernização, expansão do parque industrial e substituição das importações. No entanto, o endividamento externo, a deterioração das relações de troca e o estrangulamento da capacidade de importar bloquearam a expansão industrial. A estagnação econômica coincidiu com a instalação de um estado autoritário, que contribuiu, no plano social, para agravar a desigualdade de renda pessoal e aumentar os desequilíbrios regionais. O sistema econômico foi redirecionado para investir prioritariamente em obras de infra-estrutura, em detrimento das áreas tradicionais de ação governamental. O processo de modernização, embora jamais tenha deixado de atuar, evoluiu através de outras vias e métodos não previstos.
A importação de capital e de tecnologia incorporada foi o caminho que a industrialização brasileira percorreu nas quatro últimas décadas do século XX, processo que levou à implantação de bolsões modernos na estrutura produtiva tradicional, com a conseqüente alteração dos padrões de produção e consumo, nos métodos de organização e gerência, na automação e na economia de escalas. A história industrial de São Paulo e do Rio de Janeiro, nesse período, assenta-se num processo de difusão de know-how importado, inicialmente na indústria de bens duráveis de consumo e depois em outros segmentos industriais, com reflexos evidentes e marcantes no setor terciário, quer na reorientação das técnicas de distribuição e comercialização, quer na sofisticação dos processos administrativos com a participação da informática.
A concentração da atividade industrial no eixo Rio-São Paulo começou a diminuir na década de 1970, com a difusão para outros centros urbanos -- cidades nordestinas, Manaus, Belém, Belo Horizonte e cidades do Sul -- dos métodos fabris de produção, da organização do trabalho, dos métodos de gerência e dos padrões de consumo. Ao mesmo tempo, ampliou-se extraordinariamente o alcance da industrialização, que envolveu os setores de infra-estrutura (energia, transportes e comunicações), de insumos básicos (aço, petroquímicos, alumínio, cobre, cimento, celulose, fertilizantes), de bens de capital e de setores de tecnologia de ponta, como a indústria aeronáutica, de armas, informática e nuclear. Entretanto, os níveis de produtividade foram baixos, em face da política protecionista, que isolou a indústria brasileira da concorrência internacional e inibiu as exportações.
Na passagem para o século XXI, o Brasil atravessava sua primeira crise industrial-urbana, no momento em que o processo de modernização e a melhoria da qualidade de vida atingiu apenas setores isolados da economia e da sociedade. A inflação acompanhada da estagnação econômica produziu uma sensação geral de frustração na sociedade, pela ameaça de exclusão do mercado de trabalho e das perspectivas de ascensão social. Malgrado o desenvolvimento de alguns setores, ficaram evidentes as disparidades entre uma economia e uma sociedade já detentoras de altos níveis de complexidade e um estado institucionalmente atrasado, dispendioso e lento.
Finanças e comércio. O sistema financeiro nacional compreende o Banco Central e as demais instituições financeiras públicas e privadas. A estrutura básica do sistema financeiro acompanha os padrões dos países desenvolvidos de economia de mercado. A estrutura do sistema compreende os bancos comerciais privados e estatais, nacionais e estrangeiros, as sociedades de crédito imobiliário nacionais, privadas ou estatais, os bancos múltiplos e as corretoras e distribuidoras de títulos e valores. As principais bolsas de valores estão localizadas no Rio de Janeiro e São Paulo.
O governo brasileiro, em uma longa série histórica, é o responsável pelo suprimento de crédito de longo prazo necessário à realização de investimentos no setor industrial e na infra-estrutura básica, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras instituições. A principal fonte de financiamento, ao longo desse período, foi a mobilização da poupança nacional e a captação de recursos externos. No entanto, o processo inflacionário, que se agravou na década de l980, agravou as distorções do sistema financeiro privado, que privilegiou o financiamento do capital a curto prazo. Na área cambial, as instituições financeiras pertencentes ao sistema bancário tiveram permissão para realizar operações com divisas, desde que previamente autorizadas pelo Banco Central.
A estrutura do sistema financeiro brasileiro foi montada a partir da reforma financeira de 1964, que ampliou consideravelmente o sistema de intermediação do país, até então adstrito aos bancos comerciais. Tratou-se de dotar o país de uma estrutura moderna e eficiente de intermediação financeira, capaz de viabilizar principalmente os segmentos de médio e longo prazo do mercado. A criação da correção monetária foi um instrumento de grande importância nesse particular, pois permitiu que os contratos financeiros se fizessem em termos reais.
Essa estrutura tem no topo o Conselho Monetário Nacional (CMN), cujas funções normativas estendem-se a todas as instituições financeiras. Além dessas funções normativas, o CMN estabelece as diretrizes e metas das políticas monetária, creditícia e financeira do país. O Banco Central e o Banco do Brasil são as autoridades monetárias que executam tais políticas. O Banco Central está prioritariamente voltado para a administração monetária e de balanço de pagamentos: controla o meio circulante, regula e controla as atividades do sistema financeiro, acompanha e fiscaliza o movimento de entrada e saída de capitais e as demais operações monetárias, de acordo com as diretrizes governamentais de política econômica. O Banco do Brasil está voltado para o crédito aos setores público e privado.
Os dois braços executivos do CMN que atuam como bancos de segunda linha, ou seja, por meio de uma rede de agentes espalhada pelo país, sob a forma de repasses, são o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Os principais agentes do BNDES são os bancos de desenvolvimento; a Caixa Econômica Federal herdou as atribuições do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) e atua juntamente com as sociedades imobiliárias e os bancos privados. O principal fundo de poupança compulsória que gera recursos para essas instituições é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966, sob a forma de uma contribuição incidente sobre a folha de salários das empresas. Outro fundo de igual teor, criado em 1971, é o Programa de Integração Social (PIS), formado por contribuições das empresas sobre seu faturamento. O decreto-lei nº 1940/82 criou o Fundo de Investimento Social (Finsocial). A lei complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, deu nova disciplina ao Finsocial e elevou em oito pontos percentuais a alíquota da contribuição social sobre o lucro das instituições financeiras, que assim passou de 15% para 23%.
Algumas distorções prejudicaram a atuação da estrutura financeira. Uma delas foi a aplicação generalizada da correção monetária, criada como expediente temporário para restaurar o mercado de capitais. Sua aplicação aos ativos de curto e curtíssimo prazo gerou uma situação inédita, em que os poupadores passaram a contar com ativos absolutamente líquidos, de retorno real garantido e praticamente sem risco. Tal distorção acarretou um deslocamento substancial dos ativos reais para os ativos financeiros e, conseqüentemente, uma hipertrofia financeira, fundada em última análise na crescente necessidade de financiamento governamental. As outras distorções ficam por conta do crescente endividamento público interno, inflação, indexação generalizada -- além da correção monetária foram criados diversos índices ao longo do tempo -- e as altas taxas de juros reais.
Transportes. Num país de dimensões continentais, os transportes e as comunicações estão entre as variáveis estratégicas do desenvolvimento que desempenham papel mais crítico, sobretudo se consideradas as condições de abastecimento rápido numa complexa e distanciada rede de mercados, as necessidades de troca rápida e segura de informações e os parâmetros de eficiência impostos pela exportação. No caso brasileiro, esse quadro se agrava pela existência de algumas distorções estruturais que se acumularam e se agravaram ao longo da segunda metade do século XX.
A mais séria dessas distorções é a opção por dar prioridade ao transporte rodoviário, seguramente o mais dispendioso e problemático de todos os meios de transporte. Aos custos permanentes e crescentes de manutenção e fiscalização das rodovias, somam-se os dos combustíveis e os relativos à ampliação e conservação das frotas. Isso em detrimento de transportes de custos de conservação e operação muito mais baratos, como o ferroviário e o aquaviário, este último facilitado pela extensa rede hidrográfica brasileira, sobretudo na região Norte, e pela facilidade do transporte marítimo de cabotagem, numa costa recortada por enseadas e golfos.
Essa distorção afeta tanto o transporte de cargas como o de passageiros e cria graves desequilíbrios: mais de noventa por cento dos passageiros transportados por quilômetro e cerca de sessenta por cento da tonelagem transportada por quilômetro no sistema viário brasileiro competem ao transporte rodoviário. O aquaviário responde por apenas 17% e o ferroviário por 23% da tonelagem total por quilômetro. Distorção semelhante afeta o transporte urbano de massa: apenas três cidades brasileiras possuem metrô -- Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília -- mesmo assim em condições muito limitadas em relação ao transporte rodoviário. O transporte aéreo, mais uma vez consideradas as distâncias continentais do país, tem papel estratégico e possui uma boa infra-estrutura de aeroportos e frotas.
O Ministério dos Transportes, órgão encarregado de formular as diretrizes gerais de transporte, atua por meio do Departamento Nacional de Transportes Rodoviários (DNTR), do Departamento Nacional de Transportes Ferroviários (DNTF), do Departamento Nacional de Transportes Aquaviários (DNTA) e do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Para o transporte de petróleo bruto e derivados, a Petrobrás opera a Frota Nacional de Petroleiros (Fronape); e para o transporte de minério de ferro, a Companhia Vale do Rio Doce mantém a Docenave.
Comunicações. A rede de comunicações brasileira foi uma das áreas que mais se beneficiaram com a política governamental de modernização e chegou ao final do século XX com níveis elevados de eficiência administrativa e tecnológica. Em 1998, o governo privatizou as empresas do Sistema Telebrás, que dominavam o setor de telecomunicações, e abriu a telefonia fixa aos investidores privados. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) continuou sob controle do estado.
As comunicações domésticas via satélite e a rede nacional de telex ligam as mais distantes regiões do país entre si e com o exterior. A telemetria também é um setor avançado, graças ao crescimento da capacidade de computação, processamento e transmissão de dados. O Centro Internacional de Comunicação de Dados oferece os serviços de Interdata, que permitem aos usuários ter acesso a bancos de dados locais e terminais de informação no exterior.
No campo da comunicação de massa, o Brasil conta com jornais diários de padrão internacional nos principais centros, dispõe de emissoras de rádio em AM e FM em todas as cidades com alguma importância econômica e de uma rede de televisão de alto nível. Desde a década de 1970 a TV brasileira opera em rede nacional. As emissoras de rádio e televisão constituem uma concessão do poder público, e em sua quase totalidade pertencem a grupos privados. O governo federal dispõe de um serviço de televisão educativa em rede nacional e todas as emissoras de rádio do país transmitem obrigatoriamente todos os dias o programa "Hora do Brasil", com notícias do poder executivo e legislativo federal.
Turismo. O desenvolvimento do turismo no Brasil sempre enfrentou alguns obstáculos de natureza estrutural e conjuntural. Entre os principais, estão a grande distância que separa o país dos principais mercados consumidores: Estados Unidos, Europa e Japão; a falta de profissionalismo nas instalações e serviços prestados ao turista; a pouca disponibilidade de atrações capazes de atender os desejos e necessidades do mercado exterior; a precariedade dos transportes domésticos, necessários para vencer as imensas distâncias que separam cada uma das áreas de interesse turístico; a falta de segurança e a poluição. Numa atividade extremamente competitiva como o turismo, esses entraves, somados à ausência de formação profissional e de mentalidade voltada para o turista constituem uma desvantagem que se mantém há muitas décadas.
Até a década de 1970, o turismo no Brasil restringia-se praticamente ao Rio de Janeiro e Salvador, que se apoiavam nas belezas naturais e no exotismo. Os demais centros turísticos brasileiros, como as cidades históricas mineiras (Ouro Preto, Congonhas, Mariana, Tiradentes e São João del Rei) ou as estações de água (Caxambu, Lindóia etc.) atraíam apenas o turismo interno. A consciência da necessidade de incentivar e disciplinar o turismo levou à criação da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), responsável pelos critérios de classificação da rede hoteleira e pela promoção do turismo brasileiro no exterior. Em nível estadual, o turismo é coordenado pelos órgãos estaduais e municipais.
As festas tradicionais brasileiras de maior atração são o carnaval, com o desfile das escolas de samba, no Rio de Janeiro RJ, e o carnaval de rua em Salvador BA, Recife e Olinda PE; o São João, na segunda quinzena de junho, no Nordeste, com danças e comidas típicas; as festas locais, como a da uva, em Caxias do Sul RS; a Oktoberfest, festa da cerveja, em Blumenau SC; o festival de cinema de Gramado RS; festa das flores, em Joinville SC; exposição agropecuária, em Goiânia GO; folia do Divino, em Pirenópolis GO; e a procissão do Círio de Nazaré, em Belém PA. Todos os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico brasileiros são, pela constituição, patrimônio cultural e estão protegidos pela lei.
Parques nacionais. Embora correspondam a menos de dois por cento do território brasileiro, os parques nacionais e as reservas biológicas são de grande interesse não apenas ecológico e científico, mas também turístico, por representarem uma amostragem completa e curiosa dos diversos ecossistemas do país. Os parques nacionais brasileiros totalizam uma área superior a 11 milhões de hectares. (Para dados econômicos, ver DATAPÉDIA.)
História
A história do Brasil começa pelo descobrimento, episódio que é conseqüência da expansão européia, sobretudo portuguesa, na conquista do "mar tenebroso" e na superação do Atlântico como barreira geográfica. Essa conquista, que distanciou subitamente os portugueses dos restantes povos europeus, constituiu um movimento inteiramente novo, que mudou a fisionomia do mundo. Mas no que concerne especificamente à descoberta do Brasil, há controvérsias: teria sido fruto do acaso ou houve uma intencionalidade velada dos portugueses? Teriam sido os navegadores lusitanos os primeiros a chegar à nova terra, ou houve precursores de Cabral na rota do Atlântico brasileiro? Seja como for, ao iniciar-se o século XVI, Portugal inaugura a principal via marítima de passagem, a rota atlântica para as especiarias asiáticas, ao mesmo tempo em que minguava a tradicional função histórica do Mediterrâneo. Marco primordial do universalismo renascentista, a descoberta do Brasil inicia a expansão colonial e comercial européia na época moderna.
Período colonial
A história do Brasil, nos três primeiros séculos a partir do descobrimento, é parte preponderante da história da expansão colonial e comercial européia. O Brasil, nos quadros do sistema colonial então vigente, representa tanto uma meta da expansão da economia mercantil européia quanto um instrumento de poder da metrópole portuguesa. Portugal, como os demais antigos reinos medievais europeus -- Espanha, Países Baixos, França e Inglaterra -- buscava organizar-se em estado moderno, unificado e centralizado, e como eles lançava-se à construção do seu império colonial.
Administração colonial. As práticas coloniais no Brasil estavam subordinadas a repartições que integravam o aparelho de estado português: o Conselho de Estado superintendia as decisões de maior relevância, até mesmo as de âmbito colonial; destacava-se nele o secretário de Estado, do qual a figura mais notória foi o marquês de Pombal no reinado de D. José I, na segunda metade do século XVIII; os assuntos militares cabiam ao Conselho de Guerra, enquanto o desembargo do Paço e a Casa da Suplicação encabeçavam as práticas judiciárias; o Conselho da Fazenda e a Casa da Índia tinham a seu cargo as finanças e o comércio, e a Mesa da Consciência e Ordens intervinha nos assuntos eclesiásticos, das ordens religiosas-militares e de ensino. Em face da união da igreja e do estado, neste se incluía o Tribunal da Inquisição, cuja importância pode ser medida pela relevância do pensamento religioso como ideologia que legitimava a autoridade do soberano. O Conselho Ultramarino tinha funções diretamente articuladas à política colonial e substituiu, depois da Restauração de 1640, o Conselho da Índia e Conquistas Ultramarinas, instalado na União Ibérica (1580-1640).
Embora não houvesse uma legislação específica para o Brasil, numerosas decisões setoriais indicam a especificidade dos problemas brasileiros, como os regimentos e recomendações enviados aos governadores-gerais e vice-reis, as disposições legais sobre os indígenas, a ação catequética e as atividades econômicas, notadamente as de monopólio real, como o comércio de pau-brasil. Até a transferência do governo português para o Brasil, em 1808, as decisões principais provinham de Lisboa. As vilas e cidades eram administradas por câmaras municipais eletivas, intituladas Câmara de Vereadores ou, excepcionalmente, Senado da Câmara. Compunham-se de dois juízes ordinários, três vereadores e oficiais da Câmara. A partir de 1796, como sintoma de maior centralização absolutista, as câmaras passaram a ser presididas pelos juízes-de-fora, nomeados pelo rei. O voto e a vereança cabiam exclusivamente aos "homens bons", representantes da classe proprietária.
O critério seletivo excluía até mesmo os comerciantes, que só tiveram acesso à administração municipal a partir do século XVIII. A prática das câmaras expressava assim os interesses dos proprietários, e servia-lhes como elemento legal de protesto contra as decisões metropolitanas. O aumento da centralização administrativa diminuiu esse poder contestatório. Até o século XVIII coexistiram duas práticas administrativas sob controle estatal: as capitanias hereditárias e as capitanias reais. Nas primeiras, o donatário exercia funções vitalícias e transmissíveis por herança, fixadas nas "cartas de doação" e nos "forais"; nas capitanias reais, o capitão-mor governava pelo período que conviesse ao rei. Essa unidade administrativa iniciou-se com a criação do governo-geral em 1548. A centralização administrativa empreendida pelo marquês de Pombal extinguiu o regime das capitanias hereditárias, que passaram a ser reais.
O governo-geral foi instituído para dar maior eficácia ao sistema colonial. Regimentos reais especificavam as atribuições do governador-geral e de seus principais auxiliares, o ouvidor-mor e o provedor-mor. Em 1640, Filipe IV nomeou Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, como primeiro vice-rei do estado do Brasil. Somente quando a capital foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, a dignidade do vice-rei deixou de ser honorífica e pessoal para se tornar uma clara função administrativa.
Os governadores-gerais exerceram autoridade sobre todo o estado do Brasil até 1573, quando D. Sebastião o dividiu em repartição do norte e do sul, com capitais em Salvador e Rio de Janeiro respectivamente. O objetivo era a melhor defesa do litoral contra as investidas dos franceses em Cabo Frio e no Nordeste. Em 1578 restabeleceu-se a unidade, novamente rompida em 1608, por outra divisão semelhante, determinada pela exploração do ouro em São Vicente.
De 1612 a 1615 os franceses ocuparam a ilha do Maranhão, e comerciantes holandeses e ingleses incursionaram pela embocadura do Amazonas. Em vista desses riscos, em 1621, Filipe III separou o estado do Maranhão, unidade administrativa que englobava a área compreendida entre o Ceará e o Peru atuais. Essa criação foi determinada pelo isolamento do extremo norte, cujas comunicações terrestres ou marítimas com o estado do Brasil eram precárias. Em 1737 o Maranhão passou a intitular-se estado do Grão-Pará e Maranhão, e a capital transferiu-se de São Luís para Belém. O descobrimento de salinas e a expansão pecuarista articularam o extremo norte com o resto do Brasil, por meio do Piauí e do Maranhão. Na ocasião planejava-se o desenvolvimento da Amazônia pela atividade agrícola exportadora baseada no regime da grande propriedade escravista. Tais elementos determinaram, em 1774, a extinção do estado do Grão-Pará e Maranhão, que passou a integrar o estado do Brasil, sob a autoridade dos vice-reis no Rio de Janeiro.
Política mercantilista. A colonização do Brasil representou o elemento mais importante para o processo de fortalecimento de Portugal como estado moderno, capaz de superar as limitações ao desenvolvimento da economia capitalista européia. A política colonial portuguesa integrava-se assim no esquema mais amplo de política econômica que orientou a ação estatal nos primórdios da época moderna: a política mercantilista. Era o coroamento de uma luta de muitos séculos, ora pela independência do reino em relação aos senhores feudais, ora na guerra de reconquista contra o invasor muçulmano, e que afirmou a supremacia do rei sobre a nobreza territorial e aniquilou o esboço da monarquia agrária em favor do estilo patrimonial.
O capitalismo monárquico e comercial afirmou-se em torno da casa real. O comércio que se expandiu a partir das navegações costeiras medievais, e projetou-se na idade moderna para a África, a Ásia e a América, fez do tesouro régio o centro dos cuidados políticos. Para servir a essa realidade, nova e singular no contexto europeu, articulou-se um quadro administrativo dependente do soberano e alimentado pelos lucros e aventuras mercantis.
O primeiro cuidado de Portugal foi resguardar a área do seu império colonial. Mas essa empresa, por demais dispendiosa, necessitava de uma fonte de recursos que a financiasse. Essa fonte residiu no monopólio do comércio colonial. Assim, a expansão mercantil e a formação do moderno estado português foram processos articulados. O estado centralizado, único capaz de mobilizar recursos em escala nacional, era o pré-requisito à expansão ultramarina; ao mesmo tempo, os mecanismos de exploração comercial e colonial do ultramar fortaleceram o estado colonizador.
O monopólio do pau-brasil se inseriu no sistema mercantil da coroa: o concessionário habilitava-se à exploração comercial e em contrapartida defendia a terra contra a cobiça de franceses e espanhóis. A insuficiência de recursos dos arrendatários e a exacerbação das incursões européias passaram a exigir um maior policiamento da costa pelas frotas portuguesas. Essa preocupação levou à mudança do esquema comercial, com o estabelecimento do sistema das donatarias.
A primeira instituição comercial e administrativa da colônia foi a feitoria. Tratava-se na prática de instalações muito primitivas, cercadas de pau-a-pique, que serviam de mediadoras no comércio com os índios, que forneciam o pau-brasil e outros bens e recebiam em troca tecidos, artefatos e quinquilharias, no regime de escambo. No entanto, o sistema de feitoria começou a ser desafiado pelo estrangeiro, com o aliciamento do indígena pelo concorrente francês. Para mantê-lo seria necessário proteger a costa com um cinto de fortalezas, empresa por demais onerosa. Tentou-se resolver o impasse pela combinação da armada guarda-costas com a expedição colonizadora, sob as ordens de Martim Afonso de Sousa. O objetivo era promover a limpeza da costa e fundar núcleos de moradores permanentes. No entanto, o plano mostrou-se precário em vista da imensidade do território. Era necessário ajustar o sistema das feitorias às novas necessidades, o que levou ao regime das capitanias hereditárias, modelo já aprovado nas possessões insulares do Atlântico.
