No final do século XX, o surgimento de bactérias
resistentes aos antibióticos tradicionais e de vírus antes ocultos em
ecossistemas intocados pelo homem representou um novo desafio para as
organizações de saúde pública, que se ocupam do controle das doenças
transmissíveis.
Saúde pública é a ciência e a arte de prevenir
doenças, prolongar a vida e promover, proteger e recuperar a saúde física e
mental, com medidas de alcance coletivo e de motivação da população. Cuida
especialmente de administrar e controlar o meio ambiente em benefício da
comunidade. A saúde pública se utiliza de um grupo amplo de profissionais, que
inclui médicos sanitaristas, dentistas, psicólogos, nutricionistas, arquitetos,
engenheiros, educadores, veterinários, administradores hospitalares,
estatísticos, sociólogos, economistas, entre outros.
Esses profissionais atuam no setor da habitação,
cuidando da construção adequada de moradias e da instalação de sistemas
eficientes de aquecimento e ventilação, e no campo do fornecimento de água e
alimentos, que podem ser contaminados por substâncias químicas tóxicas e por
agentes nocivos à saúde. Pode ser vista como uma especialização da saúde
pública a medicina ocupacional, que cuida da saúde, da segurança e do bem-estar
dos indivíduos em seu local de trabalho.
A atividade de promoção e manutenção da saúde
pública requer métodos especiais de coleta de informações (epidemiologia). Os
dados coletados pelos epidemiologistas tentam descrever e explicar a ocorrência
de doenças numa população mediante sua correlação com fatores como regime
alimentar, meio ambiente, radiação e fumo.
As leis e regulamentos sanitários se destinam a
garantir condições de vida saudáveis à população. Esses códigos permitem
supervisionar e inspecionar o abastecimento de água, o processamento de
alimentos, o tratamento de esgotos e a qualidade do ar. Os governos também
podem recorrer ao estabelecimento de quarentenas (isolamentos) forçadas para
evitar a disseminação de doenças contagiosas. Em portos e aeroportos, estações
ferroviárias ou pontes rodoviárias nas fronteiras, equipes de inspeção procuram
garantir que microrganismos causadores de doenças transmissíveis não ingressem
no país.
História
Os povos primitivos, em sua maioria, praticavam a
higiene pessoal e a limpeza por razões religiosas e, em geral, com o objetivo
de aparecerem puros aos olhos dos deuses. Por milhares de anos, as sociedades
primitivas encararam as epidemias como sentenças divinas destinadas a punir as perversidades
do ser humano. A ideia de que a pestilência tem causas naturais, como o clima e
o meio ambiente, evoluiu, porém, gradualmente. Esse grande avanço no pensamento
ocorreu na Grécia nos séculos V e IV a.C. e representou o primeiro esboço de
uma teoria racional e científica sobre a causa das doenças. A higiene pessoal e
os serviços públicos de saneamento tiveram grande desenvolvimento nas cidades
gregas, e posteriormente entre os romanos.
Idade Média.
Em termos de doenças, pode-se dizer que a Idade
Média começou com a peste do ano 542 e terminou com a peste negra (bubônica) de
1348. Entre as doenças epidêmicas desse período incluíam-se a hanseníase, a
peste bubônica, a varíola, a tuberculose, a escabiose, a erisipela, o antraz, o
tracoma e a febre epidêmica. O isolamento de pessoas portadoras de doenças
transmissíveis surgiu em resposta à disseminação da hanseníase. As casas para
hansenianos chegaram a 19.000 no século XIII. Essa doença se tornou um grave
problema na Idade Média, particularmente nos séculos XIII e XIV.
Vinda do Oriente Médio, a peste negra atingiu o
sul da Europa em 1348 e em apenas três anos se disseminou por todo o
continente. O principal método de combate à peste era isolar casos confirmados
ou suspeitos, bem como pessoas que tinham estado em contato com os doentes. O
período de isolamento era no início de 14 dias e aumentou gradualmente para
quarenta. Nessa fase, foram dados alguns dos primeiros passos em saúde pública,
como iniciativas para enfrentar as condições insalubres das cidades, a criação
de hospitais gerais e a prestação de atendimento médico e assistência social à
população.