Capitanias hereditárias. A coroa portuguesa necessitava de encontrar um modelo de produção colonial que se ajustasse às necessidades da procura européia. Como não foi possível, logo no início, dedicar-se prioritariamente à mineração de metais nobres, a colonização teve de optar pela especialização em produtos agrícolas tropicais. Desses, o que avulta em primeiro lugar é o açúcar, cujo mercado aumentava a olhos vistos. Portugal já detinha know-how suficiente para empreender um projeto de larga escala dessa cultura, tanto no nível da produção, experimentada com êxito nas ilhas atlânticas portuguesas, como no de sua comercialização nas praças flamengas, em que vigoravam as mais adiantadas técnicas de comércio da época.
A cultura da cana e o fabrico do açúcar apresentaram-se assim como a solução ideal, porque ao mesmo tempo que se ajustavam perfeitamente às regiões quentes e úmidas da colônia, integravam-na na linha do comércio europeu, valorizavam economicamente as terras e promoviam seu povoamento e ocupação efetiva, e facilitavam por conseguinte sua defesa. Como o governo português não podia sozinho dar cabo de tarefa tão ampla, era preciso interessar a iniciativa privada, dona do capital necessário aos investimentos. Para isso, cumpria organizar a produção de tal forma que o empresário metropolitano pudesse dela obter alta margem de lucro.
Tais premissas levaram ao modelo das capitanias hereditárias, que funcionavam como contratos de risco: de um lado, o governo português cedia as terras e garantia o necessário ordenamento jurídico capaz de conferir ao donatário uma soma de poderes e prerrogativas bastante atraente; por outro lado, o donatário obrigava-se a remeter à coroa o numerário relativo aos impostos e obedecer fielmente às determinações reais. Mas faltava ainda resolver um problema: caso a produção açucareira adotasse a tendência européia para o trabalho assalariado livre, mais produtivo e rentável na economia de mercado, decerto os trabalhadores, dada a abundância de terras, acabariam por se estabelecer por conta própria e desenvolver atividades de subsistência, desvinculadas do centro metropolitano, opção totalmente contrária aos interesses monopolistas da metrópole.
É em função dessas premissas que em pleno nascimento do mundo moderno, o sistema colonial invoca o renascimento do sistema escravista. Por mais escandalosa que fosse a contradição entre a consciência cristã e a escravidão, de índios ou de negros, essa foi a solução pragmaticamente adotada pelos colonizadores. A resistência guerreira dos indígenas e a oposição dos jesuítas é que ensejaram o tráfico negreiro, e abriram assim mais um importante setor comercial. A escravidão e o tráfico de escravos da África passaram assim a funcionar como eixo em torno do qual se estruturava a produção das capitanias hereditárias, estabelecidas em benefício exclusivo da metrópole, para a exportação de gêneros de que ela necessitava para si e para comerciar com outros países. Fora disso, apenas a produção de gêneros estritamente necessários à subsistência da população e que não pudessem ser importados da metrópole.
As capitanias não representaram, pois, uma regressão política ao sistema feudal. Na realidade, conforme definido pelas cartas de doação e os forais, as capitanias constituíram circunscrições territoriais públicas, com delegação de poderes, sem que a realeza abdicasse de quaisquer prerrogativas. O donatário não tinha, portanto, o senhorio de um feudo, com propriedade plena da terra, mas sim uma província que administrava por conta do rei. E quando as capitanias prosperaram e iniciou-se um tumulto privatista e uma certa dispersão da autoridade, um corretivo logo se impôs: a instituição do governo-geral.
Governo-geral. O Regimento de 1548, documento que consubstancia as instruções de D. João III ao primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, não deixa margem a dúvidas quanto ao verdadeiro sentido do governo-geral e do regime das capitanias. Ao transferir atribuições de governo, o regimento não excluía o poder do soberano, mas apenas definia o alcance de seu predomínio sobre os delegados. Os capitães e governadores deviam obedecer ao governador-geral, sem embargo dos privilégios de que gozavam as doações, só irrevogáveis os direitos patrimoniais e reformável, a todo o tempo, o círculo da delegação pública.
O governo-geral constituiu um esquema básico para todo o período colonial, mesmo quando o vice-reino ocupou seu lugar. Sob a ascendência do governador-geral, chefe militar por excelência, estruturou-se a organização da fazenda e da justiça, com a superintendência, respectivamente, do provedor-mor e do ouvidor-mor, cujos poderes se definiam em regimentos próprios. Sempre que a matéria fosse relevante e a competência omissa, o governador presidia a junta-geral, órgão colegiado que iria abrandar, com o tempo, o despotismo do mais importante e direto agente real.
É claro que todo esse poder era muitas vezes apenas nominal. As grandes distâncias e a dificuldade de comunicações impediam que a rede oficial cobrisse todos os espaços, e assim formaram-se quistos de potentados locais. O governo-geral instituiu um predomínio, mas não a exclusividade. O quadro do comando oficial partia verticalmente do rei para o governador-geral e deste expandia-se aos governadores (capitães-generais e capitães-mores) e se espraiava nos municípios. Em sua aparente clareza, o esquema não dissimulava a complexa, difusa e tumultuária realidade, agravada pela ausência da teoria da separação de poderes e atribuições.
Mas mesmo o rei, do alto da cúpula administrativa, não governava de modo absoluto, só e arbitrariamente. Havia a sua volta uma armadura ministerial, tão velha quanto a monarquia, e o controle colegiado, que limitava o poder monocrático. A ascendência do soberano, mitigada pelas cortes, que se reuniam periodicamente, sofria a participação da aristocracia, dependente dos ingressos públicos e não da propriedade territorial. A partir de 1643, um órgão deliberativo e de assessoramento, o Conselho Ultramarino, ocupou-se dos negócios do Brasil, das colônias e das conquistas. Os assuntos da justiça permaneceram ainda entregues à estrutura própria, com os tribunais superiores no reino e as relações locais. A matéria eclesiástica continuou confiada à Mesa de Consciência e Ordens, a quem competia as decisões nas causas espirituais.
O vínculo de subordinação entre o reino e a colônia, filtrado pelo Conselho Ultramarino, não se fixava entre o soberano e o governador-geral -- e mais tarde o vice-rei. As capitanias muitas vezes se entendiam diretamente com o rei, em clara subversão ao princípio do governo-geral. Os privilégios inerentes ao cargo público, de acordo com o sistema de estamentos então vigente, não permitia que a autoridade superior se substituísse à inferior, com absorção total de suas atribuições. Daí ocorrerem freqüentes conflitos entre os funcionários, resolvidos pelo Conselho Ultramarino, nos quais cada parte procurava aliciar o apadrinhamento de poderosos.
O Regimento de 1677, conjunto de normas administrativas que passou a regular as atividades dos governadores-gerais no Brasil, em substituição ao Regimento de 1548 trazido por Tomé de Sousa, diante das constantes desavenças entre o governo-geral e as capitanias, determinou entre outras coisas a subordinação dos capitães-generais de Pernambuco e do Rio de Janeiro ao governador-geral, sem, entretanto, alcançar grandes êxitos.
O último elo na cadeia de poder era o município, na administração colonial portuguesa um instrumento político para o povoamento, orientado por motivos fiscais, capaz de conservar a supremacia da autoridade real e de transformar a economia natural na economia de moeda, com os tributos convertidos em dinheiro. A organização do município precedeu à colonização e ao núcleo urbano, molde administrativo que abrigaria a futura sociedade. Assim, as populações já nascem sob as prescrições administrativas. Quando as cidades e vilas são estabelecidas, o capitão-mor regente é o próprio fundador, que já tem carta concedida pelo rei ou pelo governador, muitas vezes antes da própria fundação da vila. Em outros casos, quando já há um grande número de latifúndios espalhados em uma região, o governo cria as vilas, para reunir os moradores dispersos.
No interesse da própria expansão econômica, a coroa admitiu, até meados do século XVII, o crescimento espontâneo de comunidades locais, mas essa transigência não significava abandono da vigilância real e centralizadora. O próprio sistema eleitoral vigente não deve ser confundido com a representatividade exigida pela doutrina liberal emergente a partir do século XIX. A escolha dos chefes era promovida entre os "homens bons", e constituía uma seleção, mas não uma eleição. As câmaras, nada obstante fugazes momentos de autonomia, executavam ordens superiores, e em muitos casos os vereadores eram diretamente nomeados pelos capitães-gerais, para lhes cumprirem as determinações. A lei de organização municipal de 1828, ao assegurar a tutela do governo-geral e provincial sobre as câmaras, veio apenas reconhecer uma antiga realidade.
Justiça e fazenda. O quadro hierárquico se fecha com o rígido controle da justiça e da fazenda, fixado pela supremacia dos agentes reais sobre as autoridades locais. O ouvidor-mor, ou o ouvidor-geral, contemporâneo do governo-geral, submetia os juízes a sua alçada, fossem eles juízes de fora ou ordinários. A última instância era Lisboa, ou a Casa da Suplicação e o Desembargo do Paço, que dominavam a emperrada e distante justiça colonial. A fazenda articulava-se também numa engrenagem complicada, que partia da vila e chegava até o rei, e abarcava de forma sufocante todas as atividades econômicas. O Real Erário perdia-se num cipoal de repartições, desde a Junta da Fazenda, que funcionava ao lado do governo-geral, até os órgãos incumbidos da cobrança de tributos especiais, diretamente ligados a Lisboa.
Organização militar. Para assegurar o funcionamento de toda essa engrenagem administrativa, jurídica e fazendária, dispunha a coroa de um mecanismo: as forças militares. A elas cabia assegurar a paz interna e a defesa exterior, e integrar de fato os povoadores aos desígnios da coroa. A organização militar precedeu à descoberta, estruturou-se com a monarquia no curso dos séculos e fundiu-se com a história da colônia. A terra consolidou-se em mãos portuguesas por via da força armada, fosse pela ação militar violenta, quando era o caso, fosse pela integração no quadro das funções e das honras militares. Assim se formou o elo mais profundo, duradouro e estável da penetração ultramarina, que ligava a camada dominante de Portugal com a categoria ascendente dos senhores coloniais.
O Foral de 1534 e o Regimento de 1548 haviam fixado as primeiras linhas do sistema militar que imperou nas colônias: os moradores eram obrigados a servir militarmente, em tempo de guerra. Tomé de Sousa recebeu, pronto e articulado, um plano de defesa, baseado em forças profissionais. Ao aportar na Bahia, em 1549, trazia em sua frota de seis navios cerca de mil pessoas, entre soldados, funcionários e mestres-de-obras; e instruções claras no Regimento para, entre outras coisas, construir fortalezas, perseguir e destruir os corsários que infestavam a costa, castigar os tupinambás pela morte do donatário Francisco Pereira Coutinho e condenar à morte e ao confisco de bens os que salteavam e roubavam os gentios de paz. As providências militares de defesa incluíam ainda o incentivo à construção de bergantins -- embarcação a vela e remo, esguia e veloz -- e a determinação de que cada capitania e engenho dispusesse de armas de fogo, armas brancas e munições de guerra. Para a segurança e defesa das povoações e fortalezas, os capitães e senhores deveriam armar-se, e todo morador que tivesse no país casas, terras, águas ou navio, deveria dispor no mínimo de besta, espingarda, espada, lança ou chuço. Os que, no prazo de um ano, não satisfizessem tais exigências, teriam de pagar em dobro o valor das que faltassem.
A estrutura defensiva, formada pela fortaleza, guarnecida por tropas pagas e soldados recrutados entre a população civil, institucionalizou-se com soldados do serviço público e soldados territoriais. A profissionalização do soldado libertou o rei da dependência perante a nobreza, transformada em corporação burocrática, e ainda subordinou os soldados de reserva, as milícias e ordenanças, ao mesmo padrão vertical de obediência. No século XVII, as milícias funcionavam ao lado e sob a direção das tropas regulares, com a incumbência de devassar o interior, com o estímulo real e patentes outorgadas pela coroa, armadas e alimentadas pelos chefes. Serviam também para tornar efetivo e estável o comando nas capitanias. Em troca da cega obediência à autoridade, brancos e pardos recebiam patentes e honrarias. Foi graças ao domínio militar sobre a colônia que a metrópole pôde, no final do século XVII, após mais de um século e meio de dispersão da autoridade, retomar a centralização e converter os régulos brasileiros em instrumentos de obediência. As descentralizações foram obrigadas, a ferro e fogo, a retroceder; os senhores de terra e os senhores de engenho tiveram de abrir mão de sua antiga ascendência.
Papel da igreja. O missionário, sobretudo o jesuíta, teve o papel de infundir nos povoadores e indígenas da colônia os padrões de ética europeus. Lutou assim em duas frentes espirituais: a conversão do índio ao credo católico e a continência do branco diante do desregramento sexual e da escravidão. Há aí uma particularidade histórica: se o governo dobrou e absorveu a nobreza, jamais dominou o clero, ao qual conseguiu apenas impor limites. Em todo o período colonial houve entre eles uma relação mútua de desconfiança, que se prolongou durante o império e só terminou na república, quando se concretizou a separação entre o estado e a igreja.
As dificuldades de entrosamento resolviam-se diretamente entre o soberano e o papa, graças à tradição de fidelidade da monarquia à Santa Sé. Com a articulação financeira, a partir da incorporação da Ordem de Cristo à coroa, no governo de D. Manuel, o sustento do clero e de suas empresas passou a ser pago pelo governo, em quantias muitas vezes superiores às arrecadadas pelos dízimos. Entrosou-se assim o sistema de nomeação de autoridades eclesiásticas: o rei, na qualidade de chefe de estado, apresentava ao papa os bispos; e na qualidade de grão-mestre da Ordem de Cristo, indicava aos bispos os encarregados dos cabidos, paróquias e capelanias. Sob esse sistema e dentro dessas linhas, fixou-se a organização eclesiástica no Brasil.
O primeiro bispado foi o de Salvador, instituído em 1554, com jurisdição sobre toda a colônia. Em 1676 a diocese foi elevada a arquidiocese. Ao término do período colonial, o arcebispado compreendia os bispados do Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, Pará, Mariana e São Paulo e as prelazias de Goiás e Mato Grosso. A igreja exerceu durante todo esse período atribuições administrativas da mais alta relevância. Estavam a seu cargo o registro de todos os nascimentos, casamentos e óbitos, bem como a assistência social e a educação. É necessário ainda destacar o papel da catequese e da influência social dos religiosos sobre a vida dos indígenas.
Dentre todas as ordens religiosas -- franciscanos, capuchinhos, beneditinos, carmelitas, oratorianos -- o maior papel nas relações entre os colonos e os indígenas, entre os povoadores e a administração, coube aos jesuítas. Em seu apostolado de dois séculos -- de 1549 a 1759 -- essa foi sem dúvida a ordem que se mostrou mais irredutível aos interesses econômicos dos colonos e mais rebelde aos ditames do poder público. Enquanto as outras ordens transigiam com a moral cediça da colônia, os jesuítas mantiveram-se irredutíveis às tendências de dissolução da família e à cobiça escravista.
Economia colonial. A história econômica brasileira no período colonial pode ser dividida em ciclos, conforme o produto dominante em cada época. Assim, o ciclo inaugural é o do pau-brasil, único produto valioso e abundante que o colonizador encontrou nos primeiros momentos de posse das novas terras. A fórmula empregada por Portugal para tirar partido de tal riqueza foi a mesma de qualquer nação colonialista da época, a exploração econômica indireta: a terra foi arrendada a Fernão de Loronha, ou Noronha, por um período de três anos, que renovou-se por mais dois triênios. O arrendatário obrigava-se, por seus próprios meios, a promover a defesa da terra e a entregar à coroa portuguesa um quarto do total exportado.
O sistema apresentava, entretanto, alguns inconvenientes, seja porque a exploração extensiva e predatória exigia incursões cada vez maiores e mais onerosas, seja porque o contrabando realizado por espanhóis, e sobretudo por franceses, em escala gigantesca, obrigava à intervenção armada dos portugueses. Além disso, a exploração do pau-brasil não era tão simples como à primeira vista podia parecer. Havia necessidade de derrubar os troncos e livrá-los da casca grossa e cheia de espinhos, para só então embarcar as toras do pau-brasil propriamente dito. No início, os próprios índios encarregavam-se dessa tarefa, na base do escambo; depois houve necessidade de trazer escravos da África. De qualquer maneira, as incursões francesas e espanholas evidenciavam a necessidade de um sistema de ocupação mais efetivo da terra.
Ciclo do açúcar. Até o século XV, o açúcar era produzido em escala ínfima, apenas como componente de remédios vendidos pelas boticas. O adoçante adotado em toda a Europa era o mel. Mas tão logo sua produção aumentou e seu uso se difundiu, o mercado do açúcar teve uma expansão impressionante, sobretudo depois que os europeus se habituaram a bebidas como café, cacau e chá, tomadas geralmente com adoçante. Portugal experimentara com sucesso a cultura da cana-de-açúcar e a fabricação do produto em parte da ilha da Madeira, nos Açores, São Tomé e Canárias. A lavoura canavieira e a indústria açucareira mostravam-se assim como a solução ideal para a ocupação da terra e a geração de riqueza. A divisão da terra em capitanias e a subseqüente instituição do governo-geral foram a expressão político-administrativa dessa solução.
Um dos primeiros engenhos de açúcar foi estabelecido por Martim Afonso de Sousa, por volta de 1532, em São Vicente. Já nessa mesma década, porém, proliferavam outros engenhos, sobretudo nas capitanias de Itamaracá, Paraíba e Pernambuco. O açúcar foi o principal responsável pela vinda do escravo negro. E propiciou também o início de outras atividades que funcionaram como subciclos dentro do ciclo do açúcar: o fumo e a criação de gado. Dessa forma, Portugal manteve o domínio internacional do produto até o século XVIII, quando começou a enfrentar a concorrência da produção da América Central. Mas não foram somente econômicos os reflexos da lavoura canavieira: a economia dos engenhos gerou também um tipo de vida social caracterizado pela casa-grande, residência do senhor-de-engenho, que ocupava na escala social posição superior à dos outros proprietários rurais; e ao seu lado, a senzala, a habitação tosca dos escravos. A sociedade patriarcal assim instituída criou o tipo de civilização mais estável da América luso-espanhola, ponto inicial dos mais significativos na instituição da cultura moral, religiosa, científica, intelectual e artística.
Ciclo do ouro. No final do século XVII Portugal começou a receber os primeiros carregamentos de ouro do Brasil. Em 1703 o ouro brasileiro ultrapassou toda a produção anteriormente obtida na Mina e na Guiné; como riqueza colonial, vem em segundo lugar, logo abaixo do açúcar. Mas a descoberta das jazidas de ouro nas Minas Gerais trouxe também problemas para a ocupação da terra, pois deslocou massas da população que habitavam a costa de São Paulo, Bahia e Pernambuco. Toda sorte de gente, brancos, pardos, negros e índios, homens e mulheres, velhos e moços, pobres e ricos, plebeus e fidalgos, leigos e religiosos, acorriam em busca da riqueza súbita e fácil. Muitas fazendas de gado e engenhos de açúcar tiveram de parar suas atividades por falta de braços, a tal ponto que a metrópole teve de intervir para evitar o despovoamento.
Ciclo do café. Na primeira metade do século XVIII começou a cultura do café, trazido de Caiena, na Guiana Francesa, pelo militar e sertanista Francisco de Melo Palheta, que iniciou uma plantação em Belém. De lá, muitas mudas foram levadas para o Rio de Janeiro, depois para Resende e norte de São Paulo, onde encontraram condições de solo e clima mais favoráveis que o norte do país. O café veio suplementar a queda de dois outros produtos agrícolas -- o açúcar e o algodão --, que sofriam sucessivas baixas frente à concorrência no mercado internacional. Além disso, enquadrava-se perfeitamente nas mesmas bases econômicas e técnicas das outras culturas: utilização ampla da terra, fator de produção abundante; não exigência de grandes investimentos de capital; possibilidade de ser implantada com pouco equipamento. A mão-de-obra ociosa das minas refluiu para essa nova riqueza, que em 1820 atingiu uma produção de cem mil toneladas, superior à da Arábia. Seria, entretanto, no império, que o café ocuparia o centro da economia e substituiria o açúcar como principal produto de exportação.
Predominância da economia agrícola. Todas essas atividades econômicas -- pau-brasil, açúcar, tabaco, algodão, ouro e café -- não se destinavam diretamente à metrópole. Lisboa funcionava como entreposto e empório reexportador e retirava o lucro dos benefícios do transporte e das vantagens fiscais. Ausente da revolução industrial, Portugal torna-se satélite econômico da Grã-Bretanha e, como conseqüência, o Brasil, no papel de colônia de uma metrópole sem autonomia, ficaria à margem, por muitos séculos, do rumo industrial do mundo, e se constituiria num país essencialmente agrícola. Outra constante em todas essas culturas de exploração era a busca pelo colonizador português da fortuna rápida sem o trabalho paciente: a conseqüência disso é o incremento da mão-de-obra escrava, primeiro o índio, depois o negro africano.
O trabalho escravo se insere no contexto da lavoura especulativa, só compensável com os altos preços dos produtos de exportação. Por isso, quando a economia açucareira começou a declinar, a lavra de ouro passou a demandar contingentes de mão-de-obra escrava, subitamente valorizada. Incapaz de servir, quer nos engenhos, quer nas minas, quer nas cidades ou no transporte, nas funções de natureza técnica, o africano ficou relegado ao trabalho pesado da mineração ou da lavoura. A agricultura de subsistência e as funções técnicas ficaram entregues a uma classe de dependentes livres, que constituiria a tênue classe média da colônia.
Império
Premido entre as imposições de Napoleão I, que exigia o fechamento dos portos portugueses aos navios ingleses e a prisão dos súditos britânicos, e as do Reino Unido, que ameaçava ocupar o Brasil caso fossem acatadas tais exigências, na primeira década do século XIX D. João VI decidiu, em comum acordo com o governo inglês, transferir temporariamente a sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Esse fato, singular na história colonial americana, deu características muito peculiares ao processo de emancipação do Brasil em relação ao movimento de libertação dos países da América espanhola. A presença real no Brasil contribuiu por um lado para consolidar a unidade nacional; e por outro, para que se completasse a separação de Portugal sem o desmembramento do patrimônio territorial brasileiro, que permaneceu intacto com a fundação do império, em 1822, e com a elevação da antiga colônia à categoria de reino.
A mudança para o Brasil não era de resto uma questão nova. Ao longo de três séculos, essa hipótese já fora aventada, tendo em vista os constantes atritos com a Espanha. Sempre que se avizinhava o perigo de uma guerra e da perda da autonomia portuguesa, a coroa considerava a alternativa de transferir-se para sua principal colônia, ficando assim longe dos azares da política européia. Além disso, com a transferência da sede do governo para o Brasil, a ameaça como que mudava de mão: imperador em um vasto território, o soberano português teria maiores condições de ameaçar o império colonial espanhol e encher de inquietação as potências européias.
Inicialmente pensou-se em uma solução intermediária: D. João, príncipe regente desde a interdição da mãe, D. Maria I, em 1792, ficaria em Portugal, e enviaria para o Brasil o príncipe herdeiro D. Pedro, em companhia das infantas, com o título de Condestável do Brasil. Esse projeto entretanto não foi do agrado de D. João, que não queria abrir mão da coroa, herdada por morte do irmão mais velho e pela doença da mãe. A solução acabou sendo imposta pelos acontecimentos: diante das vacilações de D. João, Napoleão assinou com a Espanha, em 1807, o Tratado de Fontainebleau, que dividia Portugal em dois reinos -- o da Lusitânia e o dos Algarves. O rei da Espanha, Carlos IV investia-se assim do título de protetor da Lusitânia e imperador das duas Américas, sob o domínio luso-espanhol.
Diante da alternativa de enfrentar a França ou atrelar-se ao Reino Unido, D. João preferiu a segunda hipótese, que lhe dava a esperança de salvar, ainda que na aparência, a soberania real, e manter a integridade da colônia sul-americana. Além de combater mais diretamente as ambições napoleônicas em relação ao Brasil, a coroa portuguesa abrigava-se em um refúgio inexpugnável, com apoio do Reino Unido. De fato, tão logo a família real embarcou para o Brasil, o marechal inglês William Carr Beresford ficou em Portugal, como Lord Protector, com poderes de soberano, e com a ajuda dos patriotas portugueses, enfrentou e expulsou os invasores franceses, comandados pelo general Jean Andoche Junot. Enquanto isso, o governo português instalou-se no Brasil, e não tardou em vingar-se de franceses e espanhóis pelas humilhações impostas pelo Tratado de Fontainebleau: ocupou Caiena, na Guiana Francesa, em 1809, e Montevidéu, em 1810.
Chegada de D. João. A família real era composta pela rainha D. Maria I, o príncipe-regente D. João, sua esposa, D. Carlota Joaquina, o príncipe herdeiro D. Pedro, que acabava de completar nove anos de idade, o príncipe D. Miguel, com apenas cinco, as cinco princesas filhas do casal, as princesas irmãs da rainha e o infante espanhol D. Pedro Carlos, irmão menor de D. Carlota Joaquina. A 22 de janeiro de 1808, o príncipe-regente aportava na Bahia, de onde, como primeiro ato, assinou a carta-régia de 28 de janeiro de 1808, conhecida como Abertura dos portos às nações amigas. Estipulava o documento, em suas duas cláusulas, que as alfândegas poderiam receber "todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportadas em navios das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha coroa, ou em navios dos meus vassalos"; e que não só os vassalos, mas os sobreditos estrangeiros poderiam exportar para os portos que quisessem todos os gêneros e produções coloniais, à exceção do pau-brasil e de outros notoriamente estancados, "a benefício do comércio e da agricultura."
Embora tendo aportado na Bahia, o príncipe-regente, por questões de segurança, decidiu fixar-se no Rio de Janeiro, cidade dotada de maior número de fortificações e onde ficaria menos exposto ao perigo francês. Mas não foi pacífica essa decisão. Era evidente a superioridade econômica da Bahia, onde floresciam prósperos engenhos de açúcar, lavouras de algodão, arroz, fumo e cacau, e uma promissora pesca da baleia. Assim, D. João teve de resistir aos apelos dos comerciantes baianos, que se propunham até mesmo construir um palácio para abrigar condignamente a família real.
O desembarque da família real no Rio de Janeiro, em 8 de março, foi realizado com pompa nunca vista. A cidade, que contava à época com apenas cinqüenta mil habitantes, engalanou-se como pôde, sob as ordens do vice-rei, o conde dos Arcos. As festas duraram nove dias. De todas as capitanias e até dos pontos mais afastados do interior, vieram governadores, bispos e outras autoridades. Imediatamente D. João tratou de instalar a alta administração: nomeou os titulares dos Ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da Guerra e Estrangeiros, criou o Real Erário, depois transformado em Ministério da Fazenda, e os conselhos de Estado, Militar e da Justiça, a Intendência Geral da Polícia, a Casa da Suplicação, o Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, o Juízo dos Privilégios, as chancelarias, as superintendências e outras repartições de menor importância. Ficava assim montado o aparelho governamental e ao mesmo tempo criavam-se empregos para o grande número de fidalgos que acompanharam a comitiva real na fuga para o Brasil.
Estrutura do governo imperial. Ao lado dessa vasta e em muitos casos desnecessária rede burocrática, fundaram-se também estabelecimentos verdadeiramente importantes para a formação de uma elite civil e militar, como a Escola de Marinha, a Escola de Artilharia e Fortificações, a fábrica de pólvora, o hospital do exército, o arquivo militar, o Jardim Botânico, a Biblioteca Pública, a Academia de Belas- Artes, o Banco do Brasil (que estabeleceu a circulação fiduciária no Brasil), a Escola Médico-Cirúrgica da Bahia e a Imprensa Régia -- cujas máquinas tinham vindo em uma das naus da comitiva, e que inaugurou a primeira tipografia brasileira, já que as tentativas anteriores haviam sido destruídas à força, "para não propagar idéias que poderiam ser contrárias aos interesses do estado".
Em setembro do mesmo ano começou a ser impressa a Gazeta do Rio de Janeiro, mera relação semanal de atos oficiais e anúncios. A verdadeira imprensa brasileira nascera um pouco antes, com o Correio Brasiliense, de Hipólito José da Costa, impresso em Londres, e que foi a primeira grande trincheira contra o obscurantismo em Portugal e no Brasil.
Para se ter uma idéia dos prejuízos que tal vezo obscurantista produziu no Brasil e o quanto impôs um descompasso em relação a outras partes do continente, basta ver que na América inglesa a primeira universidade, a de Harvard, foi fundada em 1636, pelos puritanos ingleses, para "estimular o ensino e perpetuá-lo para a posteridade". As primeiras universidades da América espanhola -- Lima, México, e Santo Domingo -- foram criadas no século XVI, segundo a ordem real de Carlos V, "para que os nossos vassalos, súditos e naturais tenham Universidades e Estudos Gerais em que sejam instruídos e titulados em todas as ciências e faculdades... para desterrar as trevas da ignorância". Da mesma forma, na América espanhola, os primeiros jornais datam do século anterior.
O atraso cultural da colônia ao tempo da chegada da família real encontra seu equivalente no atraso material. Assim, por exemplo, a indústria de tecidos, que começara a se desenvolver com êxito na região sudeste, foi estrangulada por decisão da rainha D. Maria I, que em 1785 declarou extintas e abolidas todas as fábricas de têxteis na colônia. Esse decreto foi revogado por D. João em 1808, a par com outras medidas tendentes ao desenvolvimento da indústria e do comércio. Ainda na Bahia, o príncipe-regente já decretara a incorporação da primeira companhia de seguros, autorizara a instalação de uma fábrica de vidro, cultura de trigo e fábricas de moagem, uma fábrica de pólvora e uma fundição de artilharia.
As primeiras providências do príncipe-regente, ao cabo de tantos anos de abandono, foram recebidas como sinal de redenção. Estabelecida a corte no Rio de Janeiro, começaram a afluir os governadores de Minas Gerais e São Paulo, em busca de medidas de amparo e proteção para suas capitanias, agora transformadas em províncias. A cidade, que à época contava com apenas 75 logradouros -- 46 ruas, 19 campos ou largos, seis becos e quatro travessas -- não tinha condições de abrigar a comitiva de 15.000 pessoas que acompanharam a família real. As melhores casas foram confiscadas, com a sigla PR (Príncipe Regente) inscrita nas portas, e que o povo logo interpretou ironicamente como "ponha-se na rua". É claro que as arbitrariedades cometidas pelos fidalgos provocaram rusgas e dissensões com os portugueses da terra -- apelidados respectivamente de "pés-de-chumbo" e "pés-de-cabra", em alusão aos calçados (portugueses) e aos descalços (brasileiros).
Hegemonia do Centro-Sul. Até o estabelecimento da família real, o único fator de unidade que vinha mantendo os laços frouxos da nacionalidade, apenas esboçada, era o regime servil. Num aglomerado inorgânico, quase caótico, do Amazonas ao Prata, a escravidão era o único traço comum, respeitado e uniforme, de caráter institucional, capaz de assegurar a integração das chamadas capitanias, na verdade um conjunto de regiões isoladas umas das outras, separadas às vezes por distâncias intransponíveis.
Quer na Bahia, quer no Rio de Janeiro, o vice-rei jamais pôde exercer em plenitude e extensão a sua autoridade. Os baxás, como eram conhecidos os governantes e capitães-generais, eram os senhores todo-poderosos, que mandavam e desmandavam despoticamente até onde alcançassem suas respectivas jurisdições. A justiça era a mais incipiente e deficiente que se pode supor: apenas uma relação de segunda instância na Bahia e outra no Rio de Janeiro para todo o vasto território da colônia, e ainda assim dependentes de Lisboa. Os processos arrastavam-se com tal lentidão que muitas vezes era preferível sofrer uma injustiça e conformar-se com ela do que aguardar a reparação do dano, quase sempre decepcionante, ao final de uma inútil e dispendiosa campanha.
D. João, ainda como príncipe-regente, procurou amenizar essa situação. A Casa da Suplicação, instituída em 1808, substituiu o Supremo Tribunal de Lisboa e instituiu mais duas relações: uma em São Luís do Maranhão, em 1813, e outra em Recife, em 1821. Mesmo assim, a administração de D. João teria muitos atritos com a classe dos aristocratas, altivos, orgulhosos, rixentos e intrigantes. Não aceitavam o serviço militar, recusavam-se a pagar impostos e mostravam-se ciumentos dos benefícios que engrandeciam o Rio de Janeiro e toda a área fluminense.
A situação de inferioridade em que se encontrava Portugal, na prática como vassalo do Reino Unido, permitiu a entrada em profusão de firmas inglesas, ansiosas por tirar partido das tão apregoadas riquezas brasileiras, mesmo numa época em que já se haviam esgotado as minas de ouro e diamantes. Em agosto de 1808 já havia no Rio de Janeiro cerca de 200 estabelecimentos comerciais ingleses. No entanto, muitas das cláusulas leoninas dos tratados de 1810, que Portugal fora obrigado a assinar com a coroa inglesa não passaram de letra morta. Os portugueses, por inércia ou por astúcia, como no caso da abolição gradual do tráfico negreiro, resistiam ao seu cumprimento. Mesmo assim os ingleses gozaram de uma situação extremamente privilegiada, como os direitos de extraterritorialidade e as tarifas preferenciais muito baixas.
Com o final da guerra européia e a assinatura do reconhecimento de paz em Paris, em 1813, o príncipe-regente assinou um novo decreto que abria os portos brasileiros a todas as nações amigas, sem exceção. Representantes diplomáticos da França, Holanda, Dinamarca, Áustria, Prússia, Estados Unidos, Espanha e Rússia vieram para o Brasil, com novos interesses e propostas. A chegada dos comerciantes franceses foi recebida com regozijo pela população. Reatadas as relações com a França e devolvida a Guiana, a influência francesa competiu com a inglesa e logo a superou em muitos sentidos, não apenas nas idéias, como nos costumes, na culinária, na moda e no viver citadino. Esses imigrantes, entre os quais se encontram padeiros, confeiteiros, ourives, modistas, alfaiates, marceneiros, serralheiros e pintores, impulsionaram a vida urbana do Rio de Janeiro e transformaram a fisionomia da cidade.
Preocupações de D. João VI. Duas questões de especial relevância marcaram o período joanino: uma de âmbito interno foi a influência das idéias liberais e a proliferação das sociedades maçônicas, que formavam uma vasta corrente subterrânea, sustentada e estimulada em grande parte por agentes franceses, republicanos vermelhos ou saudosistas do bonapartismo, de qualquer modo claramente hostis às monarquias tradicionais; na frente externa, a questão do Prata, colocada pela insistência de D. João de retomar a Colônia do Sacramento e com ela a Banda Oriental, para dessa forma fixar a fronteira meridional brasileira na margem esquerda do estuário.
No plano interno, o episódio de maior relevância no período joanino foi a inconfidência mineira, que alguns historiadores preferem chamar conjuração mineira, já que o termo "inconfidência" sugere traição, e esse era exatamente o ponto de vista do colonizador. Organizado em 1789, na localidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, então sede da capitania das Minas Gerais, o movimento visava a independência do Brasil. Os principais conspiradores foram Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, único condenado à morte, menos por ser considerado chefe da conjuração que pela atitude de altiva dignidade com que enfrentou a prisão, os interrogatórios e o julgamento, sem jamais delatar os companheiros ou eximir-se de culpa; os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, este último autor de um belo livro de poemas, Marília de Dirceu; os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim, Luís Vieira da Silva, José Lopes de Oliveira e Manuel Rodrigues da Costa; e José Álvares Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica. Os revolucionários não tinham opinião unânime em todos os pontos: uns queriam a república, outros um governo monárquico; uns defendiam a imediata abolição da escravatura, outros achavam melhor adiá-la. Em comum, queriam a criação de indústrias e universidades e a dinamização da pesquisa e lavra mineral. A bandeira do novo sistema, toda branca, teria como dístico um verso do poeta latino Virgílio: Libertas quae sera tamen (Liberdade, ainda que tardia).
Na disputa com Buenos Aires pela posse das terras, o Brasil não pôde contar com a ajuda inglesa, a essa altura pragmaticamente convencida de que, não podendo impor pelas armas a sujeição das províncias espanholas à coroa britânica, mais valia incentivá-las à revolução contra a Espanha e ao estabelecimento de governos independentes, com os quais a Inglaterra poderia ter relações muito mais proveitosas. A questão complicou-se mais ainda com a rebelião de José Gervasio Artigas, que levantou a bandeira da autonomia uruguaia. E chegou a um ponto insustentável com a guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que colocava para o Brasil uma opção das mais difíceis. D. João decidiu aguardar as decisões do Congresso de Viena, para iniciar a contra-ofensiva no Prata.
Santa Aliança. O pacto da Santa Aliança foi um acordo firmado entre várias potências européias para a defesa do absolutismo e do colonialismo. Na prática, o acordo tratava de suprimir a liberdade de imprensa e de discussão, a liberdade religiosa, civil ou política ou qualquer outro entrave ao restabelecimento dos princípios monárquicos, para sempre abalados pela revolução francesa. No que tange ao Novo Mundo, a idéia, expressa pela Santa Aliança no Congresso de Verona, em 1822, era a recolonização dos países americanos que já se haviam emancipado.
D. João ratificara o tratado, ao tempo em que se criara no Rio da Prata um estado revolucionário, nas vésperas do Congresso de Tucumán, que proclamou a independência das Províncias Unidas, em 9 de julho de 1816, enquanto Artigas prosseguia em sua luta pela independência uruguaia. Em claro desafio à Santa Aliança, D. João enviou, sob o comando do general Carlos Frederico Lecor, uma tropa de elite, vinda de Lisboa, para que obrigasse a Banda Oriental, incorporada desde julho de 1821 com o nome de Província Cisplatina, a jurar a constituição do império. Era uma forma de evitar entregar a D. Carlota Joaquina a regência das colônias espanholas, na qualidade de irmã de Fernando VII e, portanto, representante da família real da Espanha deposta por Napoleão.
Essa campanha se desdobrava em duas frentes cada vez mais difíceis -- a luta armada, pela resistência heróica dos patriotas uruguaios; e as negociações diplomáticas, pela oposição clara ou velada das potências européias contra as pretensões expansionistas. Além disso, D. João teve de enfrentar grave perturbação no Nordeste: a revolução de 1817, em Pernambuco e na Paraíba, em protesto contra a hegemonia do sul e pela autonomia.
Sufocando com requintes de crueldade esse movimento, D. João sentiu-se forte para buscar uma aliança com a Áustria e o apoio do chanceler austríaco Klemens Wenzel Nepomuk Lothar, príncipe de Metternich, idealizador da Santa Aliança e campeão dos princípios conservadores, para manter-se no Brasil enquanto procurava consolidar o domínio do Prata. Fazia assim, através de seu emissário à corte austríaca, uma profissão de fé conservadora; mas ao mesmo tempo, em carta a Thomas Jefferson, presidente dos Estados Unidos, confessava-se partidário dos "seguros princípios liberais, tanto religiosos como políticos, que ambos professamos" e fiel "à mais perfeita união e amizade... entre as nações que habitam esse novo mundo". Pretendia o rei, ao que parece, obter o apoio das potências européias a sua permanência no Brasil e a sua política expansionista, e ao mesmo tempo garantir a neutralidade da nova e forte nação americana, que despontava como a rival democrática do absolutismo europeu.
A missão junto à Áustria foi coroada de êxito. D. João não somente conseguiu o apoio de Metternich contra a Grã-Bretanha e a Espanha na questão da ocupação do Prata, como ainda ajustou o casamento de D. Pedro com D. Carolina Josefa Leopoldina, arquiduquesa da Áustria e filha de Francisco I. D. Leopoldina chegou ao Brasil em novembro de 1817, e só então o rei concordou em festejar oficialmente sua aclamação, embora a rainha D. Maria já houvesse falecido há quase dois anos, em março de 1816. Prestigiado pela casa da Áustria, sustentáculo da Santa Aliança e anteparo valioso a sua política de resistência contra as pretensões espanholas, e liberto da opressiva predominância britânica, D. João podia finalmente realizar seus desejos de continuar em seus domínios americanos e manter a integridade territorial brasileira, com a integração da Banda Oriental e a supressão do movimento sedicioso de Pernambuco.
Primeiro reinado
No ato da aclamação, em 6 de fevereiro de 1818, D. João estava no apogeu de seu reinado, mas mesmo assim a situação continuava tensa e as frentes de luta abertas. As prisões brasileiras guardavam centenas de patriotas; no sul, prosseguia a encarniçada resistência de Artigas; e em Portugal, os súditos reclamavam a reintegração européia do monarca. Em 1820, a vitória da revolução liberal no Porto procurara viabilizar a implantação do capitalismo em Portugal, o que significava um programa de recolonização do Brasil. As condições reais de ambas as sociedades demonstravam a inviabilidade de duas constituições, que respeitassem as características das formações sociais portuguesa e brasileira, e portanto a manutenção do reino. D. João e seus conselheiros percebiam prudentemente a inviabilidade do propósito recolonizador e a potencial ruptura do Brasil com a monarquia portuguesa.
A aprovação do projeto constitucional em Lisboa, sem a presença de representantes brasileiros, a subordinação das capitanias à metrópole, e não ao Rio de Janeiro, a adesão do Grão-Pará, Bahia e da guarnição do Rio de Janeiro às manobras das cortes e o juramento constitucional imposto a D. João VI definiram claramente as contradições entre Brasil e Portugal. Com o retorno de D. João a Portugal e a nomeação de D. Pedro como regente do reino do Brasil encerra-se essa fase, à qual se segue a tentativa de manter a unidade luso-brasileira.
Independência. Caso vigorasse o regime instituído pela constituição feita em Lisboa, o Brasil não teria mais um governo próprio, nem tribunais superiores. A administração centralizada e unificada em Lisboa absorveria todas as regalias conquistadas desde a chegada do rei. O dilema apresentado aos brasileiros não foi simplesmente o da união ou separação de Portugal. Essa união foi desejada e defendida até o último momento pelas figuras mais representativas do Brasil, como o próprio José Bonifácio de Andrada e Silva. E só foi abandonada quando ficou claro que seu preço era a inferiorização e a desarticulação do reino do Brasil.
Só havia uma fórmula para manter a unidade das províncias brasileiras e ao mesmo tempo enfrentar as forças metropolitanas: a monarquia brasileira, tendo como chefe da nova nação o próprio príncipe regente. Até mesmo os mais extremados republicanos perceberam que a permanência de D. Pedro era a garantia da manutenção da unidade nacional. O próprio herdeiro do trono conduziu o movimento, do qual o grito do Ipiranga, a 7 de setembro de 1822, foi apenas o mais teatral de uma série de atos que tornaram realidade a independência do Brasil. Já antes o príncipe convocara um conselho de procuradores da Província; no decreto de 3 de junho de 1822, em que convocou uma Assembléia Constituinte, D. Pedro mencionava literalmente que o objetivo era dar ao Brasil "as bases sobre que se deva erigir a sua independência". No dia 1º de agosto do mesmo ano, na qualidade de "regente deste vasto império" e considerando o estado de coação em que se encontrava, proibiu o desembarque de tropas portuguesas e mandou combater as que ousassem desembarcar sem a sua licença.
A figura mais notável do espírito brasileiro nesse período foi José Bonifácio, o chamado Patriarca da Independência. Sua obra política grandiosa foi a articulação entre o governo do príncipe no Rio de Janeiro e os governos das províncias para sustentar a idéia da unidade nacional.
Ao desligar-se do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, criado em 1815, o Brasil deveria ter conservado o título de reino. Assim é que em São Paulo, após o grito do Ipiranga, D. Pedro foi aclamado rei do Brasil. A idéia de império, entretanto, condizia mais com o ambiente liberal, ainda impregnado do fenômeno napoleônico, do que a expressão legitimista de reino. Assim, D. Pedro foi aclamado imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil em 12 de outubro de 1822. A 3 de maio de 1823 instalou-se a Assembléia Constituinte. No entanto, a ausência de um projeto constitucional claro e as delongas provocadas pela discussão e votação de leis ordinárias contribuíram para o desgaste da Assembléia. José Bonifácio e seus irmãos entraram em franca oposição ao imperador. Diante das dificuldades crescentes e da impaciência do exército, o imperador dissolveu a Assembléia e nomeou um Conselho de Estado, que rapidamente elaborou um projeto de constituição e o remeteu para exame a todas as câmaras municipais. Com base nas manifestações dos municípios, em 25 de março de 1824, o imperador pôs em vigor a constituição e foram realizadas as eleições para o Parlamento. A primeira sessão instalou-se em 1826 e daí até 1889, funcionou regularmente o poder legislativo no Império do Brasil.