Renascimento.
Séculos de avanços tecnológicos culminaram em
diversas conquistas científicas durante o Renascimento, com o estabelecimento
da anatomia e da fisiologia. Os métodos de observação e classificação tornaram
possível também um reconhecimento mais preciso das doenças. Começou a tomar
forma a ideia de que organismos microscópicos podem causar doenças
transmissíveis. Viagens marítimas prolongadas levaram os holandeses e depois os
ingleses a relacionar o aparecimento do escorbuto com a ausência de frutas
cítricas na alimentação dos tripulantes. Já disseminada na China e entre os
árabes, a varíola foi levada de Constantinopla (atual Istambul) para toda a
Europa, em 1718, e mais tarde chegou ao Brasil. Em 1796, o médico inglês Edward
Jenner descobriu a vacina antivariólica, o que representou um importante golpe
para o avanço da doença.
Revolução industrial.
No século XVIII e começo do seguinte, teve início
o fenômeno do crescimento populacional acelerado das grandes cidades, motivado
pela rápida industrialização. Essa imensa urbanização deu origem a graves
problemas sociais, tais como aumento da mortalidade geral, promiscuidade, redes
de esgoto e de abastecimento de água mal projetadas, deficiência quantitativa e
qualitativa da assistência médica, principalmente hospitalar, além da carência
e da insalubridade das moradias.
Tiveram início no começo do século XIX, em
diversos países, movimentos por melhoria das condições sanitárias das cidades.
Nesse período também se observou um rápido crescimento dos hospitais, além de
esforços para educar a população em matéria de saúde. Com a revolução
industrial, a saúde e o bem-estar dos trabalhadores se deteriorou. Na
Grã-Bretanha, onde a revolução industrial e seus piores efeitos sobre a saúde
dos trabalhadores foram experimentados, surgiu no século XIX um movimento por
reformas sanitárias que levou ao estabelecimento de instituições de saúde
pública.
Em 1832 o advogado Edwin Chadwick foi nomeado
membro da comissão real encarregada, no Reino Unido, de pesquisar as condições
de aplicação da Lei dos Pobres. Em 1842, publicou-se o famoso trabalho de
Chadwick, The Sanitary Conditions of the Labouring Population of Great Britain
(As condições sanitárias da população trabalhadora da Grã-Bretanha). Nessa
obra, a estatística foi aplicada cientificamente na medição das condições
socioeconômicas e sanitárias de uma apreciável parcela da população.
Realizaram-se nessa fase, com a ajuda da análise
estatística, pesquisas epidemiológicas rigorosas sobre algumas doenças, sem
conhecimento dos respectivos agentes etiológicos. Na primeira metade do século
XIX, John Snow descreveu a epidemia de cólera de Broad Street, em Londres -- demonstrando
sua transmissão pela água de um poço que fora contaminado durante a lavagem de
roupa de uma criança infectada. William Budd demonstrou, também no Reino Unido,
a transmissão de febre tifóide pelas dejeções e pela roupa de cama usada pelo
doente. Peter Ludvig Panum estudou a epidemiologia do sarampo durante um surto
ocorrido em 1846, na Dinamarca, e mostrou que as pessoas mais velhas não
manifestaram a doença porque haviam adquirido resistência durante uma epidemia
que grassara na ilha sessenta anos antes.
Século XX.
Na virada do século XIX para o XX, o controle das
doenças endemoepidêmicas tendeu a tomar o lugar do saneamento do meio ambiente
como a principal tarefa da saúde pública. O marco inicial dessa fase foi o ano
de 1876, quando Robert Koch demonstrou a origem microbiana de uma doença
humana. A atividade predominante dos serviços de saúde pública era o controle
de doenças transmissíveis. Os dois maiores sanitaristas brasileiros, Osvaldo
Cruz e Emílio Ribas, eram primordialmente bacteriologistas que chegaram à
direção dos serviços de saúde pública com a missão precípua de controlar as
epidemias que ocorriam no Rio de Janeiro e no estado de São Paulo.