Guerra da independência. As províncias do Norte foram sendo incorporadas ao império. Em algumas, como Bahia, Maranhão e Piauí, as tropas portuguesas remanescentes tentaram opor-se ao imperador. Na Bahia, o general português Inácio Luís Madeira de Melo não reconheceu o governo chefiado por D. Pedro. Os patriotas baianos, reunidos a reforços vindos de Pernambuco, e sob comando do general francês Pierre Labatut, cercaram as tropas do general Madeira, que embora superiores em força não conseguiram romper o cerco. Fracassaram também ao tentar a reconquista da ilha de Itaparica, quando enfrentaram uma força naval comandada por Rodrigo Antônio de Lamare. A ela vieram juntar-se reforços enviados de terra e uma esquadra formada às pressas, sob o comando do oficial britânico Lord Thomas John Cochrane.
Com um grupo de oficiais estrangeiros, Cochrane organizou as bases de uma Marinha de Guerra do Brasil, indispensável à proteção das capitais do Norte, todas marítimas. As lutas prosseguiram no Ceará, Piauí e Maranhão, todas sangrentas, mas a vitória dos patriotas acabou por se impor em todas elas. No Pará, uma força naval enviada por Cochrane conseguiu dominar a situação. E na Província Cisplatina (Uruguai), onde as tropas se dividiram, os soldados leais a D. Pedro também venceram e obtiveram o reconhecimento de Montevidéu.
O principal negociador de D. Pedro I na obtenção do reconhecimento da independência por Portugal, em 1825, foi Felisberto Caldeira Brant, marquês de Barbacena. Um ano antes, os Estados Unidos e o México já haviam reconhecido o Império do Brasil, seguidos pela Inglaterra, França, Áustria e outras potências européias, além da Santa Sé.
Resistência nativista. Mesmo assim, a unificação do país encontrou outras resistências. Em Pernambuco, os que haviam participado da revolução de 1817 não se conformavam com a prerrogativa que tinha o imperador de escolher livremente o presidente da província. O movimento alastrou-se pelas províncias vizinhas e culminou com a proclamação da Confederação do Equador. A reação do governo imperial foi fulminante: o presidente da Confederação, Manuel de Carvalho Pais de Andrade, fugiu para a Inglaterra e outros líderes do movimento, entre eles o carmelita frei Caneca, foram presos e executados. Finalmente em 1826 os pernambucanos aceitaram o regime e Pais de Andrade foi escolhido senador e depois presidente da província.
A repressão aos confederados de 1824 deslocou a luta oposicionista para o âmbito parlamentar. A partir de 1826, quando foi instalada a primeira assembléia geral, os problemas sociais se aguçaram, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio político. O Senado, vitalício, congregava os representantes do conservadorismo e até alguns saudosistas do absolutismo; mas a Câmara dos Deputados, eletiva e temporária, era menos maleável às pressões do monarca, e constituía uma oposição de certo peso específico.
A oposição parlamentar contava ainda com o apoio da imprensa, sobretudo da Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, que advogava os princípios e práticas liberais, com grande coerência ideológica e objetividade de pensamento. Por outro lado, a crise era alimentada pela instabilidade econômico-financeira -- provocada pela evasão de capital, pela queda de preço dos produtos de exportação, pelo déficit no balanço de pagamentos, pelos empréstimos externos e pelas indenizações decorrentes do reconhecimento da soberania brasileira.
Abdicação. D. Pedro I tentou enfrentar o desgaste político através de certa tolerância, evitando a dissolução da Câmara, a intervenção nas províncias e a coação à liberdade de imprensa. Vendo abalado seu prestígio pelo mau êxito da guerra Cisplatina e pela atenção demasiada que dispensava à questão sucessória do trono lusitano; e vendo crescer dia a dia a oposição parlamentar, D. Pedro I entrou na fase final de seu curto e tumultuado governo. Ante o movimento crescente de insatisfação, mudou o gabinete e entregou o governo a um homem que gozava então de grande prestígio, o marquês de Barbacena. Este conseguiu que o imperador afastasse da corte alguns de seus auxiliares diretos mais visados pelas críticas da oposição, entre os quais o secretário particular, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça. Algum tempo depois, porém, uma série de intrigas afastaram do governo o marquês de Barbacena.
O ano de 1830 parecia um ano fatídico. A queda do rei da França, Carlos X, partidário da reação, repercutiu fundamente no país, e abalou ainda mais a posição do imperador. Em uma excursão a Minas Gerais, D. Pedro I sentiu o declínio de seu prestígio. Um grupo de parlamentares dirigiu-se em manifesto ao imperador, pedindo urgentes providências. D. Pedro atendeu-os e reformou o gabinete, mas desgostoso com os ministros, substituiu-os por outros, dóceis a sua vontade, o que provocou uma reação popular, com a adesão de toda a tropa do Rio de Janeiro. Cansado de lutar, a 7 de abril de 1831 D. Pedro abdicou em favor do filho, D. Pedro II, então com cinco anos.
Regência. O governo passou imediatamente às mãos de uma regência provisória, composta do brigadeiro Francisco de Lima e Silva, do marquês de Caravelas e do senador Nicolau de Campos Vergueiro. A assembléia a substituiu por uma regência trina, escolhida de acordo com a constituição, na qual figuraram o brigadeiro Lima e Silva, o marquês de Monte Alegre e João Bráulio Muniz. Entre as duas tendências extremas, a dos republicanos e federalistas e a dos restauradores, apelidados de "caramurus", impôs-se a corrente dos moderados, sob a liderança do jornalista Evaristo da Veiga. Em 1834 a constituição foi reformada por meio de um ato adicional, que representou uma conciliação das tendências mais extremadas. A regência trina tornou-se una, e os conselhos provinciais, controlados pelo Parlamento, passaram a Assembléias, com poderes mais amplos, o que atendia às demandas de descentralização.
A eleição popular, determinada pelo ato adicional, levou ao poder como regente único o padre Diogo Antônio Feijó, que já se revelara um enérgico defensor da ordem como ministro da Justiça. Sob a regência de Feijó definiram-se as duas correntes políticas que inspiraram os dois grandes partidos do império -- liberais e conservadores. Esses últimos, liderados por Bernardo Pereira de Vasconcelos, com maioria parlamentar, tornaram a situação insustentável para a regência e obrigaram Feijó a renunciar. O poder passou às mãos de Pedro de Araújo Lima, depois marquês de Olinda, que só o deixou diante do movimento da maioridade.
Segundo reinado
A contar da abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, até a proclamação da república, em 15 de novembro de 1889, o segundo reinado compreende um período de 58 anos, nele incluída a regência; ou de 49 anos, se contado a partir da maioridade. De qualquer maneira, foi o mais longo período da história política do Brasil, e contou com um interregno de quase quarenta anos de paz interna, o que propiciou a implantação de medidas importantes, como o protecionismo alfandegário, que veio acabar com as dificuldades cambiais impostas pelos tratados desvantajosos com países estrangeiros, assinados para facilitar o estabelecimento de relações diplomáticas; a criação da presidência do Conselho de Ministros, primeira experiência de parlamentarismo brasileiro; a extinção do tráfico de escravos, que prenunciou a abolição; a inauguração de novos meios de transporte e comunicação (ferrovias e telégrafo); a maior racionalização da imigração; e o desenvolvimento das letras, artes e ciências.
A ansiedade por um governo estável e suprapartidário, aliada a um hábil movimento político dos liberais, levou à antecipação da maioridade do imperador, em 23 de julho de 1840. Mas os liberais logo tiveram de ceder novamente o poder aos conservadores, que prosseguiram em sua ação centralizadora. A dissolução da Câmara, eleita sob governo liberal, provocou reações armadas em Minas Gerais e São Paulo, logo sufocadas pela ação enérgica do barão (futuro duque) de Caxias. Em 1844, os liberais voltaram ao poder e governaram até 1848, quando os conservadores retomaram as rédeas do governo, que teve de enfrentar, em Pernambuco, a revolução praieira.
A ascensão de D. Pedro II ao poder coincide com as sérias questões do Prata e a guerra contra Rosas, na Confederação Argentina, e Oribe, no Uruguai. O ministério, presidido pelo marquês do Paraná, solucionou as questões diplomáticas e firmou o prestígio do Brasil no exterior. A criação das estradas de ferro e do telégrafo, a fundação de bancos, a multiplicação de indústrias e as grandes exportações de café, trouxeram grande desenvolvimento econômico ao país. De 1864 a 1870, o imperador teve ainda de sustentar duas guerras, a primeira contra o governo uruguaio de Aguirre e a segunda contra Solano López, no Paraguai.
No âmbito interno, o imperador foi obrigado a enfrentar as divergências políticas provocadas pelo movimento abolicionista e pela criação, em 1870, do Partido Republicano. Somam-se a essas frentes dois impasses de maior relevância: a questão religiosa, provocada pela recusa dos bispos D. Antônio de Macedo Costa e D. Frei Vital de aceitar ingerências do governo, por influência da maçonaria, na nomeação de diretores de ordens terceiras e irmandades; e a questão militar, na verdade uma série de atritos provocados pela ânsia por maior autonomia dos militares, como o protesto contra a censura a oficiais que debatiam pela imprensa questões internas da classe, e que teve o apoio do marechal Deodoro da Fonseca, seu maior líder.
A propaganda republicana avolumava-se a olhos vistos. Na Escola Militar, o professor de maior prestígio, tenente-coronel Benjamin Constant, pregava livremente a república e o positivismo. Em São Paulo, um Congresso Republicano, em 1873, chegou a aprovar um projeto de constituição. O desgaste do regime monárquico era cada vez maior. O agravamento da questão militar durante o gabinete Ouro Preto ensejou uma aliança entre os líderes militares e os chefes republicanos de várias correntes. Em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca assumiu o governo, com o título de chefe do governo provisório, e um ministério composto de republicanos históricos e liberais que aderiram à república. O novo governo apressou-se em enviar uma mensagem ao imperador, solicitando que se retirasse do país. Sereno e altivo, D. Pedro II embarcou com a família no dia 17 de novembro, depois de recusar a ajuda financeira oferecida pelo governo provisório e recomendar aos seus antigos ministros que continuassem a servir ao Brasil.
Primeira república (1889-1930)
Governo Deodoro da Fonseca. A proclamação da república foi dirigida por facções civis e militares extremamente heterogêneas, que incluíam desde republicanos históricos e oficiais de tendência monarquista, até positivistas, políticos imperiais e oposicionistas. A quebra do sistema centralizado imperial permitiu a subida de segmentos sociais e políticos novos, que se assenhorearam do poder federal e estadual. No plano do poder central, como existiam combinações prévias, foi fácil organizar o poder; mas no plano dos estados, com exceção de São Paulo, a perplexidade e a desorganização permitiram que as autoridades federais indicassem os nomes para as funções-chave do executivo.
O período republicano iniciou-se com uma dissensão entre os que aspiravam a uma república democrática representativa e os que preferiam uma ditadura sociocrática, do tipo propugnado pelos positivistas. Rui Barbosa, ministro da Fazenda e vice-chefe do governo, conseguiu elaborar um projeto de constituição provisória de feitio democrático. Em 15 de novembro de 1890 instalou-se o Congresso Constituinte Republicano e em 24 de fevereiro de 1891 foi proclamada a primeira constituição da república, que estabeleceu o presidencialismo e o federalismo. A própria Assembléia elegeu como presidente e vice-presidente da república os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, respectivamente. Assim, a primeira fase do regime caracterizou-se por uma supremacia dos militares, na qual oficiais do Exército e da Marinha tentaram predominar.
A euforia do momento fez com que todos aceitassem a composição vitoriosa. No entanto, no decorrer de 1890 ocorreu uma progressiva deterioração do poder, com a conseqüente reaglutinação de novas forças, devido à disparidade de interesses do grupo federal, às lutas pelo poder estadual, à política econômica do encilhamento e as divergências internas dos grupos militar e civil. O retorno ao regime constitucional fora uma reivindicação geral, contestada apenas pelas alas militares e civis radicais, que preferiam a continuação de um estado de fato, para que o governo pudesse imprimir livremente suas medidas. Entretanto, devido ao Regulamento Cesário Alvim, de 23 de junho de 1890, conhecido como "lei do arrocho", as eleições estaduais foram dominadas pelos antigos grupos oligárquicos.
A escolha do presidente constitucional do Brasil, em 25 de fevereiro de 1891, foi o ápice da cisão: os partidários de Deodoro da Fonseca conseguiram elegê-lo contra Prudente de Morais, mas Eduardo Wandenkolk, candidato da Marinha, perdeu a vice-presidência para Floriano Peixoto. A eleição ocorreu logo no momento em que Deodoro da Fonseca escolheu o barão Henrique Pereira de Lucena para organizar um segundo ministério. A indicação de um ex-monarquista levou partidários do presidente a divergir de sua escolha. O descontentamento aumentou durante o ano, quando o barão de Lucena resolveu intervir na política de São Paulo e Minas Gerais, ao substituir, respectivamente, os governadores Jorge Tibiriçá e Bias Fortes por Américo Brasiliense de Almeida e Melo e José Cesário de Faria Alvim.
Durante a doença de Deodoro da Fonseca, em julho de 1891, o barão de Lucena tentou negociar com a oposição, mas apesar da boa vontade de Campos Sales, vários políticos oposicionistas, entre eles Prudente de Morais, não aceitaram acordo. Apoiados por Floriano Peixoto, pelo contra-almirante Custódio de Melo, pelo vice-almirante Eduardo Wandenkolk e por outros militares, os oposicionistas aprovaram no Congresso federal uma lei de restrição aos poderes governamentais, a lei de responsabilidades, que na prática configurou um verdadeiro impeachment do legislativo sobre o executivo.
Assim, logo nos primeiros meses de governo constitucional, Deodoro entrou em choque com o Congresso e terminou por dar um golpe de estado, em que dissolveu a Câmara e o Senado e convocou novas eleições. Mas dessa vez não contou com o apoio unânime da classe. O almirante Custódio de Melo, à frente da Marinha, declarou-se em revolta, e Deodoro foi obrigado a renunciar para evitar a guerra civil.
Governo Floriano Peixoto. Assumiu então o vice-presidente Floriano Peixoto, que reabriu o Congresso e restabeleceu a normalidade legislativa. Ao mesmo tempo promoveu a derrubada dos governadores que se haviam solidarizado com o golpe. Floriano enfrentou duas revoluções, de origem diferente, mas coligadas: a revolução federalista, no Rio Grande do Sul, chefiada por Gaspar da Silveira Martins, e a revolta da Armada, no Rio de Janeiro, chefiada pelo almirante Custódio de Melo, à qual aderiu depois o almirante Saldanha da Gama. Como a idéia de um plebiscito, lançada em manifesto por Saldanha, atraísse o apoio dos monarquistas, os republicanos concentraram-se em torno de Floriano. A sangrenta derrota dos dois movimentos consolidou o regime. Portugal concedeu asilo aos oficiais revoltosos, o que provocou o rompimento de relações com o Brasil.
Governo Prudente de Morais. Se o primeiro quatriênio da república foi tumultuoso, o segundo marcou o início de uma linha ascensional. Prudente de Morais, presidente da constituinte republicana, eleito sem competidor, iniciou o período dos governos civis. A partir de então, São Paulo dominaria a política brasileira, posição que seria compartilhada por Minas Gerais a partir de 1906. O governo foi ocupado nos quatriênios seguintes por Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena, quando a primeira república atingiu seu apogeu. Por interferência do Reino Unido, o Brasil restabeleceu relações diplomáticas com Portugal e recuperou a soberania da ilha da Trindade, ocupada arbitrariamente em 1895 pelos ingleses. Duas vitórias diplomáticas, obtidas sucessivamente pelo barão do Rio Branco nos julgamentos arbitrais das questões de limites com a Argentina e com a Guiana Francesa, restituíram a confiança na política exterior.
O governo Prudente de Morais enfrentou graves problemas internos, desde movimentos de insubordinação na escola militar até a revolta de Canudos, no sertão da Bahia, e um atentado contra sua vida no qual morreu o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt. Mesmo assim, mostrou determinação e firmeza, ao demitir funcionários contratados irregularmente no governo anterior e ao vetar o aumento de soldos e efetivos do Exército. Conseguiu também pacificar o Rio Grande do Sul. Mas a contestação ao seu governo prosseguiu no Congresso. Em 1896, o presidente afastou-se do cargo por motivo de saúde, e foi substituído pelo vice-presidente, Manuel Vitorino Pereira, ligado às oposições, mas que nada conseguiu de concreto porque em março de 1897 Prudente de Morais reassumiu o poder, agora já em meio a manifestações violentas, como as ocorridas no Distrito Federal, em São Paulo e Salvador contra os monarquistas, sob pretexto da derrota dos militares em Canudos, apresentado ficticiamente como reduto de fanáticos monarquistas. Tantas cisões e radicalismos levaram a maioria a buscar um candidato à presidência politicamente mais equilibrado, e o escolhido foi Manuel Ferraz de Campos Sales.
Governo Campos Sales. O governo de Campos Sales não teve de enfrentar inicialmente nenhuma desordem grave e pôde dedicar-se ao saneamento das finanças do país, por meio das drásticas medidas econômicas de seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho. Para obter o apoio do Congresso, o presidente garantiu aos governadores o reconhecimento dos deputados por eles apoiados. Essa política desmontou a frágil organização partidária, deu uma aparente estabilidade à representação nacional e proporcionou uma maioria governamental compacta.
No entanto, a restrição dos gastos públicos e o aumento dos impostos ensejou o retorno das agitações. Entre 1900 e 1901, as crises comercial e bancária levaram ao fechamento de fábricas e lojas e ao aumento do desemprego. A instabilidade aumentou com a dissidência paulista, encabeçada por Prudente de Morais, e com as revoltas dos monarquistas e integradas por militares e oposicionistas. Mesmo assim, a situação financeira melhorou, e foi o sucessor de Campos Sales, Francisco de Paula Rodrigues Alves, quem se beneficiou desse trunfo.
Governo Rodrigues Alves. Como encontrou as finanças em ordem e o crédito externo revigorado, Rodrigues Alves pôde realizar grandes empreendimentos. Para isso contou com excelente corpo de auxiliares, entre eles o barão do Rio Branco, que dirigiu genialmente a política exterior; o prefeito Pereira Passos, que executou as reformas urbanísticas do Rio de Janeiro; e Osvaldo Cruz, que à frente do Departamento de Saúde Pública, implantou medidas sanitárias radicais e inadiáveis.
O fim do governo Rodrigues Alves não foi pacífico. Além da revolução mato-grossense de 1906, o problema sucessório aguçou-se, com a contestação ao nome paulista de Bernardino de Campos. Pinheiro Machado e Rui Barbosa iniciaram uma campanha que acabou por gerar um impasse, que se resolveu pela escolha de um nome mineiro, o de Afonso Augusto Moreira Pena.
Governo Afonso Pena. Foi com planos arrojados de um Brasil industrializado, rico e militarmente forte que Afonso Pena iniciou seu período de governo. No intuito de colonizar o interior do país, promoveu a construção de estradas de ferro e portos e prestigiou a penetração capitaneada por Cândido Mariano da Silva Rondon. Incrementou também a imigração e a pesquisa mineral. No âmbito parlamentar, teve de enfrentar a influência de Pinheiro Machado, que controlava a maior parte das bancadas dos pequenos estados. Formou para isso um grupo de apoio com jovens parlamentares, chamado por isso de "jardim da infância". No entanto, o súbito falecimento do presidente da república, em 1909, antecipou a reabertura da luta sucessória. Assumiu o poder o vice-presidente Nilo Peçanha e a campanha política radicalizou-se entre os candidatos Hermes da Fonseca, apoiado pela maioria dos estados e do Congresso, e o candidato civilista Rui Barbosa, apoiado por São Paulo. A luta acabou com a vitória de Hermes da Fonseca, mas sua posse foi antecedida por choques nos estados do Rio de Janeiro e Bahia e pelo incidente do bombardeio de Manaus.
Governo Hermes da Fonseca. Eleito, Hermes da Fonseca teve logo de enfrentar um governo agitado. Poucos dias após a posse eclodiu em 1910 a revolta da chibata, também chamada revolta dos Marinheiros, comandada pelo marinheiro João Cândido. Os marujos rebelados exigiam a extinção do castigo da chibata, suprimido na lei mas mantido na prática. Foram atendidos e anistiados por uma lei da autoria do senador Rui Barbosa, mas os novos oficiais nomeados para os navios rebelados prenderam João Cândido e seus companheiros, que foram lançados nos porões do navio Satélite e nas masmorras da ilha das Cobras, morrendo a maioria. Em seguida rebelaram-se os marinheiros do Batalhão Naval e do cruzador Rio Grande do Sul, tratados com idêntico rigor por ordem do presidente da república.
Apesar de Pinheiro Machado ter fundado o Partido Republicano Conservador, com a intenção de influir diretamente sobre o presidente, os militares foram paulatinamente imiscuindo-se nas políticas estaduais. Impossibilitados de se apresentarem como candidatos aos governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul, alguns se candidataram por Pernambuco, Alagoas, Ceará etc. Resultaram daí inúmeras crises.
A partir de 1913, Pinheiro Machado conseguiu recuperar seu poderio em alguns estados do Nordeste, principalmente após incentivar o padre Cícero a desencadear a revolta cearense de 1914. Esse constante estado de crise levou alguns militares a fazer críticas severas. Finalmente foi decretado o estado de sítio. Para a sucessão do marechal Hermes foram apontados os nomes de Pinheiro Machado e de Rui Barbosa. Prevaleceu entretanto o primitivo esquema dos primeiros governos republicanos, com o acordo entre os partidos dominantes de Minas Gerais e São Paulo.
Governo Venceslau Brás. Eleito sem oposição, o mineiro Venceslau Brás Pereira Gomes representou o retorno ao domínio civil. Durante seu governo foi aprovado o código civil, cujo projeto, da autoria de Clóvis Beviláqua, arrastava-se pelo Congresso desde o governo Campos Sales. Em plena paz interna, o Brasil foi obrigado a entrar na primeira guerra mundial ao lado dos aliados. Embora a participação brasileira fosse pequena, os efeitos econômicos da guerra provocaram uma grave crise econômica e financeira, com repercussões negativas no meio social. Esse estado de coisas foi agravado, no plano político, pelo assassinato de Pinheiro Machado.
Pressionado pelo vencimento de diversos empréstimos externos, o governo foi obrigado a contrair um vultoso empréstimo com os banqueiros Rothschild. Devido à situação internacional, a modalidade adotada foi um funding loan, que cobrisse todos os compromissos, presentes e futuros. A revolta dos sargentos, em 1915, e a eclosão das primeiras greves operárias comprometeram ainda mais a estabilidade do governo. No entanto, a guerra provocou também um novo surto de desenvolvimento industrial e propiciou a expansão urbana, o que veio reforçar a força de atuação das classes médias.
Em 1918 foi novamente eleito presidente Rodrigues Alves, consagrado pela capacidade anteriormente demonstrada. Entretanto, ele faleceu antes de assumir a presidência, em janeiro de 1919, reabrindo o problema da sucessão. O vice-presidente Delfim Moreira assumiu a chefia do governo interinamente, durante sete meses. Como também não se encontrava em boas condições de saúde, quem governou de fato foi o ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco. Delfim Moreira ainda exercia o cargo quando veio a falecer. Para a sucessão, foi escolhido um candidato neutro, Epitácio da Silva Pessoa, por indicação do Rio Grande do Sul.
Governo Epitácio Pessoa. Na sucessão, assumiu Epitácio da Silva Pessoa, por indicação do Rio Grande do Sul, que governou somente um triênio. Administrador experiente, executou grandes obras de melhoramentos contra as secas do Nordeste, fundou em 1920 a primeira universidade brasileira, a do Rio de Janeiro, depois Universidade do Brasil e hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Promoveu em 1922 a exposição internacional comemorativa do primeiro centenário da independência. No entanto, sua política de aparente descompromisso com as correntes políticas em disputa ajudou a acirrar toda uma problemática latente: a política do café e a nomeação do civil João Pandiá Calógeras para o Ministério da Guerra iniciaram os choques entre os estados e dos militares contra o governo.
A situação política interna era das mais conturbadas. Na questão sucessória, o Rio Grande do Sul assumiu atitude oposicionista e lançou a candidatura de Nilo Peçanha, da chamada Reação Republicana, contra o candidato das forças majoritárias, Artur Bernardes. O Clube Militar, então presidido por Hermes da Fonseca, era o centro da agitação. O governo reagiu, fechou o clube e prendeu seu presidente. O inconformismo começou a empolgar as forças armadas. Em 5 de julho de 1922 rebentou a revolta do forte de Copacabana. Alguns jovens oficiais, entre eles Siqueira Campos, Newton Prado e Eduardo Gomes, enfrentaram as forças legais em luta desigual. Esse episódio, conhecido como o dos "Dezoito do Forte", comoveu a opinião pública e iniciou a mística do movimento chamado "tenentismo".
Governo Artur Bernardes. Em 15 de novembro de 1922 assumiu a presidência Artur Bernardes, num ambiente de nervosismo e forte oposição. O presidente, para lutar contra os que o tinham atacado durante a campanha eleitoral, provocou intervenções nos estados do Rio de Janeiro e Bahia, e ajudou as oposições na revolução gaúcha contra o governo continuísta de Borges de Medeiros. O ministro da Guerra, general Setembrino de Carvalho, conseguiu pacificar a situação em 1923.
A fermentação revolucionária continuava, e aqui e acolá eclodiam movimentos sediciosos. Em 1924 iniciou-se nova revolução militar, na capital de São Paulo, à qual aderiu a Força Pública estadual. O palácio dos Campos Elísios foi bombardeado e a capital sitiada. O movimento alastrou-se para outros pontos: Sergipe, Manaus, Belém, Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul sublevaram-se algumas guarnições, lideradas por Luís Carlos Prestes, Juarez Távora e João Alberto. Resultou daí a Coluna Prestes, que percorreu trinta mil quilômetros do país, acossada pelas forças legalistas. Bernardes resistiu bravamente até o fim do mandato, ajudado pela decretação do estado de sítio, decretado em julho de 1922 e constantemente renovado.
Governo Washington Luís. Eleito sem disputa e recebido com simpatia e confiança, Washington Luís optou por uma política conservadora, com predomínio das oligarquias. Foi mantido o cerceamento à liberdade de imprensa e negada a anistia aos revolucionários tenentistas exilados. No plano administrativo, iniciou imediatamente um amplo plano rodoviário, dentro do lema "governar é abrir estradas", e encetou uma reforma financeira com o fim de proporcionar um certo desafogo ao país. Foi, porém, colhido pela crise financeira nos Estados Unidos, que redundou numa queda catastrófica de preços, seguida de desemprego e falências.
Nesse período, efetuou-se a fusão de segmentos dominantes nas grandes cidades. Embora descendentes das antigas oligarquias rurais e vinculados a interesses agrícolas, já tinham tradição urbana suficiente para manifestarem certo inconformismo com o domínio oligárquico. O Partido Libertador, no Rio Grande do Sul, e o Partido Democrático, em São Paulo, canalizaram os protestos contra a hegemonia dos chefes políticos paulistas e mineiros na política federal. A sucessão colocou um impasse: o candidato governista, Júlio Prestes, não foi aceito pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que passou à oposição. Em junho de 1929, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba constituíram a Aliança Liberal, com a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa (governador da Paraíba), contra a chapa Júlio Prestes-Vital Soares (governador da Bahia). Uma série de conflitos varreu o país, em meio à campanha sucessória. O assassinato de João Pessoa, em 1930, foi o estopim da revolução, que estalou simultaneamente nos três estados ligados pela Aliança Liberal.
Na Paraíba, Juarez Távora conseguiu dominar todos os estados do Nordeste; no Rio Grande do Sul, Góis Monteiro reuniu as tropas do Exército e da polícia e atingiu os limites do Paraná e São Paulo; os mineiros dominaram os raros focos legalistas e ameaçaram Espírito Santo e Rio de Janeiro. Na iminência de uma guerra civil, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha constituíram uma Junta Pacificadora que, com a interferência do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, conseguiu a renúncia do presidente e entregou o governo a Getúlio Vargas.
Governo provisório. Dissolvido o Congresso Nacional, Getúlio Vargas instalou-se no palácio do Catete e iniciou o governo com amplo apoio popular. Os primeiros passos foram o combate à corrupção administrativa, um dos pontos mais repetidos na campanha revolucionária, a reforma do ensino e a ampliação das leis trabalhistas. Criaram-se dois novos ministérios, o da Educação e Saúde, entregue a Francisco Campos, e o do Trabalho, a Lindolfo Collor. Na pasta do Exterior, Afrânio de Melo Franco logo conseguiu o reconhecimento internacional do novo governo. Para o Ministério da Fazenda, foi nomeado o banqueiro José Maria Whitaker; para o da Agricultura, Assis Brasil; para o da Viação, José Américo de Almeida; para o da Justiça, Osvaldo Aranha, que logo substituiu Whitaker no Ministério da Fazenda.
As forças que subiram ao poder com Vargas aliaram-se contra o domínio dos grandes fazendeiros. Em vários estados os tenentes assumiram o governo: João Alberto, em São Paulo; Juraci Magalhães, na Bahia; Juarez Távora, na Paraíba. Em Minas Gerais, Olegário Maciel, que ajudara a revolução, conseguiu manter-se no poder, embora acossado pelos grupos tenentistas, liderados por Virgílio de Melo Franco. Em meio às dissidências internas nos diversos estados, Vargas procurou representar o papel de poder moderador: de um lado, a pressão exercida pelos governos estaduais, por membros do seu ministério, como Osvaldo Aranha e José Américo, e pelo clube Três de Outubro, que congregava revolucionários; e de outro as pressões das diversas oligarquias e dos oficiais do Exército, contrários à participação política dos militares.
Segunda república (1930-1937)
Em 9 de julho de 1932 irrompeu um movimento armado em São Paulo, logo sufocado. A reconstitucionalização do país pôde assim processar-se sem maiores sobressaltos. Nova lei eleitoral estabeleceu o voto feminino, o voto secreto, a representação proporcional dos partidos, a justiça eleitoral e a representação classista, eleita pelos sindicatos. Em 15 de novembro de 1933 reuniram-se 250 deputados eleitos pelo povo e cinqüenta pelas representações de classe, para elaborar a nova constituição republicana, promulgada somente em julho de 1934. Por voto indireto Getúlio Vargas foi eleito presidente da república.
O período, que ficou conhecido como segunda república, ou República Nova, iniciou-se por um crescente movimento de polarização entre correntes extremistas, tal como sucedia na Europa: direitistas e esquerdistas, tendo em seus pólos extremos a Ação Integralista Brasileira, organização ultradireitista dirigida por Plínio Salgado; e os comunistas, agregados na Aliança Nacional Libertadora, sob a presidência de honra de Luís Carlos Prestes, chefe do comunismo no Brasil. Em 1935, explodiu uma revolução comunista em Natal RN e Recife PE, acompanhada pelo Regimento de Infantaria da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Prontamente dominada, a chamada intentona comunista fortaleceu a extrema-direita.
Estado Novo (1937-1945)
Getúlio Vargas já se munira de documentos legais discricionários para lidar com o crescimento da Ação Integralista e da Aliança Nacional Libertadora. O levante comunista de 1935 deu-lhe o pretexto para livrar-se de um dos problemas: todas as bancadas apoiaram o estado de sítio, concedido até fins de 1936, quando foi substituído por um instrumento ainda mais forte, o estado de guerra. Sufocado o movimento comunista, Getúlio voltou-se ao combate dos grupos oligárquicos, liderados por São Paulo. Na manhã de 10 de novembro de 1937 tropas do Exército cercaram o Congresso, enquanto cópias de uma nova constituição eram distribuídas à imprensa. À noite, Vargas dirigiu-se pelo rádio a toda a nação, para justificar a instituição do novo regime, necessariamente forte "para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país e assegurar a unidade da pátria". Estava instituído o chamado Estado Novo, cuja base jurídica compreendia dois documentos: a constituição, apelidada de "polaca", por suas semelhanças com a constituição fascista da Polônia, e a consolidação das leis do trabalho, inspirada na Carta del lavoro, do fascismo italiano.
As semelhanças com o fascismo não significaram simpatia ideológica pelo integralismo. Vargas inicialmente tentou o apoio dos integralistas, mas logo Plínio Salgado rompeu com o governo. Uma tentativa de golpe trouxe o pretexto para eliminar o segundo inimigo: em maio de 1938, o tenente Severo Fournier e mais 45 integralistas assaltaram o palácio Guanabara. O putsch fracassou, desencadeando uma repressão severa e fulminante, que praticamente varreu o integralismo do cenário político brasileiro.
Político carismático, Getúlio aproveitou a dispersão dos dois blocos inimigos e a indefinição das restantes forças sociais para firmar-se no poder, com seu estilo pessoal de ditador. Desde 1930, nenhuma classe assumira o poder. As novas classes urbanas emergentes -- operários, funcionários públicos, profissionais liberais -- não tinham ainda suficiente consciência de classe para organizar-se; a alta burguesia, em pleno processo de diferenciação desde a falência do modelo agrário-exportador, preferiu deixar nas mãos da ditadura a condução do processo -- até porque Vargas revelou-se um hábil contemporizador, capaz de manipular com sucesso agitações e movimentos sociais.
Por meio dos seus interventores, em cada estado, e pelo rígido controle da máquina estatal, através do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e de outros organismos centralizadores, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), ou desestimuladores de quaisquer veleidades contestatórias, como o Tribunal de Segurança Nacional, Vargas conseguiu a hipertrofia total do executivo. Pôde assim realizar seus planos no campo trabalhista, com o que assegurou o apoio da massa: criou a Justiça do Trabalho, vinculou a organização sindical ao Ministério do Trabalho, por intermédio do imposto sindical, instituiu o salário mínimo e criou uma legislação trabalhista capaz de ajustar a mão-de-obra egressa do meio rural às condições do trabalho urbano. Propiciou assim, mediante o rígido controle sindical e a neutralização política do proletariado nascente, a expansão dos empreendimentos capitalistas, numa economia em franco processo de industrialização.
No elenco de medidas governamentais estado-novistas atinentes ao favorecimento do processo de industrialização, o passo mais significativo foi a busca da auto-suficiência no setor do aço. Em 1940, num hábil jogo com as rivalidades americanas e alemãs, o governo conseguiu do Import and Export Bank um financiamento no valor de 45 milhões de dólares para a instalação de uma siderúrgica de capital integralmente nacional e prioritariamente público. Instalada no município de Volta Redonda RJ, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) entrou em operação em 1946. Com ela o governo criou uma das bases imprescindíveis à formação de uma infra-estrutura capaz de acolher o desenvolvimento do ainda incipiente parque industrial brasileiro.
A participação do Brasil, ao lado dos aliados, na segunda guerra mundial, deixou clara a necessidade da volta ao regime democrático e representativo. Vargas ainda tentou, através do movimento chamado "queremismo" criar bases na esquerda para permanecer no poder. Mas os próprios militares, que antes o apoiavam, pressionaram também para a abertura do regime. Foram marcadas as eleições para 2 de dezembro de 1945 e formaram-se os partidos: a oposição ao Estado Novo concentrou-se na União Democrática Nacional (UDN) e lançou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes; os situacionistas criaram o Partido Social Democrático (PSD) e apresentaram como candidato o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Vargas e seus seguidores mais diretos alinharam-se no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Entretanto, novas tentativas continuístas, entre elas a nomeação do irmão do presidente, Benjamim Vargas, para chefiar a poderosa polícia do Distrito Federal, provocaram uma intervenção militar, e Vargas teve de deixar o poder, em 29 de outubro de 1945. A direção do país foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Linhares, e as eleições, realizadas em dezembro, deram a vitória a Dutra, por ampla margem. Findara assim o Estado Novo, e o país era completamente outro, com novos grupos sociais urbanos -- burguesia industrial, classes médias, proletariado -- infra-estrutura econômica, mercado de trabalho regulamentado e espaço econômico unificado, tudo propício a manter o processo de industrialização que já se firmara.
Período populista (1945-1964)
Governo Dutra. Durante o governo Dutra perdurou a união nacional do PSD com a UDN, surgida da necessidade de derrubar Vargas, e que propiciou a conciliação de interesses entre os amplos setores industriais urbanos. Entre o final da década de 1940 e o início da seguinte, tomou corpo o processo de industrialização que se iniciara no Estado Novo. No campo político, uma nova ideologia empolgou amplos setores da classe média, militares, estudantes, profissionais liberais, operários: o nacionalismo, cuja expressão mais significativa foi a campanha pelo petróleo, da qual surgiram a lei do monopólio estatal da prospecção e do refino e a criação da Petrobrás, em outubro de 1953.
Nas eleições de 1950, os candidatos à sucessão de Dutra, apresentados pela UDN (Eduardo Gomes) e PSD (Cristiano Machado) não conseguiram impedir a eleição do candidato do PTB, Getúlio Vargas, que no entanto teve de compor um governo de fisionomia conservadora, com a participação de elementos dos dois partidos de oposição. O movimento sindical já se organizara, e foi um dos apoios de Vargas, por meio do controle do Ministério do Trabalho e de conchavos com o governo, numa relação chamada de "peleguismo" -- de pelego, pele de carneiro colocada entre a sela e a garupa do cavalo, em alusão ao papel de intermediário entre o governo e as forças sindicais.
Segundo governo Vargas. Em que pese o apoio dos nacionalistas à defesa do petróleo e à tendência estatizante de seu governo, Vargas começou a detectar sinais claros da insatisfação de setores estratégicos de opinião, sobretudo dos representantes do capital estrangeiro e da burguesia nacional. Não obstante, também a classe média dava mostras de impaciência, como ficou claro pela eleição de Jânio Quadros para a prefeitura de São Paulo, sem apoio dos grandes partidos. Getúlio procedeu a uma mudança ministerial: convocou, para a pasta da Fazenda, Osvaldo Aranha, que atenuou a política cambial e tomou medidas de estabilização econômica; e para a do Trabalho, um jovem político gaúcho, até então desconhecido, João Goulart, que iniciou alianças com o movimento operário, em substituição à política populista de Vargas.
Em 1954, o governo propôs a elevação em cem por cento do salário mínimo, o que representava um ganho real para o trabalhador. Os militares pressionaram, e Vargas teve de recuar e substituir Goulart no Ministério do Trabalho. Mas durante a comemoração do dia do trabalho, a 1º de maio, Vargas promulgou o novo salário nas bases propostas, o que atraiu a ira da oposição udenista, representante dos interesses da burguesia industrial. A UDN, que até então mantivera uma política oposicionista de caráter moralizante, passou a acusar Vargas de pretender implantar no país uma "república sindicalista" nos moldes do peronismo argentino. O jornalista Carlos Lacerda assumiu a liderança nos ataques cada vez mais virulentos ao governo. Vargas respondeu com a criação da Eletrobrás, em abril de 1954 -- mais uma medida estatizante, contrária aos interesses da aliança entre o capital estrangeiro e a burguesia brasileira.
Em 5 de agosto de 1954 ocorreu no Rio de Janeiro um atentado contra Carlos Lacerda, no qual morreu o major Rubens Vaz, da Aeronáutica, e do qual foi acusado o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato. As investigações foram conduzidas pela Aeronáutica, na base aérea do Galeão, à revelia do governo. As pressões militares se avolumaram, a par com os ataques cada vez mais candentes dos parlamentares udenistas e dos grandes jornais. Exigia-se a renúncia de Vargas.
Na madrugada de 24 de agosto de 1954, o presidente suicidou-se com um tiro no peito, e deixou uma carta-testamento em que acusava os trustes estrangeiros de fomentarem uma campanha contra seu governo. A reação popular espontânea foi explosiva e amedrontou os setores de direita. O populismo renasceu na figura do candidato do PSD, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que substituiu Café Filho, vice-presidente de Vargas, que ocupara o governo na fase de transição. Como vice de Juscelino, elegeu-se João Goulart, herdeiro político presuntivo de Vargas, que carreara o apoio do PTB.
Governo Juscelino Kubitschek. O qüinqüênio de Kubitschek voltou-se para o desenvolvimento econômico e a política de industrialização. Expandiu-se a infra-estrutura de rodovias, ferrovias e portos, energia elétrica, armazéns e silos. A fim de atenuar as disparidades regionais, Juscelino criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e promoveu a interiorização, através de uma rede de estradas e da mudança da capital para Brasília. Nessa época, o centro de gravidade da economia já se localizava no setor industrial. Iniciou-se a fase de implantação das indústrias de bens de consumo duráveis e de bens de produção. Instalaram-se as indústrias automobilística, de eletrodomésticos, de construção naval, de mecânica pesada, de cimento, de papel e de celulose.
No início da década de 1960, o modelo populista-desenvolvimentista, que conseguira manter-se em clima de euforia e com poucos atritos internos, começou a dar mostras de esgotamento. O endividamento externo e a intensificação inflacionária começaram a alimentar uma crise profunda. A alta burguesia estava disposta a aceitar uma paralisação momentânea do desenvolvimento, em troca de uma política de austeridade e estabilização, preocupada com a orgia de gastos públicos decorrente da dispendiosa construção de Brasília, a nova capital federal, empreendimento sobre o qual acumulavam-se as denúncias de corrupção.
O político que assumiu a posição de defensor dessa política foi Jânio Quadros, que soube combinar habilmente a demagogia populista com a mística de austeridade e honestidade. Jânio já se mostrara um político competente, em uma meteórica trajetória política que, iniciada em Mato Grosso, culminara com o governo de São Paulo. Como o voto era desvinculado, Jânio estimulou a ligação de seu nome ao do vice-presidente João Goulart, candidato à reeleição na chapa situacionista encabeçada pelo marechal Teixeira Lott. A chamada "chapa Jan-Jan" (Jânio-Jango, apelido de João Goulart) tinha o apoio tanto da situação como das forças janistas, por meio de acordos de bastidores. Na eleição de 1960, Jânio foi eleito por grande maioria de votos e Goulart reeleito.
Governo Jânio Quadros. A fórmula adotada por Jânio foi combinar uma política interna conservadora, deflacionista e antipopular, com uma política externa de rompantes independentes, para atrair a simpatia da esquerda. Muito mais retórica que efetiva, essa política, que se notabilizou por ataques à China nacionalista e pela condecoração do líder da revolução cubana Ernesto "Che" Guevara, acabou por atrair a desconfiança da burguesia e a ira dos militares. O aumento das tarifas públicas, a ampliação da carga horária da burocracia estatal e a preocupação demagógica com questões insignificantes, como a proibição das brigas de galo e de transmissões de televisão que mostrassem moças de biquíni, acabaram por desgastar o apoio que ainda recebia da opinião pública.
No dia 24 de agosto de 1961, Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, acusou o presidente de intenções golpistas. A acusação culminava uma campanha que Lacerda iniciara praticamente logo após a posse de Jânio, a quem apoiara na eleição. Sempre postulante à presidência da república, Lacerda retomava assim a bandeira oposicionista e buscava angariar a confiança dos militares. Jânio aproveitou a acusação de golpismo para tentar uma manobra, menos de sete meses após sua posse: a renúncia, na esperança de voltar fortalecido ao governo com o apoio das massas. A manobra falhou, pois o Congresso aceitou imediatamente a renúncia e não houve nenhuma manifestação popular de apoio ao presidente demissionário, que saiu acusando vagamente "forças terríveis" de tramarem contra seu governo.
Com a renúncia de Jânio, deveria assumir o vice-presidente, João Goulart, que se encontrava em Cingapura, de volta de uma viagem à República Popular da China. Todavia, os setores militares e a alta burguesia, já alarmados com as aventuras esquerdistas de Jânio, não aceitaram a transmissão do cargo. Os três ministros militares declararam que o retorno de Goulart constituía uma "absoluta inconveniência", mas a Câmara dos Deputados firmou posição de cumprir a regra constitucional. Três governadores, de Mato Grosso, Goiás e Rio Grande do Sul, pronunciaram-se a favor da legalidade. Ante a iminência de uma guerra civil, chegou-se a uma medida de conciliação: a adoção do parlamentarismo, por emenda constitucional a ser referendada em plebiscito ao final do mandato. A posse de Goulart deu-se assim em uma presidência despojada da maioria dos seus poderes. Goulart foi empossado no dia 7 de setembro de 1961, cabendo a Tancredo Neves a chefia do governo, como primeiro-ministro.