Nessa fase identificaram-se os agentes
etiológicos de grande número de doenças infecciosas, com a ajuda de métodos de
isolamento e caracterização de bactérias criados por Louis Pasteur, Ferdinand
Julius Cohn e Robert Koch, entre outros. Pasteur estabeleceu os princípios da
imunização ativa e passiva; Joseph Lister desenvolveu os conceitos da cirurgia
anti-séptica; descobriram-se vetores e reservatórios de diversos
microrganismos; e desapareceram as epidemias para as quais existiam métodos
específicos de profilaxia.
Vencidas as primeiras doenças epidêmicas nos
países desenvolvidos, iniciou-se na segunda década do século XX uma fase da
saúde pública voltada para a medicina preventiva. O marco da transição foi a
criação da primeira escola de saúde pública do continente americano, a Escola
de Higiene e Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Estados
Unidos, graças a uma doação da Fundação Rockefeller. As duas instituições
exerceram marcada influência na organização dos serviços de saúde pública de
várias regiões do mundo.
A prevenção de doenças e a promoção da saúde eram
alcançadas por meio de exames médicos periódicos, educação sanitária, melhoria
do padrão alimentar, entre outras medidas. Receberam atenção especial as
gestantes, os bebês e as crianças em idade escolar. Em alguns países, a
assistência médica curativa prestada pelas unidades sanitárias locais se
restringia ao tratamento da tuberculose, das doenças sexualmente transmissíveis
e da hanseníase, segundo sua prevalência.
Os resultados do combate a inúmeras doenças
transmissíveis mostraram êxitos espetaculares. A imunização antidiftérica das
crianças foi iniciada em Nova York em 1920. Daí até 1928, foram imunizados
500.000 menores. Em 1940, sessenta por cento dos pré-escolares foram
protegidos. A mortalidade por difteria baixou de 785 habitantes por cem mil, em
1894, para 1,1 por cem mil, em 1940. Em New Haven, Estados Unidos, a
mortalidade por diarréia infantil, que era de 103 por cem mil em 1881, caiu
para dez em cem mil em 1926. O combate eficaz ao transmissor resultou então no
desaparecimento da febre amarela urbana de quase todas as cidades do mundo.
Da década de 1940 em diante, a saúde pública
mostrou especial atenção pelo bem-estar físico e mental da população. Após a
segunda guerra mundial foi criada a United Nations Relief and Rehabilitation
Administration (UNRRA, Administração das Nações Unidas para a Ajuda e
Reabilitação), cujo objetivo era propiciar assistência social integral,
inclusive médica, às populações devastadas pelo conflito. As atividades de
assistência médica e de saúde pública tiveram então que ser diretamente
cotejadas, em um escalonamento prioritário, com outras que também se
relacionavam com a melhoria do padrão de vida, tais como reconstrução de
fábricas, de moradias, distribuição de sementes, de implementos agrícolas e
substituição de rebanhos.
Tendências atuais
Na atualidade, prioriza-se o atendimento
pré-natal como forma de medicina preventiva, na esperança de controlar, por
intermédio da educação das mães, a saúde física e psicológica da família e das
futuras gerações. O atendimento pré-natal oferece à gestante ensinamentos sobre
higiene pessoal, alimentação, exercício, danos produzidos à saúde pelo
tabagismo, ingestão cautelosa de álcool e sobre os perigos do uso de drogas.
As preocupações da saúde pública também
voltaram-se para distúrbios como o câncer, as doenças cardiovasculares, as
doenças pulmonares e outras. Comprova-se, cada vez mais, que essas doenças são
causadas por fatores nocivos e presentes no meio ambiente no qual o homem está
inserido, como a associação entre o tabagismo e certas doenças cardiovasculares
e pulmonares. Teoricamente, tais doenças podem ser prevenidas se o ambiente for
alterado.