Governo João Goulart. Em pouco mais de um ano, sucederam-se três primeiros-ministros -- Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima -- de atuação quase insignificante. Com apoio nas bases populares e sindicalistas, Goulart conseguiu antecipar o plebiscito para janeiro de 1963 e reverteu facilmente o sistema para o presidencialismo. Goulart passou então a manobrar para manter o apoio das bases populares e sindicais e ao mesmo tempo atrair as simpatias do centro político. Para isso, lançou o plano trienal de desenvolvimento econômico e social, em que defendia conjuntamente as reformas de base, agrárias e urbanas, medidas antiinflacionárias clássicas e investimentos estrangeiros. O resultado foi exatamente o oposto. O plano foi atacado tanto pela esquerda quanto pelos conservadores, todos preocupados mais com as implicações políticas que com os resultados práticos. O governo, atordoado pelas críticas de todos os lados e fustigado pelos problemas econômicos que se avolumavam, optou pelo apoio das esquerdas.
Estas estavam constituídas pelo sistema sindical legal e paralegal, agrupadas no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), no movimento estudantil e em pequenos blocos de matizes variados, desde as Ligas Camponesas, fundadas pelo deputado Francisco Julião em Pernambuco, até pequenos grupos de ativistas, vinculados a setores chegados ao presidente. No lado oposto, crescia o movimento conspiratório dentro das forças armadas, com o apoio dos setores mais ativos do empresariado industrial e rural, todos alarmados com as medidas que o governo tentava implantar: reforma agrária, limitação de remessa de lucros para o exterior, sindicalização rural; e com as manobras políticas que solicitava ao Congresso, como a intervenção política no estado da Guanabara, para desarticular a conspiração golpista liderada por Lacerda, e o estado de sítio.
A classe média, que aguardava ansiosa a marcha dos acontecimentos, começou a temer, embora ainda sem tomar declaradamente partido. Contudo, o comício realizado por Goulart no dia 13 de março de 1964, diante da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro, precipitou os acontecimentos. As lideranças militares e empresariais e os setores mais representativos da classe média uniram-se contra o governo, irritados menos pelas reformas do que pelos ataques dirigidos pelo deputado Leonel Brizola contra o Congresso. Em Belo Horizonte e São Paulo iniciaram-se grandes passeatas, promovidas por entidades da classe média, com apoio dos militares e empresários. Eram as "marchas da família com Deus pela liberdade", que pediam a deposição do governo e o fim da maré montante subversiva e da corrupção administrativa. O estopim para o golpe foi o motim dos marinheiros, no Rio de Janeiro, em 25 de março, que provocou a renúncia do ministro da Marinha. Em 31 de março, à noite, o movimento militar eclodiu em Belo Horizonte e espalhou-se rapidamente por todo o Brasil, praticamente sem reação da esquerda. Alguns políticos e líderes esquerdistas foram presos, a maioria fugiu em debandada, e Goulart exilou-se no Uruguai.
Regime militar (1964-1985)
Num período de 21 anos, desde a deposição de Goulart, em 1964, até 1985, sucederam-se no poder cinco governos militares, todos empossados sem eleição popular. Para dar um mínimo de aparência de legalidade, os "candidatos" submetiam-se à aprovação do Congresso, num jogo de resultados prévia e seguramente conhecidos. No entanto, ao tratar de evitar a ruptura completa com os fundamentos constitucionais da democracia representativa, os militares mantiveram a periodicidade dos mandatos e a exigência de um mínimo de legitimidade, por meio das eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da república e, posteriormente, para os governos estaduais e principais prefeituras. Mantiveram as casas legislativas e os calendários eleitorais, embora sujeitos a manipulações e restrições, e o alistamento eleitoral, que entre 1960 e meados da década de 1990 registrou um aumento superior a 500%.
Governo Castelo Branco. O primeiro presidente do governo militar foi o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que governou até 1967, num regime de absoluta austeridade. O sistema partidário foi reorganizado em dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. Nada mais artificial que esse esquema político, na verdade necessário apenas para coonestar o regime militar. O governo exercia-se na prática por meio dos atos institucionais, que foram sendo editados de acordo com as necessidades do momento: o nº 1 suspendeu parcialmente a constituição de 1946 e facultou a cassação de mandatos parlamentares e a suspensão de direitos políticos; o nº 2 renovou esses poderes e extinguiu os partidos políticos do passado; o nº 3, de 5 de fevereiro de 1966, determinou a eleição indireta do presidente e vice-presidente da república. Em janeiro de 1967 o Congresso aprovou uma constituição previamente preparada pelo executivo e não submetida a discussão.
Apesar do apoio militar maciço e de muitas das lideranças civis, Castelo Branco indispôs-se com três governadores que haviam conspirado a favor do golpe militar, na esperança de chegar à presidência, e que se viram frustrados com a prorrogação do seu mandato, de 31 de janeiro de 1966 para 15 de março de 1967. Foram eles o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, que teve os direitos políticos cassados, o governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e o governador de São Paulo, Ademar de Barros, que além dos direitos políticos suspensos, teve o mandato cassado.
Outro fator de irritação foi a decisão de realizar, com base na nova lei eleitoral, eleição direta para governador em dez estados, dentre os quais a Guanabara, onde venceu Francisco Negrão de Lima, e Minas Gerais, que elegeu Israel Pinheiro, ambos candidatos de oposição. O presidente Castelo Branco empreendeu também, por meio do seu ministro do Planejamento, Roberto Campos, a renovação do sistema tributário. Algumas conquistas dos trabalhadores oriundas do período Vargas, como a estabilidade do trabalhador, foram alteradas, por serem consideradas paternalistas e antieconômicas.
Governo Costa e Silva. O general Artur da Costa e Silva assumiu o governo em 15 de março de 1967, mas teve de deixá-lo em 31 de agosto de 1969, acometido de grave doença. Em seu curto governo, Costa e Silva tratou de consolidar a ordem constitucional, dando cumprimento à carta de 1967, outorgada no momento de sua posse. Seu ministro da Fazenda, Antônio Delfim Neto, executou uma política de dinamização da economia, com concessão de créditos e melhoria geral dos níveis salariais. Em seu governo foi adotado também o plano nacional de comunicações, base da modernização do sistema brasileiro de comunicações. No campo dos transportes, intensificou-se a opção pelas rodovias, embora tenham-se iniciado alguns estudos com vistas ao aproveitamento das vias fluviais. Foram também iniciados os estudos para a construção da ponte Rio-Niterói.
Com Costa e Silva, o Exército passou a controlar mais diretamente o aparelho de estado, que sofrera no governo anterior um processo de modernização burocrática e centralização administrativa. Ante as pressões oposicionistas, o início da resistência armada, a reativação do movimento estudantil e o surgimento de greves (numa mobilização das forças populares que durou todo o ano de 1968), agiu novamente a oposição interna ao regime, o que resultou na crise militar de dezembro daquele ano, quando o Congresso recusou o pedido de licença, feito pelo governo, para processar o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ), que, em discurso, concitara o país a não participar das comemorações pela independência, o que foi interpretado como um ataque às forças armadas.
Seguiu-se a promulgação, em 13 de dezembro de 1968, do ato institucional nº 5, que pôs em recesso o Congresso e todas as assembléias legislativas estaduais e renovou por período indefinido os poderes de exceção do presidente (autorização para governar por decreto e, de novo, para cassar mandatos e suspender direitos políticos). Com o Congresso em recesso, Costa e Silva encomendou ao vice-presidente Pedro Aleixo a elaboração de uma emenda que permitisse reabrir o Congresso e voltar à normalidade.
Entretanto, antes que pudesse assiná-la, o presidente foi vítima de uma trombose cerebral e teve de ser afastado do governo. Imediatamente os ministros militares comunicaram a Pedro Aleixo que não lhe entregariam o governo. Foi então constituída uma junta militar, formada pelos ministros do Exército, general Aurélio de Lira Tavares, da Marinha, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, e da Aeronáutica, Márcio de Sousa e Melo. A junta, em seu curto mandato, outorgou a emenda constitucional nº 1, na verdade um outro texto, que acentuou ainda mais o caráter ditatorial do regime: foi eliminada a soberania do júri e decretada a pena de morte em tempos de paz, nos casos de "guerra psicológica adversa, revolucionária ou subversiva". Pela emenda constitucional, o ato institucional nº 5 foi incorporado à constituição. Em 30 de outubro de 1969, a junta militar passou o poder ao general Emílio Garrastazu Médici, então comandante do Terceiro Exército, e que fora selecionado pelo alto comando do Exército e referendado pelo Congresso, especialmente reunido para esse fim.
Governo Médici. O governo do general Emílio Garrastazu Médici notabilizou-se por obras de grande porte, como as rodovias Transamazônica, Perimetral Norte e Santarém-Cuiabá, assim como a ponte Rio-Niterói, e concluiu um acordo para a construção da hidrelétrica de Itaipu e os pólos petroquímicos da Bahia e São Paulo. Foram os tempos do chamado "milagre brasileiro", comandado pelo ministro da Fazenda, Antônio Delfim Neto, quando o país alcançou taxas de crescimento superiores a dez por cento, e taxas inflacionárias de pouco mais de 14% ao ano. Somente com o passar dos anos se revelariam os custos do milagre: a inflação reprimida voltou a passos largos e os empréstimos externos, que haviam financiado o crescimento, implicaram taxas de juros elevadíssimas e a quase inadimplência do país.
No campo político, o governo Médici caracterizou-se por um combate cerrado aos movimentos de resistência armada ao regime, que criaram focos de guerrilha e promoveram assaltos a bancos e seqüestros de embaixadores. Entre 1969 e 1971 foram seqüestrados e trocados por presos políticos os embaixadores dos Estados Unidos, Alemanha e Suíça. A resposta do governo foi uma escalada da repressão, com uso da tortura como método usual de interrogatório. Em maio de 1972, o sistema de arbítrio foi reforçado com o estabelecimento de eleições indiretas para governadores e vice-governadores dos estados.
Governo Geisel. Com o general Ernesto Geisel, que governou de 1974 a 1979, foram tomadas as primeiras medidas de suavização do regime, entre elas a revogação do ato institucional nº 5. Pela primeira vez, no período militar, a oposição se fez ouvir, ao lançar como "anticandidato" o presidente do MDB, deputado Ulisses Guimarães. Empossado em plena crise mundial do petróleo, Geisel, que fora superintendente da refinaria Presidente Bernardes, membro do Conselho Nacional de Petróleo e presidente da Petrobrás, iniciou imediatamente a exploração da plataforma submarina, que a médio e longo prazo mostrou excelentes resultados. Instituiu também os "contratos de risco", que permitiram a associação com empresas estrangeiras, dotadas de capital e know-how, para explorar petróleo.
O aumento da receita em divisas, com as exportações de café e soja e o sucesso dos manufaturados brasileiros no exterior, aliviaram os problemas econômicos do país no governo Geisel. Contudo, já não era mais possível sustentar a mística de crescimento acelerado. Na frente política, o sucesso do MDB nas eleições de 1974, que elegeu 16 senadores e 160 deputados federais, de um total de 364, e obteve maioria nas assembléias legislativas de cinco estados, entre eles São Paulo e Rio de Janeiro, levou o governo a um certo retrocesso na prometida abertura política. Foi instituído o mandato presidencial de seis anos e a nomeação de um terço do Senado -- os chamados senadores "biônicos" -- pelo mesmo colégio eleitoral encarregado de escolher os governadores. Mas foram revogadas as penas de morte e banimento, eliminada a censura prévia à imprensa e extinta a todo-poderosa Comissão Geral de Investigações (CGI), que podia confiscar bens após processo sumário. O principal formulador das políticas do governo Geisel foi o general Golbery do Couto e Silva, chefe do gabinete civil. Com essa abertura, denominada pelo próprio Geisel de "lenta, segura e gradual", foi possível encaminhar a sucessão.
Governo Figueiredo. O último presidente militar foi o general João Batista Figueiredo, eleito tranqüilamente contra a chapa que, apresentada pelo MDB, tinha como candidato o general Euler Bentes. Na posse, o novo presidente jurou "fazer deste país uma democracia", e realmente continuou o processo de abertura política e redemocratização. Seu primeiro ato foi a anistia política, que permitiu a volta ao país de alguns exilados de peso, como Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes e Miguel Arraes. Veio depois a reforma partidária, que encerrou o bipartidarismo vigente. A Arena transformou-se em Partido Democrático Social (PDS) e o MDB, obrigado a mudar de sigla, optou por Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). A sigla do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, foi dada à deputada Ivete Vargas, sob protesto de Brizola, que fundou então o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Tancredo Neves e Magalhães Pinto criaram o Partido Popular (PP). E Luís Inácio Lula da Silva, líder sindical dos metalúrgicos do ABC paulista, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT). O principal interlocutor e arquiteto da abertura no governo Figueiredo foi seu ministro da Justiça, Petrônio Portela.
Figueiredo teve de suportar o inconformismo dos extremos: a extrema-direita provocou vários atentados terroristas, o mais grave dos quais ocorreu em 1981, no Riocentro, centro de exposições no Rio de Janeiro, onde se realizava um show comemorativo do dia do Trabalho. No atentado morreu um sargento e saiu ferido um capitão, que, segundo a versão oficial, estavam em missão de informações. O inquérito instaurado, como era previsto, nada apurou, e o general Golbery pediu demissão em sinal de protesto.
A esquerda procurou pressionar o projeto de anistia, a fim de que os militares acusados de tortura e morte continuassem passíveis de processo e punição. Estabeleceu-se, entretanto, um consenso político, aceito pela opinião pública, segundo o qual a anistia deveria abranger a todos indistintamente, de vez que os excessos haviam sido cometidos em ambas as frentes. De setembro a novembro de 1981, Figueiredo teve de submeter-se a uma cirurgia cardíaca nos Estados Unidos, e foi substituído temporariamente pelo vice-presidente Aureliano Chaves, primeiro civil a ocupar a presidência da república desde 1964.
No pleito de novembro de 1982 Franco Montoro, Leonel Brizola e Tancredo Neves, todos de oposição, foram eleitos governadores, respectivamente, de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O governo Figueiredo assimilou a derrota e garantiu a posse dos eleitos. Todavia, sofreu grande desgaste com a denúncia de escândalos financeiros, como os casos Capemi, Coroa-Brastel e Delfin, que representaram grandes prejuízos aos cofres públicos, devido aos financiamentos sem garantias e a omissões de fiscalização. Além disso, o temperamento explosivo do presidente criou vários incidentes, que se somaram para desgastar sua imagem, embora ele conduzisse com energia e coerência o processo de abertura.
Ao encerrar-se o governo Figueiredo, e com ele o período de 21 anos de regime militar, o país encontrava-se em situação econômica e financeira das mais graves. A dívida externa alcançara tetos astronômicos, por força dos juros exorbitantes. Emissões sucessivas destinadas a cobrir os déficits do Tesouro aumentaram assustadoramente a dívida interna. Em março de 1985, a taxa de inflação chegou a 234% anuais. No entanto, há pontos a creditar aos governos militares, como a redinamização da economia, que alcançou altos níveis de crescimento, a modernização do país, principalmente na área dos transportes e comunicações, o incremento das exportações, e a política energética, sobretudo a criação do Proálcool e o aumento dos investimentos na prospecção petrolífera, como resposta à crise mundial de petróleo de 1973. Os resultados negativos foram a excessiva concentração de renda, o aumento vertiginoso da dívida externa, o decréscimo substancial do nível do salário real, o excessivo estatismo, a censura absoluta aos meios de comunicação e a falta de representatividade do governo. A tecnoburocracia, encastelada em Brasília, dirigiu a economia do país sem nenhuma consulta aos setores envolvidos, muitas vezes com resultados desastrosos.
No campo da política externa, o Brasil havia adotado, a partir do governo Geisel, uma atitude mais crítica em relação às potências ocidentais. A política do "pragmatismo responsável", posta em vigor pelo chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira, significou na prática uma revisão do alinhamento automático e uma aproximação com os países do Terceiro Mundo. Em 1975 foram estabelecidas relações diplomáticas com a China, rompidas em 1964, e o Brasil votou na ONU a favor de uma resolução que condenava o sionismo como forma de racismo e discriminação racial, contra o voto das potências ocidentais.
No governo Figueiredo, a política externa foi entregue ao chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, que continuou a defender o princípio da não-intervenção e da autodeterminação dos povos. Durante a guerra das Malvinas, em 1982, o Brasil, que voltara a harmonizar suas relações com a Argentina, abaladas desde o projeto da hidrelétrica de Itaipu, manteve o apoio às pretensões argentinas de soberania sobre as ilhas. O restabelecimento da liberdade de imprensa e dos direitos políticos, a anistia e outras medidas de abertura política melhoraram sensivelmente a imagem externa do país.
Normalização institucional
Governo Sarney. No final de 1983 iniciou-se o movimento pelas eleições diretas para presidente da república, conhecido como campanha das "diretas já". No decorrer de 1984 a campanha mobilizou milhões de pessoas, em gigantescos comícios e passeatas em todo o Brasil. Mesmo assim, a emenda constitucional nesse sentido, apresentada pelo deputado Dante de Oliveira, do PMDB de Mato Grosso, não foi aprovada por falta de quórum. No dia da votação, o governo decretou o estado de emergência no Distrito Federal e em dez municípios de Goiás, inclusive Goiânia, e impediu a pressão dos manifestantes. Em junho de 1984, o senador José Sarney renunciou à presidência do PDS e formou a Frente Liberal, que apoiou a candidatura de Tancredo Neves à presidência. Em agosto, a Frente Liberal e o PMDB uniram-se e Sarney foi escolhido como candidato a vice-presidente. Avolumaram-se as adesões à Frente, que depois transformou-se em Partido da Frente Liberal (PFL). No final do ano, o Colégio Eleitoral -- composto pelos membros do Congresso Nacional e por representantes das assembléias legislativas estaduais -- elegeu a chapa Tancredo Neves-José Sarney, contra Paulo Maluf.
O presidente eleito empreendeu uma viagem a vários países e ao voltar dedicou-se à organização do seu governo. Entretanto, na véspera da data marcada para sua posse, Tancredo foi internado num hospital de Brasília, para uma cirurgia. Em seu lugar, tomou posse, interinamente, o vice José Sarney. Depois de prolongada agonia, Tancredo veio a falecer em São Paulo, em 21 de abril de 1985, e um sentimento geral de frustração tomou conta do país. Todas as expectativas concentraram-se então em implementar o plano de governo por ele anunciado. Em linhas gerais, o seu plano condenava qualquer atitude revanchista, pregava a união nacional, a normalização institucional em moldes democráticos e a retomada do desenvolvimento.
Sarney sabiamente escolheu uma posição de modéstia, que atraiu a simpatia popular. Manteve os ministros escolhidos por Tancredo e encampou suas idéias básicas de formar um pacto nacional para a redemocratização do país, no período de governo civil que se iniciava, e que ficou conhecido como Nova República. Em julho de 1985 o Congresso aprovou proposta do presidente no sentido de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte, a ser formada pelos parlamentares que seriam eleitos em novembro de 1986. O sistema partidário ampliou-se e passou a abrigar várias legendas novas, até mesmo de partidos de esquerda, antes na clandestinidade. Em novembro de 1985 foram realizadas eleições para as capitais dos estados e para os municípios considerados áreas de segurança nacional. Embora vencedor em 16 das 23 capitais, entre elas Belo Horizonte, o PMDB perdeu em centros importantes como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Fortaleza.
O governo, assediado pelas crescentes taxas de inflação, substituiu o ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, pelo empresário Dílson Funaro. Em fevereiro de 1986 foi lançado o Programa de Estabilização Econômica, que ficou conhecido como "Plano Cruzado", em alusão à nova moeda criada, o cruzado. Os preços foram congelados e os salários fixados pela média dos últimos seis meses. Foi extinta a correção monetária e criado o seguro-desemprego. O governo recebeu amplo apoio popular, sobretudo na fiscalização dos preços. No entanto, a especulação, a cobrança de ágio e as remarcações de preços acabaram por desgastar o plano, reformulado várias vezes.
Empossada a Assembléia Nacional Constituinte, Sarney mobilizou-se para assegurar o sistema presidencialista e garantir o mandato de cinco anos, que os constituintes queriam reduzir para quatro. As manobras de bastidores, noticiadas pela imprensa, com trocas de favores por votos, desgastaram a imagem presidencial, agravada pelo aumento da inflação, que voltou aos patamares do início do governo. Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a nova constituição, que trouxe um notável avanço no campo dos direitos sociais e trabalhistas: qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional; determinou a eleição direta do presidente, governadores e prefeitos dos municípios com mais de 200.000 habitantes em dois turnos, no caso de nenhum candidato obter maioria absoluta no primeiro; e ampliou os poderes do Congresso.
No final de 1989, o governo Sarney atingiu um desgaste impressionante. A inflação chegou a cinqüenta por cento ao mês e foi trazida de volta a correção monetária. Nesse clima de insatisfação e de temor de um processo hiperinflacionário, foi realizada a primeira eleição presidencial direta em 29 anos. Apresentaram-se 21 candidatos, entre eles Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Paulo Maluf e Ulisses Guimarães. Mas o segundo turno foi decidido entre os pólos extremos: Luís Inácio Lula da Silva, do PT, e o jovem ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo, do Partido de Reconstrução Nacional (PRN). Collor elegeu-se com uma diferença superior a quatro milhões de votos.
Governo Collor. Tão logo assumiu o governo, em 15 de março de 1990, Collor baixou o mais drástico pacote econômico da história do país, que bloqueou cerca de dois terços do dinheiro circulante. A inflação, após súbita queda, voltou a subir. A ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, foi substituída por Marcílio Marques Moreira. Para os Ministérios da Justiça e da Saúde, foram convidados, respectivamente, Célio Borja e Adib Jatene. Com esses nomes, de excelente reputação moral e competência profissional, Collor tentou reaver credibilidade para seu governo. Nesse momento começaram as denúncias de corrupção em vários ministérios, que culminaram com as acusações, feitas pelo próprio irmão do presidente, Pedro Collor de Melo, de um gigantesco esquema de corrupção, capitaneado por Paulo César Cavalcanti Farias, tesoureiro da campanha presidencial de Collor.
O processo avolumou-se rapidamente, e logo multidões saíram em passeatas pelas ruas para exigir o impeachment. Em 29 de setembro, ao fim de uma tensa Comissão Parlamentar de Inquérito iniciada em junho, a Câmara dos Deputados autorizou o Senado Federal a processar o presidente por crime de responsabilidade; em 2 de outubro, Collor foi afastado e o vice-presidente Itamar Franco assumiu interinamente a presidência. Em 29 de dezembro, pouco depois de iniciado seu julgamento pelo Senado, Collor renunciou e Itamar foi confirmado em definitivo no cargo.
Governo Itamar Franco. Itamar tornou-se presidente num dos momentos mais graves da história brasileira. Além da crise política que colocou à prova a estabilidade das instituições, o país enfrentava também grandes dificuldades na área econômica, com recessão, desemprego e crescente inflação. Logo que assumiu, ainda interino, Itamar nomeou novo ministério (de caráter multipartidário, para tentar garantir apoio do Congresso) e baixou medida provisória destinada a reverter a centralização administrativa estabelecida pelo governo Collor: superministérios como os da Economia, Fazenda e Planejamento e o da Infra-estrutura foram desmembrados. O novo mandatário também tomou iniciativas destinadas a moralizar a administração pública, tais como a criação do Centro Federal de Inteligência (CFI).
Em outubro e novembro de 1992 realizaram-se em todo o país eleições municipais; os partidos de esquerda foram os mais beneficiados. Em 21 de abril de 1993 os eleitores retornaram às urnas para decidir sobre o sistema e a forma de governo, como previra a constituição de 1988: venceu a república presidencialista. O ano de 1993 foi marcado ainda por denúncias de corrupção e banditismo na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional, envolvendo aproximadamente duas dezenas de parlamentares. O fato levou à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que teve como presidente o senador Jarbas Passarinho e como relator o deputado Roberto Magalhães.
Ansioso por mostrar resultados no combate à inflação, Itamar acabou batendo o recorde de nomear quatro ministros da Fazenda (Gustavo Krause, Paulo Haddad, Eliseu Resende e Fernando Henrique Cardoso) em sete meses. Fernando Henrique, sociólogo e senador, que antes ocupava a pasta das Relações Exteriores, começou por mudar a moeda de cruzeiro para cruzeiro real, com o corte de três zeros. Em seguida, o ministro e sua equipe elaboraram um plano de combate gradativo à inflação que previa o emprego de uma unidade monetária provisória (a Unidade Real de Valor, urv) em antecipação ao lançamento de uma moeda forte, o real. No final de abril de 1994, Cardoso deixou o Ministério da Fazenda para concorrer à presidência da república nas eleições de outubro.
Governo Fernando Henrique Cardoso. Lançado o real em 1º de julho e com a estabilidade econômica que se seguiu, a popularidade de Fernando Henrique Cardoso, o que lhe permitiu derrotar Luís Inácio Lula da Silva logo no primeiro turno da eleição, com 54,30% dos votos válidos contra 27,97%. No Congresso, a coalizão de Cardoso assegurou 36% das cadeiras da Câmara e 41% das do Senado. Enquanto isso, o governo tomava uma série de medidas para proteger a nova moeda, como a restrição ao crédito (para coibir excesso de consumo) e liberalização das importações (para evitar desabastecimento e estimular a concorrência).
Empossado em 1º de janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso mobilizou sua base de apoio para aprovar várias reformas constitucionais. A estabilidade monetária ajudou o governo a quebrar o monopólio da Petrobrás na exploração de petróleo e privatizar diversas estatais, incluindo a Vale do Rio Doce e o sistema Telebrás. Também foi aprovado o fim da estabilidade dos servidores públicos e alteraram-se as regras para concessão de aposentadorias.
Em 1997, o governo fez aprovar a emenda constitucional que autorizava a reeleição do presidente da república, governadores e prefeitos. O último ano do governo Fernando Henrique foi o mais difícil, devido ao aumento do desemprego e a uma forte perda de divisas, em decorrência da crise financeira mundial. Isso obrigou o governo a anunciar um acordo com o fmi que levaria a um duro conjunto de medidas econômicas. Contudo, o presidente conseguiu se reeleger no primeiro turno do pleito presidencial, em 15 de outubro de 1998, derrotando novamente Luís Inácio Lula da Silva com 53,06% dos votos válidos contra 31,71% do candidato do pt.
Instituições políticas
Poder executivo. O Brasil é uma república federativa de tipo presidencialista, com 26 estados e um distrito federal. A constituição em vigor, a oitava desde a independência, foi promulgada em 5 de outubro de 1988. O poder executivo federal é exercido pelo presidente da república, eleito por sufrágio direto, em eleição de dois turnos, e substituído em seus impedimentos pelo vice-presidente. Colaboram com o chefe do executivo os ministros de estado, por ele nomeados. No plano estadual, o poder executivo é exercido pelo governador, substituído em seus impedimentos pelo vice-governador, e auxiliado por seus secretários de estado; e no plano municipal, pelo prefeito, substituído em seus impedimentos pelo vice-prefeito, e auxiliado pelos secretários municipais. As unidades da federação subdividem-se em municípios. A sede de cada município toma seu nome e tem oficialmente a categoria de cidade.
Poder legislativo. O poder legislativo é exercido, no âmbito federal, pelo Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Os membros do Senado (três por unidade da federação), eleitos para mandatos de oito anos, são representantes dos estados e do distrito federal; o Senado é renovado a cada quatro anos, na primeira vez em um terço de seus membros e da segunda vez nos dois terços restantes. A Câmara dos Deputados é formada por representantes do povo, em número proporcional à população de cada estado e do distrito federal, procedendo-se aos ajustes necessários no ano anterior às eleições, a fim de que nenhuma das unidades da federação tenha menos de oito ou mais de setenta deputados. A eleição dos congressistas é direta.
Na esfera estadual, o poder legislativo é exercido pelas assembléias legislativas, cujo número de deputados corresponderá ao triplo da representação do estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de 36, será acrescido de tantos quantos forem os deputados federais acima de 12. Os deputados estaduais são eleitos para mandatos de quatro anos. No âmbito municipal, funcionam as câmaras municipais, cujo número de vereadores é proporcional à população do município, observados os seguintes limites: mínimo de nove e máximo de 21 nos municípios de até um milhão de habitantes; mínimo de 33 e máximo de 41 nos municípios com mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; e mínimo de 42 e máximo de 55 nos municípios com mais de cinco milhões de habitantes.
Poder judiciário. O poder judiciário é constituído pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal (stf), Superior Tribunal de Justiça (stj), tribunais regionais federais e juízes federais, tribunais e juízes do trabalho, tribunais e juízes eleitorais, tribunais e juízes militares, e tribunais e juízes dos estados, do distrito federal e dos territórios. Tanto o stf quanto os tribunais superiores -- como o Tribunal Superior do Trabalho (tst), o Tribunal Superior Eleitoral (tse) e o Superior Tribunal Militar (stm) -- têm sede na capital federal e jurisdição sobre todo o território nacional. O stf é composto de 11 ministros e tem como competência precípua a guarda da constituição. O stj compõe-se de, no mínimo, 33 ministros.
Relações internacionais. O Brasil é um dos membros fundadores da Organização das Nações Unidas (onu), na qual foi admitido em 24 de outubro de 1945. Participa de 32 comissões internacionais da onu e de diversos outros organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (oea), a Associação Latino-Americana de Integração (aladi) e do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul).
Sociedade
As bases da moderna sociedade brasileira remontam à revolução de 1930, marco referencial a partir do qual emerge e implanta-se o processo de modernização. Durante a República Velha (ou primeira república), o Brasil era ainda o país essencialmente agrícola, em que predominava a monocultura. O processo de industrialização apenas começava, e o setor de serviços era muito restrito. A chamada "aristocracia rural", formada pelos senhores de terras, estava unida à classe dos grandes comerciantes. Como a urbanização era limitada e a industrialização, incipiente, a classe operária tinha pouca importância na caracterização da estrutura social. A grande massa de trabalhadores pertencia à classe dos trabalhadores rurais. Somente nas grandes cidades, as classes médias, que galgavam postos importantes na administração estatal, passavam a ter um peso social mais significativo.
No plano político, o controle estatal ficava nas mãos da oligarquia rural e comercial, que decidia a sucessão presidencial na base de acordos de interesses regionais. A grande maioria do povo tinha uma participação insignificante no processo eleitoral e político. A essa estrutura social e política correspondia uma estrutura governamental extremamente descentralizada, típica do modelo de domínio oligárquico.
Durante a década de 1930 esse quadro foi sendo substituído por um modelo centralizador, cujo controle ficava inteiramente nas mãos do presidente da república. Tão logo assumiu o poder, Getúlio Vargas baixou um decreto que lhe dava amplos poderes governamentais e até mesmo legislativos, o que abolia a função do Congresso e das assembléias e câmaras municipais. Ao invés do presidente de província, tinha-se a figura do interventor, diretamente nomeado pelo chefe do governo e sob suas ordens. Essa tendência centralizadora adquiriu novo ímpeto com o golpe de 1937. A partir daí, a União passou a dispor de muito mais força e autonomia em relação aos poderes estaduais e municipais. O governo central ficou com competência exclusiva sobre vários itens, como a decretação de impostos sobre exportações, renda e consumo de qualquer natureza, nomear e demitir interventores e, por meio destes, os prefeitos municipais, arrecadar taxas postais e telegráficas etc. Firmou-se assim a tendência oposta à estrutura antiga.
Outra característica do processo foi o aumento progressivo da participação das massas na atividade política, o que corresponde a uma ideologização crescente da vida política. No entanto, essa participação era moldada por uma atitude populista, que na prática assegurava o controle das massas pelas elites dirigentes. Orientadas pelas manobras personalistas dos dirigentes políticos, as massas não puderam dispor de autonomia e organização suficientes para que sua participação pudesse determinar uma reorientação político-administrativa do governo, no sentido do atendimento de suas reivindicações. Getúlio Vargas personificou a típica liderança populista, seguida em ponto menor por João Goulart e Jânio Quadros.
Sociedade moderna. O processo de modernização iniciou-se de forma mais significativa a partir da década de 1950. Os antecedentes centralizadores e populistas condicionaram uma modernização pouco espontânea, marcadamente tutelada pelo estado. No espaço de três décadas, a fisionomia social brasileira mudou radicalmente. Em 1950, cerca de 55% da população brasileira vivia no campo, e apenas três cidades tinham mais de 500.000 habitantes; na década de 1990, a situação se alterara radicalmente: 75,5% da população vivia em cidades. A industrialização e o fortalecimento do setor terciário haviam induzido uma crescente marcha migratória em dois sentidos: do campo para a cidade e do norte para o sul. Em termos de distribuição por setores, verifica-se uma forte queda relativa na força de trabalho empregada no setor primário.
O segundo governo Vargas (1951-1954) e o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) foram períodos de fixação da mentalidade desenvolvimentista, de feição nacionalista, intervencionista e estatizante. No entanto, foram também períodos de intensificação dos investimentos estrangeiros e de participação do capital internacional. A partir do golpe militar de 1964, estabeleceu-se uma quebra na tradição populista, embora o governo militar tenha continuado e até intensificado as funções centralizadoras já observadas, tanto na formação de capital quanto na intermediação financeira, no comércio exterior e na regulamentação do funcionamento da iniciativa privada. As reformas institucionais no campo tributário, monetário, cambial e administrativo levadas a efeito sobretudo nos primeiros governos militares, ensejaram o ambiente propício ao crescimento e à configuração moderna da economia. Mas não se desenvolveu ao mesmo tempo uma vida política representativa, baseada em instituições estáveis e consensuais. Ficou assim a sociedade brasileira marcada por um contraste entre uma economia complexa e uma sociedade à mercê de um estado atrasado e autoritário.
Ao aproximar-se o final do século xx, a sociedade brasileira apresentava um quadro agudo de contrastes e disparidades, que alimentavam fortes tensões. O longo ciclo inflacionário, agravado pela recessão e pela ineficiência e corrupção do aparelho estatal, aprofundou as desigualdades sociais, o que provocou um substancial aumento do número de miseráveis e gerou uma escalada sem precedentes da violência urbana e do crime organizado. O desânimo da sociedade diante dos sucessivos fracassos dos planos de combate à inflação e de retomada do crescimento econômico criavam um clima de desesperança. O quadro se complicava com a carência quase absoluta nos setores públicos de educação e saúde, a deterioração do equipamento urbano e da malha rodoviária e a situação quase falimentar do estado.
Educação
Os problemas da educação no Brasil estão afetos, em nível nacional, ao Ministério da Educação, que funciona por meio das delegacias sediadas nas capitais dos estados. Em nível estadual e municipal, às secretarias de Educação.
O modelo de substituição de importações, adotado desde o governo Juscelino Kubitschek e reforçado no período militar, deu prioridade apenas ao ensino superior, a fim de melhor preparar a elite para gerir as grandes obras de infra-estrutura e absorver rapidamente tecnologias importadas. A ausência de uma perspectiva em que a educação das massas fosse vista como complemento indispensável à formação e ao fortalecimento de um estado nacional explica em parte a falência geral do ensino de primeiro e segundo graus no Brasil.
No campo da educação de base, foi criado no governo Costa e Silva, em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), com a meta de alfabetizar adultos, na faixa de 12 a 35 anos. Sem atuar diretamente na alfabetização, o Mobral orientava, supervisionava, coordenava e financiava supletivamente tudo que fosse feito nesse sentido pelo município ou comunidade interessada. O programa propunha-se à extinção do analfabetismo, ou pelo menos a sua redução para um nível residual inferior a dez por cento, índice considerado satisfatório pela unesco. Mas tanto o Mobral quanto a Fundação Educar, que o substituiu, e o Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania (pnac), criado no governo Collor, ficaram muito aquém do pretendido, e o número de analfabetos continuou bastante elevado.
A partir da redemocratização, iniciou-se no Rio de Janeiro, por iniciativa do governo Leonel Brizola, um plano do sociólogo Darci Ribeiro, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, denominado Centro Integrado de Educação Pública (ciep). Cada unidade se destina a oferecer educação integral aos alunos da rede pública, além de quadras de esporte e refeições. No governo Fernando Collor, esse projeto foi ampliado em escala nacional para o Centro Integrado de Apoio à Criança (ciac), projeto ainda mais ambicioso e destinado aos mesmos fins. Tanto um como outro projeto, porém, não deram a mesma atenção aos problemas cruciais do corpo docente, desde sua preparação e treinamento até sua remuneração em níveis condizentes com a importância do magistério. A profissão tornou-se assim uma espécie de emprego complementar, no qual o profissional não tem condições de investir o tempo adequado.
Segundo dados estatísticos do final do século xx, mantido o ritmo observado por ocasião da pesquisa, o país somente conseguiria dar o primeiro grau completo a 95% de sua juventude por volta do ano 2100; e o segundo grau completo para noventa por cento de uma geração, no ano 3080. Como esses percentuais eram já observados nos países desenvolvidos e nos países do bloco denominado "tigres asiáticos", os dados colocavam o Brasil em uma situação de falência em relação ao problema. O quadro agravou-se com o aumento das disparidades entre a rede pública e a particular, essa última somente franqueada às famílias de poder aquisitivo muito acima da média brasileira. Em termos práticos, a conseqüência foi a elitização vertiginosa do ensino.
Ensino superior. A expansão, a partir de 1971, do ensino superior destinou-se a resolver dois problemas básicos: por um lado, formar recursos intelectuais suficientes para a demanda de quadros que deveria ser sempre crescente, a julgar pela euforia dos planos de crescimento econômico; por outro lado, deter a avalanche de protestos da classe estudantil, para a qual a exigüidade de vagas na rede pública de ensino superior fechava qualquer possibilidade de acesso às melhores fatias do mercado de trabalho. O resultado dessa política foi a proliferação de cursos superiores isolados, depois transformados em universidades, na maioria dos casos sem os requisitos acadêmicos mínimos. O corpo docente, recrutado às pressas e sem um critério seletivo rigoroso, encontrou nessas novas unidades de ensino grande deficiência de equipamentos e recursos didáticos. Para a universidade pública, além do inchamento do quadro funcional, foram incluídos cursos de pouco conteúdo acadêmico, que por serem eminentemente técnicos, poderiam ser supridos por cursos profissionalizantes e complementados com a prática profissional.
No final do século xx, o Ministério da Educação criou a Comissão Nacional de Avaliação de Universidades, com a finalidade de acompanhar o panorama acadêmico e incentivar a auto-avaliação e a avaliação externa das escolas. A despeito da crise, algumas universidades brasileiras apresentavam níveis de excelência em muitos dos seus cursos, como a Universidade de São Paulo (usp) e a Universidade de Campinas (Unicamp), ambas públicas e estaduais, e as universidades federais de Viçosa (ufv), do Rio de Janeiro (ufrj) e de Santa Catarina (ufsc); a Fundação Getúlio Vargas (fgv), a Universidade Nacional de Brasília (UnB) e algumas particulares, como a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc), o Instituto Metodista de Ensino Superior de São Bernardo do Campo (ims) e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (impa), localizado no Rio de Janeiro e subordinado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (cnpq).
Saúde
Todos os problemas ligados à saúde, desde a prevenção de surtos epidêmicos e o controle de endemias, até a fabricação de medicamentos e a fiscalização do exercício da medicina e de outras profissões paramédicas, estão afetos em nível nacional ao Ministério da Saúde e, em nível estadual e municipal, às secretarias de Saúde. Na linha adotada pela constituição de 1988, as ações e serviços de saúde pública passaram a obedecer a uma política de descentralização, visando o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas. Foi assim constituído um Sistema Único de Saúde (sus), com a finalidade de controlar e fiscalizar produtos, procedimentos e substâncias de interesse para a saúde, executar vigilância sanitária, ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde, participar da política de saneamento básico, incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico e colaborar na proteção do meio ambiente. A Central de Medicamentos (Ceme) encarrega-se da compra de matéria-prima e fabricação de medicamentos básicos, a serem repassados à população carente através do sus. A previdência está centralizada no Ministério da Previdência, que age por meio do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (Sinpas), criado em 1976, e que atua através do Instituto Nacional de Seguro Social (inss), responsável pela arrecadação de contribuições e pagamento de benefícios.
A intenção de casar a ação pública à participação comunitária, expressa nos artigos constitucionais que definem o sus, esbarrou na dificuldade em obter o concurso efetivo da comunidade, devido à desconfiança generalizada em relação ao sistema. A municipalização visava criar sistemas locais inseridos no contexto comunitário, de forma a facilitar o acesso dos usuários ao atendimento médico e permitir que o próprio usuário participe do controle de qualidade do sistema. Mas ao cabo de apenas uma década de implantação, verificou-se que o sus não só falhara em obter tal participação, como na maioria dos casos, a transferência para a autoridade estadual e municipal da gerência das unidades médico-hospitalares resultou no sucateamento e quase abandono de tais unidades. Dessa forma, ao final do século xx o país apresentava um quadro de saúde extremamente deteriorado e com disparidades aberrantes: as regiões Sul e Sudeste concentravam 55% dos 6.532 hospitais existentes; 35% de toda a rede estava instalada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná; do total da população brasileira, 76% serviam-se da precária rede de medicina pública, e desse percentual, 35% eram miseráveis, outros 21% possuíam planos supletivos de saúde e apenas 3% tinham acesso a médicos particulares.
O Brasil ocupava no início da década de 1990 o 63º lugar na lista dos países que mais investiam em saúde. Mas ao mesmo tempo em que a população crescia, diminuíam os recursos destinados à área. Nesse quadro, a saúde pública no Brasil padecia de uma fraca medicina preventiva e de péssimas condições de higiene para a grande maioria da população, o que explica por que muitas epidemias tornaram-se endêmicas, como ocorreu com a cólera na primeira metade da década de 1990. O atendimento hospitalar público era precário, com permanente falta de medicamentos e equipamentos mínimos, agravada pela baixa remuneração dos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde e pela má gerência dos recursos existentes.
Religião
Desde o século xix o Brasil não possui religião oficial. Pode-se afirmar que é um país predominantemente católico, e já foi muitas vezes apresentado como "o maior país católico do mundo". Essa afirmação, entretanto, contém um certo exagero, se for considerada a proliferação de crenças não- católicas, de feição protestante, ou até mesmo não- cristãs, se englobadas as religiões de origem africana. Mais supersticioso que místico, mais inclinado à fantasia mágica do que a uma autêntica espiritualidade, o brasileiro, em sua grande maioria, vive à mercê de ideologias salvacionistas, que ora englobam práticas de feição oriental e fragmentos do conhecimento esotérico, ora mascaram-se em assistencialismo dito cristão. O catolicismo ortodoxo, o islamismo e o budismo têm pouca tradição popular no Brasil.
Esse quadro foi formado ao longo de cinco séculos, com alternâncias que correspondem, grosso modo, a três períodos históricos: (1) a colônia, quando predominava absoluto o catolicismo, com manifestações esporádicas do judaísmo, perseguido pela Inquisição e reduzido à clandestinidade, e do protestantismo, dos calvinistas franceses e holandeses, perseguidos e liquidados pelas armas; (2) o império, em que o catolicismo continuou hegemônico, mas já erodido pela influência das correntes liberais européias, sobretudo pelo positivismo e pela maçonaria, e por influências de outras correntes religiosas, como o espiritismo e o protestantismo; (3) a república, quando a tendência é a expansão das religiões de massa, dos sincretismos religiosos afro-brasileiros e dos cultos pentecostais.
Catolicismo. O descobrimento do Brasil, como toda a conquista do império colonial português, teve um aspecto essencialmente religioso. A colonização orientou-se pelo espírito missionário da nação. Foi sob o signo da Ordem de Cristo que se descobriu o Brasil. Fundada por D. Dinis, em 1319, essa ordem usou os recursos de que dispunha para reunir os mais competentes geógrafos e navegadores e para equipar uma série de expedições, com o propósito tanto de combater os muçulmanos quanto de descobrir novas rotas marítimas e novas terras. À época do descobrimento do Brasil, o rei exercia poderes muito amplos de ordem espiritual, baseados no padroado, isto é, no direito de conferir benefícios eclesiásticos, inerentes à própria Ordem de Cristo. Com o correr do tempo, as funções da coroa e do grão-mestrado da ordem, a ela anexado desde 1551 pelo papa Júlio iii na bula Praeclara clarissimi, fundiram-se praticamente. Resultou daí que a expansão da igreja no Brasil foi feita em união com o estado.
O rei, na qualidade de grão-mestre, recebia os dízimos, tributos puramente eclesiásticos, e que eram uma das maiores fontes de renda da colônia. Além disso, propunha à Santa Sé os bispos e arcebispos e a estes os cônegos e párocos. As igrejas matrizes e as catedrais eram construídas e mantidas pelo estado. Da mesma forma, a expansão da igreja acompanhou sempre a conquista militar da colônia. O povoador exigia a presença da igreja e não concebia a existência sem os socorros espirituais. Daí a construção de inúmeras capelas, ou simples centros de devoção, ter precedido muitas vezes a instalação do núcleo administrativo municipal.
Catequese. Tão logo foram instalados os primeiros centros administrativos, as ordens religiosas iniciaram o trabalho de conversão dos gentios. Em 1549, chegaram os primeiros jesuítas à Bahia, com o primeiro governador-geral, para iniciar o trabalho sistemático de catequese. O padre Manuel da Nóbrega, por seu tirocínio político, e o padre José de Anchieta, pela sinceridade de sua convicção, são as principais figuras das missões católicas no Brasil-colônia. Vieram depois outras ordens religiosas, que desenvolveram trabalhos igualmente profícuos, como os franciscanos, beneditinos e carmelitas. Naturalmente o trabalho dos catequistas nunca foi pacífico. Ao lado das inúmeras dificuldades naturais, tiveram de defender as populações nativas contra a sanha dos colonos, interessados no trabalho escravo dos índios; e também de lidar com incompreensões e intransigências da cúpula da igreja, desde a fundação do primeiro bispado brasileiro, na Bahia, sede do governo colonial, em 1551. O primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha, entrou em choque com os missionários, por não concordar com a tolerância à nudez natural dos selvagens, ou a introdução da música e dos instrumentos indígenas nas cerimônias litúrgicas.
A força civilizadora da igreja manifestava-se por três modos: o episcopado, com o clero secular, as ordens religiosas e as corporações leigas -- ordens terceiras, irmandades e confrarias. Tais corporações eram organizadas por classes sociais e profissões. Assim, as ordens terceiras, como a do Carmo e a de S. Francisco, eram constituídas pelas elites locais; as irmandades, pelas profissões, como São José dos Carpinteiros, Santo Elói dos Ourives, São Jorge dos Ferreiros. Os negros mantinham irmandades próprias, como a de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Santa Ifigênia. Nessas irmandades, as autoridades religiosas permitiam a prática de formas exóticas de culto, com música e danças típicas e eleições de "reis" e "rainhas". Os pardos tinham também associações próprias, como a de São Gonçalo Garcia ou a do Cordão de São Francisco. Nas matrizes funcionava geralmente a Irmandade do Santíssimo Sacramento. Uma das principais organizações era a da Santa Casa de Misericórdia, que exercia funções de assistência social, mantinha hospitais, asilos para pobres e velhos, cuidava dos expostos e dos presos e assistia os condenados à morte.
Os conventos constituíam os centros de cultura. Além das formações dos próprios religiosos que recebiam graus acadêmicos por direito pontifício, permitiam a freqüência de leigos nos seus cursos. Em alguns bispados abriram-se igualmente seminários que quase sempre acolhiam leigos. No Rio de Janeiro chegou a haver três deles, um dos quais, o de São Joaquim, foi, em 1838, transformado no Colégio Pedro II. As antigas ordens religiosas militares, por essa época, já se encontravam laicizadas e constituíam simples honrarias conferidas pelo poder civil.
Competia ainda às ordens religiosas o pastoreio das aldeias indígenas que até o século xix circundavam as principais povoações. Após a expulsão dos jesuítas e a restrição do poder dos missionários, as aldeias caíram em abandono, e os índios foram incorporados ao proletariado rural ou voltaram totalmente à vida selvagem. Durante o século xviii houve grande debate entre as ordens e o estado, a propósito dos direitos dos missionários sobre os índios. Os colonos desejavam pô-los a serviço de suas lavouras, e acusavam os religiosos, especialmente os jesuítas, de explorar os índios em proveito próprio. Por sua vez os bispos defendiam a jurisdição deles sobre as aldeias. Nesse debate, em que o estado não teve linha firme de conduta, distinguiu-se o padre Antônio Vieira, cuja ação pela palavra e pela atitude pessoal junto às autoridades o coloca em posição destacada na história social do Brasil. O terrível golpe sofrido pela igreja com a expulsão dos jesuítas atingiu também o setor educacional. A criação de mestres régios, para cuja sustentação se estabeleceu um imposto especial, o subsídio literário, não compensou o abalo provocado pelo fechamento dos colégios e escolas que eram gratuitas.
Relações igreja-estado. O poder temporal e o poder espiritual nem sempre se relacionaram bem durante a colônia. O padroado conferido ao estado traduziu-se na prática em uma constante ingerência no patrimônio eclesiástico e nas atividades da igreja. Historicamente a doutrina católica portuguesa sempre foi regalista -- isto é, defensora da ingerência do soberano em questões religiosas -- e galicana -- ou seja, inicialmente defensora da interferência dos reis nos negócios eclesiásticos e depois da autonomia dos bispos em face do Sumo Pontífice, posição que sempre provocou conflitos entre a autoridade real e os representantes do papa. Essa situação se manteve no império. A constituição de 1824 estabeleceu que o catolicismo continuaria como religião do estado. Isso significou na prática a perpetuação de certas vantagens da igreja: manutenção do clero e do culto, dos seminários e das missões, e exclusão dos não-católicos da representação política.
A vida religiosa sofria uma profunda crise em face de tais ingerências. O prestígio do clero decrescia na vida política e cultural. Os conventos se esvaziavam, ordens inteiras extinguiam-se. Em 1854 foi suspenso o noviciado em todas elas. Chegou-se a pensar em extinguir todas as ordens religiosas e secularizar de vez os prelados restantes. Tal estado de coisas explodiu em 1872 na questão religiosa, de sérias repercussões sobre as relações entre o estado e a igreja. Somente em 1890, com a proclamação da república, o governo provisório separou definitivamente a igreja do estado, extinguiu o padroado e proibiu os estados membros de perseguirem ou protegerem qualquer igreja.
A igreja na república. A separação trouxe um surto de renovação para a igreja, com o renascimento de várias ordens religiosas e o aumento de paróquias e dioceses. Os clérigos demonstraram sua aprovação na pastoral coletiva dos bispos, publicada quatro meses após a proclamação republicana, em que saudavam o fim da dependência à autoridade civil. Com efeito, a subordinação indiscriminada de clérigos e leigos ao mesmo poder temporal, caprichoso e arbitrário, acabava por levar para dentro da igreja a situação de relaxamento, negligência e tráfico de influência que acompanharam a administração colonial e imperial.
Em 1939 reuniu-se o I Concílio Plenário Brasileiro, presidido pelo cardeal D. Sebastião Leme. Em 1952 o episcopado constituiu, em caráter permanente e como expressão do colégio episcopal, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (cnbb). Outras entidades católicas que exercem atividade no Brasil são a Conferência dos Religiosos do Brasil (crb), que reúne os superiores de ordens religiosas; o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), que funciona em correlação com as duas Conferências; o Apostolado da Oração, devocional; as Congregações Marianas e as Conferências Vicentinas; e a Associação de Educação Católica, órgão dos estabelecimentos católicos de ensino, que compreende também as universidades, a mais antiga das quais é a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Problemas da igreja no quadro atual. Após o Concílio Ecumênico Vaticano II generalizou-se o emprego da língua portuguesa na missa, a simplificação da liturgia e a adoção de cantos religiosos adaptados à expressão musical popular brasileira. Se tais medidas resultaram no revigoramento da missa e em maior participação da juventude, trouxeram em contrapartida o reforço de uma tendência brasileira de aversão ao ritualismo e a um sentimento religioso que se possa afirmar profundo e consciente. A "democratização" do culto retirou o sentido mais profundo dos ritos, e enfatizou seus aspectos exteriores, mais "festivos" e "teatrais", e criou um ambiente pouco propício à verdadeira espiritualidade. Ao mesmo tempo, alguns setores da igreja, liderados pelo franciscano Leonardo Boff, passaram a defender a chamada teologia da libertação, que clama por um maior engajamento da igreja na sua opção pelos pobres.
Judaísmo. Perseguidos implacavelmente pela Inquisição desde os primórdios da colonização, os judeus conheceram poucos períodos de liberdade religiosa -- tão-somente os interregnos da dominação holandesa na Bahia e em Pernambuco. Em Recife, durante a segunda invasão holandesa, a cidade chegou a ter seu rabino, Isaac Aboab da Fonseca, o primeiro do Brasil e da América do Sul. Somente com a vinda de D. João vi para o Brasil e a assinatura do tratado de comércio e navegação com a Inglaterra, que estipulava a liberdade de consciência, puderam os judeus e seguidores de outros credos gozar de liberdade religiosa.
Há comunidades judaicas espalhadas por todo o Brasil. As maiores localizam-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Embora seus membros se mantenham ligados à tradição, nem todos professam a religião. No início do século XX predominou a imigração de judeus do grupo ashkenazi, que em 1910 fundou no Rio de Janeiro sua primeira sinagoga. Mas o grupo sefardita é ainda mais antigo, existindo desde 1846. Ambos seguem o rito ortodoxo. Em 1966 foi fundada em Petrópolis RJ uma yeshivah destinada à formação de futuros rabinos.
Protestantismo. Durante o Brasil-colônia, as tentativas de fixação no Brasil de núcleos protestantes fracassaram. Somente a partir de 1823, quando se intensificou a imigração estrangeira, grupos de alemães organizaram as primeiras comunidades luteranas. A seguir, estimulados pela política de expansão econômica dos Estados Unidos, organizaram-se missões protestantes de diferentes denominações. Os congregacionistas estabeleceram-se em Petrópolis em 1855; os presbiterianos chegaram ao Rio de Janeiro em 1859; os metodistas em 1867; os batistas estabeleceram-se na Bahia em 1882; o culto episcopal, em Porto Alegre, em 1890; o evangélico luterano na mesma data, em Pelotas RS. As competições internas entre esses vários grupos criaram dissensões e iniciativas de novas igrejas.
As chamadas igrejas históricas do protestantismo perderam terreno para o protestantismo popular, que começou a disseminar-se no Brasil a partir de 1910, com a chegada dos missionários pentecostais. O pentecostalismo subdivide-se em numerosos grupos, dos quais os principais são a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Congregação Cristã no Brasil, a Assembléia de Deus e o Brasil para Cristo.
Outras religiões tradicionais. Os ortodoxos dividem-se entre os filiados à Igreja Católica Apostólica Ortodoxa e os que se mantiveram ligados ao Vaticano. Os ortodoxos russos chegaram ao Brasil em 1871, com o início da imigração russa. Em 1913, os sírio-libaneses construíram em São Paulo o primeiro templo ortodoxo. A Igreja Ortodoxa Grega estabeleceu-se em 1950, em São Paulo. Em 1958 chegaram ao Paraná os russos raskolniks (russos brancos), onde vivem em comunidades agrícolas perto de Ponta Grossa.
O islamismo veio para o Brasil com os negros islamizados -- hauçás, fulas, mandingas -- e funcionou como fator de aglutinação e resistência. Com a abolição, e posteriormente com a dispersão dos líderes negros muçulmanos, o islamismo praticamente desapareceu e limita-se a seus adeptos estrangeiros. O budismo e o zen-budismo são ainda numericamente pequenos no Brasil, embora tenham chegado ao final do século XX com taxas de crescimento apreciáveis. Em 1955 foi criada no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira de Budismo. Em 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, esteve em visita ao Brasil o Dalai Lama.
Espiritismo. Fundado na Bahia em 1865, o espiritismo no Brasil tem um caráter mais religioso que experimental, ao contrário do que ocorre em outras partes do mundo. Em 1884 foi criada a Federação Espírita Brasileira, e em 1897 a Livraria da Federação, que desde então teve um impressionante movimento editorial, com milhões de livros publicados. Somente um dos autores publicados, o médium Francisco Cândido Xavier, é autor de mais de uma centena de obras psicografadas. Em 1957 foi autorizada pelo governo brasileiro, e pela primeira vez no mundo, a emissão de um selo postal com a efígie de Alan Kardec, fundador da doutrina espírita.
Cultos afro-brasileiros. Uma geografia e uma história dos cultos africanos no Brasil representa problema extremamente complexo, devido às origens diversificadas e ao sincretismo, primeiro entre os vários grupos de escravos, depois dos deuses africanos com os santos católicos, para fugir à perseguição imposta pelos senhores. E mais modernamente, com o espiritismo. A Congregação Espírita Umbandista do Brasil, fundada em 1950, e a União Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros, de 1952, junto com outras instituições nacionais e regionais, coordenam e defendem os interesses dos seus fiéis.
Esses cultos da umbanda (nome genérico) sempre exerceram grande atração na sociedade brasileira, seja por seu aspecto exótico, seja pela beleza dos seus ritos. Na Bahia, o culto afro-brasileiro toma o nome de candomblé; no Rio de Janeiro, denomina-se macumba; em outros estados, xangô, pajelança e outras denominações. No entanto, não são idênticos e variam em graus de sincretismo. O candomblé constitui dentre todos o culto mais preocupado em manter sua ortodoxia religiosa e suas raízes africanas, principalmente na Bahia. (Para dados sobre sociedade, DATAPÉDIA.)
Cultura
Vista de uma perspectiva histórica, a vida cultural brasileira nasce da confluência de três culturas: a portuguesa, a africana e a indígena. Na modernidade, agregam-se influências de várias outras culturas, com a chegada de grandes massas de imigrantes italianos, portugueses, alemães, espanhóis, japoneses e árabes. No quadro do fim do século, predomina a influência da cultura americana, fenômeno aliás não estranho aos outros países ocidentais. Essa influência é mais notável nos grandes centros urbanos, onde as massas estão mais expostas aos meios de comunicação de massa, principalmente da televisão. Algumas características regionais, impostas pela diversidade do meio natural, mantêm-se apesar do efeito homogeneizante da mídia. Mas qualquer cidade brasileira, de médio ou grande porte, apresenta certamente comportamentos muito semelhantes nos hábitos de consumo e lazer e no relacionamento social.
Língua
O português é a língua oficial do Brasil, de prosódia muito diferente da língua falada em Portugal e nos países africanos. De todas as dialetações do português, nenhuma chegou ao grau de importância e de desenvolvimento da língua falada no Brasil, seja pelo número de falantes que abrange, seja pela importância de sua literatura, seja pela difusão de que goza com a exportação de programas televisivos para outros países de língua portuguesa, notadamente Portugal. A morfologia permanece a mesma; a sintaxe apresenta vários tipos de concordância, regência e colocação que ora são diferentes dos usados pelos portugueses, ora reproduzem os da língua arcaica, que entrou no Brasil com a colonização. Mas a diferenciação em relação à língua-mãe é ainda maior na fonética, na semântica e na extensão do vocabulário, de tal forma que há quem defenda a existência de uma língua brasileira.
Língua geral, sistematizada pelos jesuítas, o tupi foi falado até o século XIX por todas as tribos do litoral brasileiro. Durante muito tempo foi empregado para comunicação entre índios, mestiços, negros e portugueses, no norte do Brasil. O vocabulário do português falado no Brasil conta com muitos termos do tupi-guarani, sobretudo nomes geográficos -- Pernambuco, Sergipe, Niterói, Curitiba, Ubatuba, Cuiabá -- e adjetivos pátrios -- carioca, capixaba, potiguar, tabajara. É grande também a presença do tupi nos nomes de plantas e animais -- jacarandá, abacaxi, samambaia, peroba, pitanga, tamanduá, caititu, gambá, taturana.
O elemento africano trouxe muito mais contribuições ao léxico que à fonética. Os escravos africanos da segunda geração já pouco ou nada conheciam da língua dos pais e os da terceira já se encontravam totalmente assimilados. Além disso, a massa de escravos trazida para o Brasil dividia-se em diversos falares nativos, que não puderam ter persistência devido à brusca interrupção do contato com suas fontes. Some-se a isso que os falares africanos pertenciam a um outro tipo lingüístico, sem nenhuma afinidade com o português. Os principais foram o nagô, ou ioruba, do grupo sudanês, que irradiou-se a partir da Bahia; e o quimbundo, do grupo banto, que prevaleceu em Pernambuco e outros estados do Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O primeiro deixou contribuições bem visíveis no falar regional baiano; o segundo, falado por uma população muito maior de escravos, teve maior influência na formação do vocabulário. Os termos de procedência africana designam nomes geográficos, como Carangola, Caxambu, Bangu, Cachimbo; alimentos, como acarajé, angu, munguzá, vatapá, cachaça; animais, como caxinguelê, maribondo, camundongo; vegetais, como inhame, diamba, mulungu, dendê; objetos, como carimbo, tanga, miçanga; lugares de habitação, como senzala, mocambo, cafua; e verbos como cochilar, batucar, xingar.
Existem ainda contribuições, mais ou menos valiosas, provenientes de outros povos ameríndios, que, se não atingiram a língua em seus vários aspectos, concorreram para o enriquecimento do vocabulário. As principais foram: o caribe -- pela Venezuela, Guiana e Antilhas -- em vocábulos como colibri, piroga, caimã; o taíno, pelo Haiti, com cacique, batata, tubarão, tabaco, furacão, canoa, canibal, savana; o náuatle, pelo México, com jalapa, cacau, chocolate, tomate, asteca, abacate, sapoti, coiote; o mapuche, pelo Chile, com poncho, araucária; e o quíchua, pelo Peru, com alpaca, condor, chácara, charque, mate, guano, guasca, lhama, pampa, puma, quina, vicunha.
A acrescentação neológica e a contribuição dos estrangeirismos também foram fundamentais na formação da língua falada pelos brasileiros. No século XIX, a influência predominante foi do francês, principalmente no vestuário e na cozinha. A partir da segunda metade do século XX, a língua inglesa, através da influência americana, trouxe inúmeros vocábulos, ligados principalmente à tecnologia, aplicada aos mais diversos campos: marketing, merchandising, software, hardware, off-set, franchising, spray etc.
Cultura popular
O Brasil possui uma riquíssima cultura popular, nascida da contribuição de quatro fontes principais: as culturas negra, portuguesa e índia e a contribuição posterior do imigrante. Cada região brasileira manteve ou modificou em graus diferentes os traços dessa cultura herdada, dentro da tendência universal de aculturação, sempre mais intensa na razão direta do desenvolvimento do meio urbano. A cultura negra teve dois focos principais de gestação: a Bahia e o Rio de Janeiro, embora também presente no restante do Nordeste e em Minas Gerais, sobretudo na música, na dança, na religião popular e na cozinha.
A cultura indígena foi a que deixou traços menos visíveis, devido principalmente ao pouco desenvolvimento que alcançara ao entrar em contato com culturas mais fortes. É visível ainda na cozinha, na música e em manifestações isoladas e em extinção, como os caboclinhos do Nordeste. A cultura portuguesa manteve-se principalmente no sul do país, onde as levas de imigrantes continuaram a suceder-se no século XX. Em muitos estados brasileiros, são comuns as sociedades portuguesas, que correspondem a diversas regiões de Portugal, e que realizam um trabalho concreto de preservação de sua cultura, principalmente canto e dança. A presença da herança portuguesa na cozinha brasileira é definitiva.
As festas folclóricas brasileiras agrupam-se em torno de quatro datas principais: Natal, comemorado de maneira mais ou menos igual em todo o país, sobretudo com a progressiva extinção dos folguedos populares natalinos, como a lapinha, o pastoril e a barca; carnaval, com manifestações próprias no Rio de Janeiro (escolas de samba e bandas), Bahia (frevo, trio elétrico e blocos de afoxé) e Pernambuco (frevo e maracatu). O restante do país ora segue a moda carioca dos desfiles de escolas de samba, ora assemelha-se ao carnaval baiano e pernambucano; São João, comemorado sobretudo no Nordeste, com a realização de quadrilhas, fogueiras e a tradicional cozinha típica, com base no milho: canjica, pamonha e milho assado; e o Divino Espírito Santo, festa mais restrita à área de Minas Gerais e Goiás, de natureza religioso-profana.
De todas as modalidades esportivas praticadas tradicionalmente pelo povo brasileiro, nenhuma alcançou a unanimidade do futebol. Desde as "peladas" nas praias ou em qualquer terreno mais ou menos plano e espaçoso, até os campeonatos e as partidas clássicas disputadas em grandes estádios, o futebol congrega milhares de equipes e seleções e milhões de torcedores, em torcidas organizadas ou espontâneas. As principais equipes de futebol brasileiro, sobretudo os cariocas e paulistas, contam com torcidas nacionais, como o Flamengo, Botafogo, Vasco e Fluminense, no Rio de Janeiro; São Paulo, Santos, Palmeiras e Corinthians, em São Paulo.
A rigor não existe uma, mas várias cozinhas brasileiras, tal a diversidade de pratos, sabores e ingredientes. Talvez a cozinha mais tipicamente brasileira seja a baiana, com seus pratos de origem africana, como o vatapá, acarajé, bobó, abará etc., sempre com a presença do molho de dendê. A cozinha do Nordeste abriga desde os vários pratos de peixe do litoral, dos quais o mais famoso é a moqueca, até a carne de sol com feijão verde e manteiga de garrafa, do sertão. No extremo Norte predominam iguarias como os "bichos de casco" (tartaruga, muçuã, tracajá), os peixes (pirarucu, tucunaré, dourado) e os doces de açaí, buriti e cupuaçu. No Centro-Oeste, há a cozinha mineira, com o leitão a pururuca e o tutu; e a goiana, com o empadão goiano e a galinhada, em que entra o sabor especial do pequi. No Sul, o prato típico é o churrasco de carne bovina, muitas vezes acompanhado do chimarrão.

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