Algumas características sociais marcam certos
aspectos da saúde pública nos dias atuais: (1) tendência à urbanização em todo
o mundo; (2) aumento da vida média da população e seu consequente
envelhecimento; (3) problemas médicos e socioeconômicos motivados pelo
envelhecimento da população; (4) elevação sensível, em todos os países, da
parcela de população que vive de salários; e (5) aumento acelerado do
percentual de indivíduos que, embora não sejam indigentes, são incapazes de
financiar o tratamento médico-cirúrgico de urgência ou clínico-hospitalar de
doenças crônicas.
A saúde pública, nessa fase, ampliou seus
objetivos e abrange hoje todos os problemas do binômio saúde-doença numa
comunidade. Firmou-se também o trabalho de equipe multiprofissional, na qual,
ao lado do médico -- clínico-geral ou especialista -- estão a enfermeira, o
dentista, o engenheiro sanitarista, o veterinário de saúde pública, o educador
de saúde, o farmacêutico, o estatístico, o sociólogo ou antropólogo, o
assistente social etc.
Países desenvolvidos.
Entre os países desenvolvidos, as tendências mais
visíveis no final do século XX eram: a mudança de conceito de doença prevenível,
que passou a incluir os tumores malignos, o reumatismo, as doenças
cardiovasculares, outras doenças crônicas e degenerativas e até mesmo
acidentes; a necessidade de criação de serviços especiais para a população
idosa, entre as quais medidas de prevenção do envelhecimento precoce e de
doenças crônicas e degenerativas, e outras destinadas a combater os problemas
resultantes da solidão e da inatividade; a pesquisa de medidas para combater o
surgimento de novas gerações de bactérias resistentes aos antibióticos
tradicionalmente empregados contra elas, caso do bacilo de Koch, causador da
tuberculose; o controle da AIDS; e uma crescente preocupação com a qualidade do
meio ambiente, sobretudo com a contaminação do ar e da água por resíduos
atômicos e poluentes químicos.
Países subdesenvolvidos.
Depois de erradicada a varíola e a poliomielite
da maior parte do planeta, as agências de saúde pública dos países
subdesenvolvidos começaram a enfrentar, no final do século XX, o desafio de
controlar a disseminação de doenças transmissíveis como AIDS, hepatite, cólera,
dengue, raiva, hanseníase, tuberculose e a doença do sono. As doenças
sexualmente transmissíveis, um antigo problema, e as causadas por parasitos,
como a esquistossomose, também tiveram aumento de incidência. Para combater o
problema da desnutrição, começaram a ser desenvolvidos suplementos alimentares
ricos em vitaminas e proteínas e programas educacionais mais eficazes.
Agências de saúde.
Cada país possui organizações para promover,
proteger e recuperar a saúde da população, classificadas em três tipos gerais,
que podem ser combinados dois a dois ou mesmo os três: (1) hospitais,
destinados à assistência médica a pacientes internados e a outros que podem
freqüentar ambulatórios; (2) serviços convencionais de saúde pública,
geralmente estatais, com atividades mais voltadas para a prevenção de doenças
transmissíveis e o exame médico periódico de crianças, adolescentes e
gestantes; e (3) serviços de assistência médica com finalidade principalmente
curativa e ambulatorial, destinados a um grupo de pessoas ou a uma comunidade.
Este último tipo, conforme o país, assume vários
modos de organização. Geralmente é acompanhado de seguro médico e afim,
obrigatório ou facultativo, geral ou restrito a um grupo populacional. Pode ser
oferecido pelo estado ou por particulares, geralmente por intermédio de grupos
de médicos. Não está necessariamente associado à assistência hospitalar e
deveria, obrigatoriamente, oferecer uma medicina integral.
Uma organização internacional de saúde criada em
1907, em Paris, foi absorvida em 1948 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Entre as mais importantes funções da organização estão os serviços consultivos
oferecidos aos governos por intermédio de seus quadros regionais. Escritórios
regionais em vários países, tanto desenvolvidos quanto subdesenvolvidos, assim
como representantes locais em diversos países subdesenvolvidos ajudam a OMS a
manter contato com as necessidades e fontes de ajuda financeira. A OMS mantém
estreita relação com outras agências das Nações Unidas, como o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO).